Agora que o Big Brother Brasil 23 acabou, vai começar outro reality que tem tudo para ser líder de audiência. A comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI), que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro, deve drenar atenção pública e expor as fragilidades da relação do governo com o Congresso Nacional e com os militares. Bem que Lula tentou evitar a instalação da CPMI, mas foi atropelado pelas imagens do seu ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general Gonçalves Dias, perambulando pelo Palácio do Planalto durante a invasão. “G.Dias” perdeu o cargo e o governo perdeu a oportunidade de evitar trazer de novo à tona a participação de militares nesses atos.
Sabe-se que parte das Forças Armadas tinha, sim, alinhamento com ideias golpistas e participou dos atos de janeiro, fato que vem sendo investigado pela Justiça. Para Lula, a ideia inicial parecia ser deixar que o Judiciário investigasse e punisse os “maus militares”, enquanto defenestrava os fardados bolsonaristas dos cargos em confiança do Poder Executivo. No meio do processo, lentamente buscaria reconstruir sua relação com as forças.
A nomeação de José Múcio foi um primeiro indício de que o revanchismo contra as forças não seria uma bandeira do governo. O presidente foi muito criticado, já que Múcio tem boa interlocução com conservadores, sendo inclusive elogiado por Hamilton Mourão (Republicanos-RS), quando anunciado.
No entanto, a instalação da CPMI tende a prejudicar a contemporização buscada por Lula. Mesmo entre os indicados pelo governo, será difícil não apontar a participação dos militares. Do outro lado, haverá uma tropa de choque alinhada ao ex-presidente Bolsonaro, sedenta por fazer valer a versão absurda de que o governo eleito foi conivente com a invasão na sede dos poderes.
A relação, ainda em construção, do governo Lula com o Congresso também será testada. Sem boa vontade política, a teórica vantagem que o governo tem na nomeação dos membros da comissão pode evaporar rapidamente. Em uma CPI mista – composta por 16 senadores e 16 deputados – os membros são indicados proporcionalmente pelos blocos partidários do Senado e da Câmara. Quanto maior o bloco, mais membros se pode indicar. Arthur Lira (PP-AL) controla o maior bloco de deputados e, por isso, deve indicar cinco membros e provavelmente o presidente da comissão.
Evidentemente, Lira deve indicar algum deputado de sua confiança para a presidência da CPMI. Um dos nomes que circula é de Arthur Maia (União-BA), opositor ao Partido dos Trabalhadores na Bahia. O governo começaria o jogo perdendo e, por isso, vai ter que fazer esforça extra para indicar um senador aliado para ser o relator.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) teria apoio do governo para relatoria, mas deve encontrar resistências de Lira, por isso deve ser preterido. Nos bastidores, Jacques Wagner articula para emplacar um colega menos midiático, como o do senador Eduardo Braga (MDB-AM).
Além dos cargos mais importantes, os membros da comissão podem alterar muito a situação do governo. De partidos que são rachados – como o União Brasil – podem sair tanto aliados de Lula como Bolsonaristas.
Mesmo aliados de primeira hora podem gerar problemas. O deputado Lindenbergh Farias (PT-RJ), por exemplo, é tido como um dos prováveis representantes do governo. Mesmo sendo um lulista inconteste, Lindenbergh já mostrou no passado que pode ser difícil de controlar.
Manter essa CPI sob controle é tudo que o governo gostaria, mas Lula sabe que isso é praticamente impossível. A estratégia do governo de deixar o foco sobre Bolsonaro e sobre seu círculo mais próximo, sem jogar luz sobre um possível apoio mais amplo das Forças Armadas é a única possível, mesmo assim arriscada. O custo político do controle da CPMI é mais um trunfo que as lideranças do congresso certamente saberão utilizar.
Assim como o BBB, é sempre bom lembrar que a CPMI é um jogo, que mesmo de gosto duvidoso, repercute muito.