Observando as últimas pesquisas eleitorais, parece que o que impede a definição dessas eleições já em primeiro turno é a alta rejeição do atual presidente entre as mulheres e a também alta rejeição do ex-presidente Lula entre o eleitorado evangélico. É importante ter isso em mente quando se analisa o papel das esposas dos dois candidatos em suas respectivas campanhas.
No jargão do marketing político é importante criar personas, ou seja, personagens que gerem identificação no eleitorado para ou agregar votos ou consolidar os que já possuem. É exatamente isso o que ocorre nesse momento em torno da primeira-dama Michele Bolsonaro e de Rosângela da Silva, conhecida como Janja e atual esposa de Lula.
Mesmo sabendo que boa parte do eleitorado afirma que as esposas dos candidatos impactam pouco na definição de seus votos – 77% no caso de Michele e 81% no caso de Janja, segundo pesquisa da Quaest da semana passada – as equipes das campanhas têm dado cada vez mais destaque para ambas. Os motivos talvez ainda não possam ser devidamente medidos pelas pesquisas atuais, mas podem ser analisados.
O primeiro e principal motivo é que o conhecimento de ambas ainda pode crescer muito. Segundo a mesma pesquisa da Quaest, 81% do eleitorado não sabem quem é Janja, enquanto 43% desconhecem Michelle Bolsonaro. Existe espaço para se criar uma persona em torno de Janja e explorar ainda mais a já cristalizada imagem religiosa de Michelle.
Para o ex-presidente Lula é fundamental conter o crescimento de Bolsonaro no eleitorado feminino. Na última pesquisa do Datafolha, Bolsonaro oscilou para cima nas intenções de votos femininos (de 27% para 29%). Ainda que seja dentro da margem de erro, é importante notar que na pesquisa do mês anterior Bolsonaro já havia subido de 21% para 27%. Assim, pode-se considerar que existe uma estratégia vencedora na redução da rejeição do presidente entre as mulheres. É difícil negar que Michelle não tenha sido fundamental para essa estratégia.
O incidente não explicado de receber oitenta e nove mil reais de Fabrício Queiroz logo no início do mandato de Bolsonaro e outras intempéries mais recentes, não parece afetar a imagem da primeira-dama. Segundo a Quaest, entre os que conhecem Michelle, somente 26% acreditam que sua imagem seja negativa e essa rejeição cai quase pela metade (14%) quando se faz o recorte entre o público evangélico.
Ou seja, Michelle Bolsonaro parece ter mesmo potencial – a medida que se torne mais conhecida – de reduzir a rejeição entre as mulheres e preservar ou aumentar a intenção de votos entre os evangélicos. Aliás, diferença a favor de Bolsonaro nesse público nunca foi maior segundo o último Datafolha, sendo hoje 17 pontos percentuais.
Janja até pode oferecer um contraponto importante à Michelle em relação ao público feminino de forma mais geral. Janja é menos conhecida que a atual primeira-dama, tem um perfil progressista, que pode até agregar pessoas de classes mais altas aos eleitores de Lula. No entanto, parece ser difícil Janja rivalizar com Michelle entre os evangélicos.
Segundo a Quaest, apenas 44% dos evangélicos consideram a imagem de Janja positiva. Ao contrário de Michelle, suas pautas preferidas estão longe de ser sobre costumes, mas ligadas à alimentação saudável e até uma atitude mais inclusiva em relação às religiões de origem africana. Não por acaso, grupos bolsonaristas têm espalhado imagens de Janja junto a orixás da umbanda e do candomblé.
O papel das esposas dos candidatos à presidência é mais um fator inédito nessa campanha. Só se terá a real ideia de quanto essas personas servirão do ponto de vista eleitoral quando se tornarem mais conhecidas do público em geral. Tudo indica que isso de fato ocorrerá com o início da campanha de rádio e televisão.
Wagner Parente é advogado, especialista em relações governamentais