Se alguém tinha alguma dúvida se o tal presidencialismo de coalizão estava em crise, as duas últimas votações relevantes no Congresso podem ter ajudado a entender que o presidente da República perdeu boa parte do protagonismo político que teve em seus mandatos anteriores. Era óbvio que tentariam trazer parte desse protagonismo (substitua por “poder” que dá na mesma). Mas a votação da Medida Provisória da Estrutura de Governo e do novo regime fiscal indicaram que não.
De início, deve-se ressaltar que isso aconteceria com qualquer presidente que buscasse reaver os espaços perdidos por Dilma, Temer e Bolsonaro. Não se trata de uma discussão ideológica pelo Congresso ter um viés de direita liberal contrastando com um governo de esquerda estatizante. A questão aqui é simplesmente mostrar quem manda.
A votação do marco fiscal com pleito esmagador na Câmara dos Deputados pode ter dado a impressão que o Poder Executivo de fato estaria voltando a dar as cartas na política nacional. No entanto, as críticas de expoentes do Partido dos Trabalhadores mostram que talvez não seja o caso. O Deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou a comparar a aprovação do marco fiscal com um pacto com o diabo. Não se trata de uma crítica isolada.
A questão é que parece ser necessário reconhecer que a troca de cargos e a liberação de verbas públicas por aprovação de pautas governistas no Congresso não parecem ser mais uma dinâmica que funciona. Dificilmente um tema relevante passará incólume. Por isso, o parecer do deputado Claudio Cajado (PP-BH) aprovado na Câmara trouxe o Fundeb para dentro do limite de gastos, deixando mais rígidas as regras em caso de descumprimento por parte do Executivo da norma fiscal, e ainda incluiu diversos gatilhos que limitam gastos. Tudo isso a despeito da generosidade do governo na distribuição de verbas.
O governo pagou, no dia da votação do arcabouço fiscal, R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares. Para se ter uma ideia, até abril foram empenhados R$ 2,9 bilhões. Mesmo assim, o texto foi bastante alterado, deixando a regra fiscal mais rígida. Isso ocorre porque essa liberação de recursos deixou, em grande medida, de ser encarada como um “favor’’ ou deferência, mas sim, como um dever do Poder Executivo.
A mesma dinâmica foi observada na votação da medida provisória que instituiu a estrutura de governo desse Poder. Tanto faz os espaços abertos pelo governo Lula para MDB, União Brasil ou PSD. Esses partidos não proveram qualquer condição da articulação política ao governo de resistir ao desmantelamento ocorrido nas pastas do Meio Ambiente e Povos Indígenas.
O ministério de Marina Silva perdeu a Agência Nacional de Águas e o Cadastro Ambiental Rural. Já a pasta da ministra Sônia Guajajara perdeu a demarcação de terras indígenas e a Funai. Ambas foram bastante explícitas no descontentamento com as alterações, mesmo com a articulação do governo elogiando a aprovação da Medida Provisória.
É importante entender que as medidas provisórias perdem validade caso não sejam aprovadas nas duas casas. O prazo de validade da MP da Estrutura de Governo se encerrará em 1º de junho. Ou seja, se não for aprovada no Senado até o início do próximo mês, volta a estrutura do governo Bolsonaro. Evidentemente, o presidente da Câmara dos Deputados deixou essa votação para o mais próximo possível da data limite, para deixar pouco tempo para o governo negociar as alterações no Senado (caso os senadores mudem o texto, ele terá que voltar para a Câmara novamente).
Tanto o arcabouço fiscal quanto a MP da Estrutura de Governo ainda precisam ser aprovadas no Senado Federal. A chance é grande de que passem sem mais problemas pela Casa presidida por Rodrigo Pacheco, visto que os acordos já foram feitos e que o prazo urge.
De qualquer forma, ambas as votações na Câmara dos Deputados demonstraram que o sistema de governo no Brasil caminha a passos largos rumo ao parlamentarismo, na mesma medida que se afasta do presidencialismo. Isso significa que o Poder Executivo terá realmente que dividir poder para conseguir governar.