Acompanhar as notícias de política no Brasil, sem minimamente entender os interesses por trás é o mesmo que buscar um norte em bússola quebrada. A semana passada foi profícua em notícias dos movimentos da classe política, que não necessariamente são o que parecem.
Começando pelo giro de Lula por Brasília, a foto do presidente eleito com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) passa a ideia que não existe ressentimento entre ele e alguns de seus algozes do passado.
Os ministros mais bolsonaristas – Kássio Nunes Marques e André Mendonça – pareciam bastante à vontade com o futuro chefe do Executivo. O mesmo pode ser dito aos afagos em Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Todos votaram contra um habeas corpus preventivo em 2018, que salvaria Lula da prisão.
Não se trata de um perdão abnegado, mas sim o pragmatismo de um político experiente. Lula se acha injustiçado e atribui parte dessa injustiça ao STF. Da mesma forma, dificilmente os ministros que o julgaram mudariam de ideia hoje. No entanto, o presidente eleito sabe o mal que uma relação conflituosa com seus vizinhos na Praça dos Três Poderes pode causar ao seu governo.
Essa visão mais racional parece contraditória com a fala emocionada de Lula, na última quinta-feira, contra as âncoras fiscais, em contraposição à necessidade de gastos sociais. Meirelles chegou a dizer que Lula “dilmou”. Essa fala, somada à possibilidade de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tira permanentemente os programas sociais do teto de gastos, derrubou a bolsa e fez o dólar subir.
Talvez essa fala também não seja bem o que parece. Indicar alguém eminentemente técnico e que não seja domável para o Ministério da Fazenda pode ser um problema para o presidente eleito. Ver figuras como André Lara Resende e Pérsio Arida na transição podem ter deixado as expectativas altas demais em relação à condução da economia.
Trazer um nome como o do ex-ministro Guido Mantega para a transição e fazer esse tipo de discurso pode abrir caminho para que um nome petista moderado – como Alexandre Padilha ou Wellington Dias – seja recebido com alívio, e não com resistência.
No mesmo giro por Brasília, Lula visitou Arthur Lira (PP-AL) na residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados. Nesse encontro, parece ter havido uma composição no sentido de garantir a tal PEC, que embase o orçamento secreto (talvez um pouco menos secreto) ao mesmo tempo em que tira do teto de R$ 100 bilhões a R$ 175 bilhões para a manutenção de programas sociais.
Pode apostar que depois da semana passada, caso esse acordo seja mesmo cumprido por ambos, não haverá mais qualquer crítica por parte de Lula à parcela do Orçamento controlada pelo Congresso. Essa situação coloca Lira na melhor posição possível: poderá tornar seu poder sobre o Orçamento constitucional e ainda abre um canal com o novo governo Lula. Quem não gostou nada desse fortalecimento de Lira foi seu oponente em Alagoas, Renan Calheiros (MDB-AL).
Renan, mesmo sendo indicado pelo seu partido para compor a equipe de transição, criticou demais a tal PEC. Chegou a dar declarações aos jornais de que seria uma “barbeiragem”. Além disso, Renan publicou em redes sociais que a constitucionalização do orçamento secreto apavora porque sinaliza descompromisso com a política fiscal. Na realidade, o apavora ver seu principal oponente ganhando força e seu filho perdendo fôlego na disputa pela presidência do Senado.
Mesmo não sendo possível assimilar todos os interesses por trás dos movimentos, só o exercício já vale a pena. Corre-se até o risco de – às vezes – acertar.