É comum a comparação entre a política e o xadrez. Em ambos, a sagacidade dos jogadores de anteverem as jogadas dos oponentes e, então, escolherem suas opções de movimentos é a diferença entre a vitória e a derrota. Um dos maiores mestre enxadristas da história foi o russo Garry Kasparov, que acumulou 15 anos sem saber o que era uma derrota. Na política nacional, é difícil encontrar quem discorde de que Gilberto Kassab também seja mestre em seu ofício.
Leia Mais
Silveira diz que Kalil é 'caminho natural' do PSD nas eleições em MGCiro e Kalil terão conversa em BH; PDT vislumbra união com o PSD em MinasGilberto Kassab: 'sou contra a coligação nas eleições'Moro e Doria trabalharam bastante para BolsonaroO show de horrores da política brasileira nas relações exterioresA circunstância que mudou no jogo de Kassab foi a possível saída de Rodrigo Pacheco da corrida presidencial antes do que seria o ideal. O plano evidentemente nunca foi eleger Pacheco, mas dar A Kassab um álibi para ficar neutro no primeiro turno. Caso Pacheco permanecesse em campanha, o PSD poderia se manter neutro na disputa entre Bolsonaro e Lula.
A neutralidade é importante para Kassab, pois seu partido é uma agremiação por conveniência nada ideológica. No sul do Brasil, o PSD tem expoentes conservadores, como o governador do Paraná, Ratinho Júnior. No Nordeste, o partido tem quadros com viés de oposição, como o senador baiano Otto Alencar. Sendo assim, ter um álibi no primeiro turno é vital para manter a unidade do partido.
Com a saída de Pacheco do tabuleiro – já que a aventura eleitoral começava a atrapalhar seu real objetivo, que é a reeleição para a presidência do Senado – Kassab precisava de outra peça. Foi nesse contexto que o nome de Eduardo Leite apareceu.
Para Eduardo Leite, a disputa pela Presidência da República e a chance de se tornar conhecido nacionalmente, compensam a grande possibilidade de ficar quatro anos sem mandato. Isso não chega a ser nenhuma catástrofe para um político de 36 anos. Mas, para Kassab, além do álibi eleitoral, existe um outro objetivo no flerte do PSD com Leite: tirar quadros do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Em março, começa a janela partidária. Durante um mês, deputados federais, estaduais e distritais poderão trocar de partido para concorrer ao pleito deste ano sem perder o mandato. Todos sabem o quanto o PSDB está em frangalhos depois da disputa nas prévias entre João Doria e o próprio Eduardo Leite, sendo um momento excelente para a ofensiva de Kassab sobre seus quadros. O movimento já parece ter surtido efeito.
José Aníbal, quadro histórico do PSDB, em entrevista, na última quinta-feira, ao jornal Valor Econômico, se manifestou sobre a saída de Leite do partido: “Não tiro as razões dele”. Aníbal ressalta que mesmo sua situação no partido é incerta. “Meu propósito é seguir no PSDB. Mas não adianta continuar para ser carregador de caixão”, disse.
Mesmo a aproximação de Kassab com Lula não fica prejudicada pelo lançamento da campanha de Leite. Quanto mais fragmentada for a campanha da centro-direita, melhor para o ex-presidente. Com a vantagem de que, caso Leite suba nas pesquisas, o mais provável é que tire votos que iriam para Bolsonaro.
Em uma só jogada, Kassab mantém a unidade do seu partido, atrapalha ainda mais a situação de um partido concorrente e mantém a porta aberta no caso de uma eleição de Lula. Kasparov ficaria orgulhoso.
Interessante que Kasparov buscou durante muito tempo o ativismo político em oposição à Vladimir Putin, mas, em 2014, se naturalizou croata e disse que não retornaria mais ao seu país natal. Talvez se o mestre enxadrista tivesse umas aulas com o político brasileiro o desfecho pudesse ser um pouco diferente.