Dizem que mineiro é conservador. Mas também um povo acolhedor, de boa convivência. Atravessou o século da modernidade com sabedoria e, aos poucos, vai aceitando a (r)evolução nos costumes. A tradicional família mineira ainda está longe de virar um retrato na parede (parafraseando o verso do poeta Drummond), emoldurando pai, mãe e filhos. E, cada vez mais, ganha a companhia das formações contemporâneas, com casais na segunda ou terceira união, laços homoafetivos e até pessoas casadas, mas vivendo em endereços distintos.
Por falar em retrato, foi curioso observar o processo de preparação para a fotografia de uma ‘‘nova’’ família mineira, especialmente produzida para edição comemorativa dos 90 anos do jornal Estado de Minas. Dispostos no território livre da Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, foram se alinhando os parentes do casal formado por Alessandra Lopes e Renata Lopes, com os filhos Elena e Valentim, frutos do amor e da ciência, com sua técnica de inseminação artificial.
Os pais de Alessandra, e também os de Renata, são divorciados desde que ambas eram menores. Da família de Renata, apenas a mãe participou da foto. Em relação aos irmãos, Alessandra conseguiu convocar os dois. Sua irmã, Michelle, engravidou antes de se casar com o namorado, que atualmente trabalha em Rondônia, no Norte do país. Ela não tem planos de dizer o “sim” na igreja, ao contrário do irmão, o gerente comercial Alexander Xavier, que se prepara para trocar alianças com a colega de profissão Juliana Cardoso. A cerimônia religiosa está marcada para 4 de agosto, no Instituto Metodista Isabela Hendrix, em BH.
“Brincamos que vamos nos casar na igreja para ‘endireitar’ nossas famílias, que fogem ao padrão convencional. Só agora vamos saber o que é, realmente, ter uma vida a dois”, compara Alex, bem-humorado, lembrando que os pais dele, e também os da noiva, são separados. Na miscelânea de arranjos familiares, o tio de Elena e Valentim faz questão de dizer que vê com naturalidade o relacionamento homoafetivo entre as mamães dos gêmeos: “Os outros podem até achar estranho, mas não vejo diferença entre meu relacionamento e o da minha irmã. Disso tudo, o que importa é ser feliz, do jeito que der”. Sim!
Asas à liberdade! Há espaço para todos, gritam grupos de ativistas que buscam a afirmação e lutam para derrubar barreiras contra a inclusão, por questões de gênero, raça, classe social ou qualquer outra razão. Hoje não existe mais ambiente definido por padrões de comportamento, conforme o Estado de Minas observou e registrou ao longo de sua história. Reina a fluidez numa sociedade dominada pelas conexões em rede.
Neste especial, o EM resgata essas transformações. No ano da fundação do jornal, em 1928, éramos 5,8 milhões de pessoas em toda Minas Gerais, número que hoje sozinho remete à região metropolitana da capital. A população do estado quase quadruplicou em 90 anos. Somos 21,1 milhões de moradores, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Somente em BH, temos 2,5 milhões. Gente de uma cidade que não tem mais para onde crescer, que sofre com um trânsito estrangulado, às vezes mais lento que o do extinto bonde. Mas também gente que não ficou parada no tempo, que se abriu para as mudanças, mas ainda tem muito a avançar. Assim, vamos vivendo.