Jornal Estado de Minas

Os bailes da época de ouro nos salões da cidade

As modificações dos modos e costumes da capital podem, sem muita forçação de barra, tomar como norte o belo prédio do Automóvel Clube, que resiste bravamente aos embates do tempo na Avenida Afonso Pena. Sua história é uma referência de todas as modificações que vêm se sucedendo no que já foi conhecida como “tradicional família mineira” e atualmente se baseia mais nos valores bancários, às vezes não tão reais.

De uma certa forma, o código de sócios do clube era uma pauta da boa conduta. Mulheres desquitadas não eram aceitas, casais formados fora da lei não passavam por suas portas e o sacrossanto quarto andar só podia ser frequentado por homens. Era onde funcionavam, sob tênue disfarce, mesas de jogo em que fortunas mudavam de mãos e agendas de consulta médica eram substituídas por rodadas de pôquer. Os maníacos chegavam ao cair da tarde e muitos só se levantavam quando a claridade natural do dia aparecia através das janelas sempre fechadas. O fato era mais do que conhecido, segredo de Polichinelo.


Quando um grupo de diretores resolveu usar uma ala abandonada do prédio para o funcionamento de uma boate conhecida como Príncipe de Gales, porque o nobre inglês passou pelo clube quando veio a Minas, estava criando também o que se transformou no segmento society da cidade. O prédio, cujo Salão Dourado em estilo francês servia para pacatas recepções, transformou-se no endereço privilegiado de tudo o que acontecia de importante por aqui.

Ali se realizavam as mais seletas e exclusivas recepções da sociedade, se comemoravam casamentos, aniversários, bailes de carnaval e de réveillon, era o point mais exclusivo da família mineira que começou a sair de casa para conviver socialmente com os amigos e conhecidos – que tivessem sobrenomes da mesma importância, é claro. Na boate, que funcionava à meia luz nas noites de sábado, as presenças eram tão constantes que as mesas eram sempre ocupadas pelos mesmos personagens.
E por seu palco passavam os nomes mais importantes das artes internacionais – que haviam sumido da cidade desde que o Cassino da Pampulha foi fechado.

Ambiente seletos

Participar de qualquer acontecimento nos salões do AC era uma referência de prestígio e identidade social – a periferia não passava nem na porta. Ajudava esse cartaz e esse prestígio o fato de os seletos ambientes só serem cedidos para festas de sócios ou de pessoas especialmente referendadas pela diretoria. Muita gente sonhava em ter essa honra e prestígio – mas a conta bancária não entrava em cogitação.

Com a chegada da ditadura, a sociedade mudou – e o AC também. Os códigos civis já não eram mais importantes e esse reflexo repercutiu também na família mineira, onde casais formados fora do casamento passaram a ser recebidos da mesma forma que quaisquer outros. As mesas de jogo se transformaram em excursões turísticas, em outras cidades e até países. As festas ganharam uma nova versão, onde o importante era sempre o número de convidados. Quanto maiores as listas, mais importantes eram, porque o que contava não eram os amigos e as relações familiares.


O dinheiro novo que chegou criando uma nova estrutura social levou recepções e comemorações para outros salões além dos limites tradicionais da cidade.
Quanto maior o salão, quanto mais era gasto na decoração e no bufê, mais comentários provocavam, mais importantes seus anfitriões eram considerados. Os nomes novos substituíram os sobrenomes tradicionais, que preferiram se recolher ao modelo antigo de receber amigos em pequenas e fechadas reuniões.

Esse novo comportamento criou uma nova sociedade belo-horizontina, em que pontifica principalmente a nova geração, que criou seus valores que não têm nada a ver com o que existia antes. A modernidade se reflete em todos os acontecimentos e o que vale é saber interpretar bem o que está na moda – esquecendo, de preferência, os antigos conceitos. Em princípio, todos os preceitos que deviam ser seguidos pelos sócios do clube mais fechado e mais tradicional da cidade foram jogados às traças. É claro que a cidade não perdeu com isso – ficou mais fácil viver, aparecer, comemorar.
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