Quem acompanha a política pelos jornais pode ter a impressão de que a articulação sob Lula é pior do que no governo Bolsonaro. No entanto, essa avaliação pode levar à conclusão equivocada de que um modelo no qual o presidente da Câmara dos Deputados tem poder demais é melhor do que o presidencialismo tradicional.
O que se experimentou no governo Bolsonaro foi o mais próximo de um parlamentarismo que se pode viver sob um regime constitucionalmente definido como presidencialista. Uma reversão desse cenários não se daria sem traumas. É exatamente esse período de ajustes que se vê nesse momento.
Isso de forma alguma isenta o governo de alguns atropelos mais ou menos inerentes ao início de qualquer mandato. O trio Rui Costa, Alexandre Padilha e José Guimarães, que têm mais relação com o Parlamento, ainda precisa azeitar a estratégia juntamente à Câmara dos Deputados, já que no Senado Federal a situação parece ser bem mais tranquila para o governo.
Rui Costa, como ministro da Casa Civil, além ser o responsável por dar a coerência às políticas públicas do governo, é quem avalia as nomeações para cargos públicos tão cobiçados por parlamentares. Se ocorrerem atrasos na alocação de indicações de aliados, a culpa é mais de Rui Costa do que de Padilha ou Guimarães.
Por outro lado, cabe ao ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o recebimento das demandas dos parlamentares, mas principalmente a liberação das emendas. Evidente que os congressistas querem a liberação, mas precisam também ser avisados antes do empenho das verbas para que possam virar interlocutores juntamente a governadores e o resto da bancada. Criou-se até um “colégio de coordenadores” com essa finalidade. Se existe problema no atendimento dos parlamentares e na organização da liberação das emendas, aí a questão é com Padilha mesmo.
Por fim, cabe a José Guimarães a difícil missão de executar diretamente no plenário da Câmara dos Deputados as estratégias do governo para provar seus projetos prioritários. No final do dia, é Guimarães quem vai sentir em plenário se existe condições de vencer as eventuais resistências e “ir pro voto” ou se é melhor buscar adiar a batalha. Se o governo mostra desorganização de sua bancada, é para o líder que se vai olhar.
Essa é uma análise superficial que não leva em conta os diversos outros atores que são determinantes para o sucesso ou o fracasso do governo dentro do Congresso. A participação do ministro da pasta interessada, por exemplo, pode ser determinante. O quanto Haddad ajudou para aprovação do marco fiscal? Difícil dizer, mas nesse caso específico, a maior parte dos parlamentares preferiu dar o mérito ao ministro da Fazenda do que ao triunvirato mencionado anteriormente. Trata-se de um evidente recado de insatisfação, algo do tipo “aprovamos esse negócio apesar da articulação do governo”.
Sob Bolsonaro não se via esse tipo de recado porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era sócio do governo. Lula deixou claro que não quer Lira como sócio, no máximo como parceiro. Foi Lira o responsável pelo apuro que passou o governo para a aprovar a medida provisória da organização dos Ministérios? Sem dúvida ele teve grande participação, mas também faltou organização na liberação de emendas, na nomeação de aliados e no alinhamento da bancada.
Comparar a articulação política de Lula com a de Bolsonaro é quase como comparar dois regimes diferentes, faz pouco sentido. Da mesma forma, culpar Lira por todos os infortúnios não ajuda a resolver os problemas que Lula precisará enfrentar para aprovar suas pautas no Congresso ou mesmo para terminar seu mandato.