Iniciei o curso de publicidade poucos dias após o Galvão gritar “é tetra”. É até curioso lembrar que ainda não havia internet pra acompanhar cada detalhe da Copa. Na faculdade, os alunos se acostumavam a chamar as empresas de anunciantes. Nas aulas de mídia aprendíamos as técnicas para elaborar o plano mais eficiente a partir da compra de espaços publicitários nos veículos de comunicação. Era uma indústria com papéis bem definidos: de um lado as marcas, do outro os veículos e entre eles as agências e seus fornecedores.
Bem antes disso, lá nos EUA na década de 1960, um cientista americano chamado Paul Baran desenvolvia seus estudos em um contexto de guerra fria. Seu objetivo era criar um sistema de comunicação que continuasse em operação mesmo após um ataque do inimigo. Para o bem da humanidade, o conflito com os soviéticos nunca aconteceu. Mas o legado de Baran transformou a nossa vida completamente. Foi ele quem apontou a estrutura de redes distribuídas como a mais inteligente, permitindo que todos os pontos pudessem se interconectar, sem que houvesse um centro mediando o fluxo da informação.
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Nas últimas décadas temos vivido a prática da teoria de Baran. Tecnologia e conectividade se tornaram acessíveis e aceleraram o desenvolvimento de sites, portais, mídias sociais, aplicativos e plataformas de streaming de vídeo e de áudio. Conteúdo virou uma moeda valiosa neste novo cenário e as marcas começaram a gerir sua comunicação a partir de uma nova metodologia, denominada OSEP: canais próprios (owned), canais compartilhados (shared), mídia ganha (earned) e mídia paga (paid).
E quando todo mundo é ao mesmo tempo um potencial canal, produtor de conteúdo e influenciador, a competição pela atenção do público se acirra. As opções são abundantes, mas o tempo é escasso.
Quer me interromper? Sem tempo, irmão.
Foi aí que as marcas começaram a buscar novas formas de gerar relevância para o público. O caso mais emblemático talvez seja a RedBull, que paralelamente à venda de energéticos, criou uma poderosa fábrica de conteúdos proprietários. Em vez de interromper o público com mensagens autoelogiosas, o vínculo é construído pelo entretenimento. A Nasa e a SpaceX têm ocupado muito bem este lugar nos conectando com os bastidores da exploração espacial.
Outra forma de comunicação que ganhou força é a apropriação do senso de utilidade. As marcas começaram a desenvolver plataformas próprias com produção de conteúdo recorrente para se posicionarem como referência em temas de interesse, conquistando não apenas a lembrança das pessoas, mas também as melhores posições nos resultados dos buscadores. Sai a lógica de campanha e entra o pensamento editorial com foco no que importa para público.
Recentemente, rearranjos ainda menos previsíveis começaram a ocorrer. A Budweiser se tornou a emissora oficial da NBA no Brasil, com transmissão gratuita dos jogos de basquete em seu canal do YouTube. As fronteiras entre as disciplinas patrocínio, publicidade, produção e distribuição de conteúdo se tornam mais tênues.
Isso reforça a intenção das marcas de terem acesso a comunidades de fãs, buscando capturar para si o envolvimento emocional do público com algum território temático relacionado ao seu posicionamento.
Desenvolver ou comprar? Eis a questão
Um dos grandes desafios nesta busca pela relevância é o tempo de crescimento da audiência de um canal proprietário da marca. Para acelerar este processo, algumas empresas estão optando por outro caminho: a aquisição.
É isso que a Centauro fez ao comprar a NWB, a maior rede brasileira de canais digitais sobre esportes por R$ 60 milhões. E já anunciou que utilizará o canal Desimpedidos para realizar a transmissão do Brasileirão Feminino de futebol. Quando alguém imaginaria que uma empresa de varejo faria um investimento deste porte em um grupo de comunicação independente?
Semana passada houve outra badalada negociação: O Magazine Luiza comprou o grupo Jovem Nerd, uma potente plataforma de comunicação digital voltada ao universo geek / nerd, com mais de 5 milhões de inscritos. Um investimento arrojado que torna mais forte o ecossistema de canais do Magalu. Anteriormente a empresa já havia adquirido os sites Canaltech e Steal the Look. O acordo prevê autonomia editorial e liberdade criativa para os fundadores do JovemNerd, que vão continuar à frente da operação.
Me parece que este é só o início de um movimento cada vez mais intenso das marcas em busca de relevância e do acesso às informações das pessoas. Com a vigência da Lei Geral de Proteção de Dados, os canais próprios se tornarão vitais para que as empresas obtenham dados primários do público, um elemento tão necessário para as operações de marketing digital. Além disso, o Google já anunciou que não permitirá mais o acesso a cookies de sites de terceiros, o que impactará diretamente a tecnologia por trás das campanhas que se alimentam de rastros de nossa navegação.
Que venham as próximas novidades nesse complexo e fascinante mundo da comunicação digital.