Jornal Estado de Minas

OPINIÃO

O sapateiro e a política: o setor de serviços na reforma tributária


Por vezes, o noticiário político parece longe demais da realidade da população em geral. O acompanhamento de Brasília fica quase no campo das curiosidades. No entanto, existem boas razões para entender que as matérias discutidas no Congresso Nacional influenciarão diretamente a vida das pessoas. A reforma tributária é um caso extremo.



A mudança na forma como o brasileiro paga imposto importa não só para grandes empresários e setores organizados, que possuem condições de legitimamente defenderem seus interesses, mas também para todos os milhares de médios, pequenos e microempresários, que são a base da economia brasileira, em especial no setor de serviços.

Nesse setor da economia estão salões de beleza, restaurantes, consultorias de todo tipo, sapateiros, dentistas, mecânicos e pintores. Para se ter uma ideia da relevância desse setor, 60% dos empregos gerados no Brasil e mais de 75% do Produto Interno Bruto vêm do setor terciário da economia.

Existe grande probabilidade de que o leitor deste texto seja empregado ou empregador no setor desses serviços.

Justamente, a tributação sobre os serviços será profundamente alterada segundo o texto do relatório da reforma tributária aprovada na semana passada.



O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) prevê a junção  de cinco impostos em um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual (com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços federal - CBS, e um Imposto sobre Bens e Serviços subnacional - IBS)
O IBS, que vai substituir os velhos conhecidos ICMS e ISS, terá alíquotas reduzidas pela metade para transporte público, educação, saúde, higiene pessoal, alimentos, agronegócios e atividades artísticas. Para todos os outros, a alíquota, ainda a ser definida, deve ficar em torno dos 25%.

Além da alíquota, existe uma mudança significativa em quem arca com os tributos: hoje quem contrata os serviços paga os impostos, com a reforma o responsável pelo pagamento será o prestador de serviços. Esse prestador poderá ser creditado do imposto pago (aqueles 25% citados anteriormente), desde que o seu cliente seja uma empresa.

É aqui que está o problema: boa parte dos prestadores de serviço trabalham diretamente com o consumidor final, pessoa física. São as costureiras, o limpador de piscinas e correlatos que vão pagar os 25% e não vão conseguir se creditar do valor pago. 





Segundo o texto, de 2029 a 2032, o IBS começaria a entrar em vigor na mesma proporção que o ICMS e o ISS seriam reduzidos. O novo sistema seria plenamente posto em vigor em 2033. 

Pelo cronograma proposto pelo presidente Arthur Lira (PP-AL), o texto do relatório poderá ser votado na Câmara dos Deputados entre os dias 3 e 7 de julho, ou seja, antes do recesso legislativo. Depois, o texto segue para o Senado. Por se tratar de uma alteração na Constituição, é necessário a aprovação de três quintos em ambas as casas legislativas, em dois turnos de votações. Há boas chances de haver uma aprovação já no início do segundo semestre deste ano.

É difícil prever o impacto dessas alterações para esses prestadores de serviços. No agregado da economia, talvez até ocorra mesmo um aumento da demanda e que haja espaço para algum repasse, mas não houve nenhum estudo específico apresentado durante as discussões na Câmara dos Deputados. 

Também é válido o argumento de que não faz muito sentido a divisão artificial entre mercadorias e serviços para fins de tributação, que por sinal só existe no Brasil. Além disso, como a tributação de serviços é mais baixa e mais consumida por classes mais altas, por isso haveria um incentivo para a manutenção da desigualdade.

Tudo isso pode ser verdade, mas será mesmo razoável que um sapateiro arque com os 25% sem possibilidade de se creditar? A verdade é que a política está mais perto do que a maioria imagina.