Com o início da segunda semana útil do novo governo começando, algumas idealizações precisam ser postas em perspectiva. Talvez a principal seja de que a tal frente ampla será como a fotografia emblemática da subida da rampa na posse do presidente eleito: pessoas de diversas origens caminhando em harmonia na mesma direção.
Para começar, a realidade é que fez parte também incluir no primeiro escalão do governo uma deputada sabidamente apoiada pela milícia carioca, caso da Ministra do Turismo, Daniela do Waguinho (União-RJ). Faz parte também apagar diversos incêndios de novos (ou antigos) aliados agindo com pouca coordenação com o novo presidente eleito.
Para citar somente as três mais graves, houve os episódios da (re)oneração dos combustíveis, da revogação da Reforma da Previdência, e da alteração das competências da Agência Nacional de Águas (ANA), que afeta de sobremaneira o Marco do Saneamento.
Além disso, a necessidade de criação de 37 ministérios para comportar aliados tem pelo menos dois efeitos pouco comentados. Não se trata da elevação de despesas, irrelevante para o orçamento, mas sim do ponto de vista da gestão pública mesmo.
O primeiro é a sobreposição de funções. São diversas situações em que a Medida Provisória com a nova estrutura do governo deixa competências em zona cinzenta. Alguns dos mais emblemáticos vêm do desmembramento do antigo Ministério da Economia. Os Ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento e da Gestão ainda vão se esbarrar muito no dia a dia até que fique claro quem é responsável pelo quê.
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O presidente eleito sabe perfeitamente que fazer campanha com frente ampla é bem diferente de governar com uma. Para tentar dar alguma coesão ao seu grupo de ministros, Lula parece ter dado status diferenciado ao seu ministro da Casa Civil, o ex-governador da Bahia, Rui Costa.
Interessante Rui Costa ter pedido para retirar o termo “ministro-chefe” da Casa Civil, conforme revelou no programa Roda Viva, que foi ao ar no dia 2 de janeiro de 2023. Segundo o ministro, a ideia seria exatamente acabar com o conceito de que “existe um ministro-chefe dos outros”. Não foi essa impressão que ficou ao desdizer o ministro da Previdência Carlos Lupi (PDT-RJ), quando defendeu a antirreforma da previdência citada anteriormente. Lupi parecia levando um puxão de orelha do chefe.
A coordenação do governo deve ter ainda mais trabalho porque a tendência é essa frente ampla se alargar ainda mais. É provável, por exemplo, que o Republicanos venha para a base do governo, mais ou menos no mesmo estilo que o União Brasil.
Mesmo sem a adesão formal à base do governo Lula, o União de Luciano Bivar ficou com três ministérios. O motivo, obviamente, são os 59 deputados eleitos pelo partido. O Republicanos elegeu menos (41), mas tem muito mais condições de entregar esses votos do que o União. Se entregar, é bem provável que Lula conceda espaço para o Republicanos no primeiro escalão, sem condicionar a adesão formal do partido.
Achar espaço quando todos os ministérios já estão ocupados não deve ser tarefa fácil. Caso decida vir mesmo para o governo, é possível que o Republicanos peça os mesmos três ministérios concedidos ao PSD de Gilberto Kassab - já que possuem bancadas equivalentes na Câmara –, mas termine levando um ou dois somados a outros cargos de segundo escalão.
Ao que tudo indica, a conversa com o Republicanos já começou. Caso o deputado Jhonathan de Jesus (Rep-RR) seja indicado pelo presidente Lula ao Tribunal de Contas da União, é provável que pelo menos um ministério seja dado ao partido do líder Marcos Pereira.
São três as possibilidades para acomodar o Republicanos na Esplanada: primeiro, ceder um dos ministérios controlados pelo PT; segundo, reduzir o espaço do União se não entregar seus votos; e por último, retirar o Ministério do Desenvolvimento (MDIC) do vice Geraldo Alckmin.
Faz sentido que Alckmin não dure muito no MDIC. Além de Lula precisar ceder espaço, precisará também de um vice durante as diversas viagens que pretende fazer. Entre janeiro e fevereiro, Lula pretende visitar Argentina, Uruguai e Estados Unidos.
Já era esperado que essas crises aparecessem no início do governo. A idealização de unicidade em um gabinete tão diverso e amplo não ocorrerá. Lidar com essas crises é fazer política, e nos últimos anos a sociedade aprendeu da pior forma possível que a alternativa à política é a barbárie.