Wagner Parente
Um dos argumentos racionais que apareceram entre os que não votaram em Lula foi a absoluta ausência de propostas em diversas áreas, mas principalmente na esfera econômica. Essa ideia foi resumida por alguns como um suposto “cheque em branco” para o Partido dos Trabalhadores fazer o que bem entender com o Brasil novamente. Essa, no entanto, parece uma visão bastante superficial do que aconteceu na política nos últimos meses.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que a declaração de Lula de que não vai concorrer à re- eleição foi uma sinalização deixada para a última semana de campanha. Essa movimentação deixa claro que seu governo será uma transição, quem sabe, para a normalidade institucional, perdida nesses quatro anos de governo Bolsonaro. Além disso, a afirmação facilita a formação de um governo que se sustente a despeito da forte oposição que Lula deve enfrentar no Congresso.
Como já afirmado algumas vezes neste espaço, o Congresso Nacional de hoje é muito mais poderoso do que quando Lula governou o país, 20 anos atrás. Dar espaço – e talvez até protagonismo – para potenciais aliados em seu governo pode ser uma das únicas alternativas para não correr o risco de sofrer um impeachment, como ocorreu com Dilma.
Sendo assim, Lula terá que abrir espaço no Poder Executivo e não terá condições de impor pautas nem na Câmara dos Deputados nem no Senado Federal. Muito difícil imaginar, por exemplo, que o presidente consiga restabelecer a contribuição sindical obrigatória, com a revogação de parte da reforma trabalhista aprovada por Michel Temer. Mesmo se quisesse (não está claro que quer), o Congresso não vai deixar.
Além disso, o espaço fiscal será um limitador muito importante do que poderá ser realizado por Lula, pelo menos nos primeiros meses de seu mandato. O cenário recessivo mundial, que reduzirá a demanda por minério de ferro e das commodities agrícolas, impactará a economia brasileira e, com isso, a arrecadação. Soma-se a essa conjuntura as contas deixadas por Bolsonaro – por exemplo, os precatórios pedalados de 2022 para 2023 – e vê-se que o petista não tem a menor condição de falar em grandes planos mirabolantes de investimento público, ao estilo do famigerado Plano de Aceleração do Crescimento.
A realidade é que os investimentos, principalmente em infraestrutura, dependerão majoritariamente de recursos privados. Lula sabe que os bancos públicos, em especial o BNDES, podem ter um papel relevante para o incentivo nessas alocações em investimentos vultosos e de longo prazo, mas não terão condições de ser seu principal financiador.
O dinheiro privado só aparece se houver estabilidade fiscal, segurança jurídica e o mínimo de harmonia política. É exatamente o oposto do que ocorreria com um revogadaço das reformas aprovadas até aqui. Dessa forma, mesmo que Lula quisesse e conseguisse o apoio no Congresso, revogar marcos aprovados – como o do saneamento – teria um custo tão alto de afastamento do investimento privado que talvez o governo não se sustentasse por quatro anos.
Sendo assim, parece que nunca um presidente recebeu um país com tão pouco espaço para manobra. O que o presidente eleito pode – e deve – fazer é restabelecer a tranquilidade institucional. É um trabalho que rende poucas fotos, como o que ocorre com as grandes inaugurações; mas sem dúvida é do que mais o país precisa agora. Lula recebeu um cheque preenchido, só podemos torcer que saiba o que fazer com ele.