“Você fica com o lado psicológico cansado só de passar por ali. Eu me cansava mais no trajeto do que em oito horas de trabalho.” A frase que resume os reflexos sobre os cidadãos do trânsito na Avenida Amazonas, ligação do Centro de Belo Horizonte com a porção Oeste da Grande BH, é do analista de sistemas Wanderson Vieira, de 29 anos. Não é exagero: no corredor, um dos maiores e mais importantes da capital, a velocidade média dos ônibus no horário de pico da tarde é hoje uma fração da que já foi desenvolvida por bondes na cidade a partir do início do século passado.
Dos simpáticos e extintos carrinhos sobre trilhos à proposta visionária de um veículo-cápsula deslocando-se em meio terrestre a velocidades de avião, lançada neste mês por uma multinacional em Contagem, há 90 anos o Estado de Minas mostra como a mobilidade urbana na região metropolitana da capital vem submetendo motoristas e passageiros como Wanderson a um calvário diário, que se arrasta há décadas.
O analista de sistemas mora na Região do Barreiro, em BH, e durante muito tempo usou o sistema de ônibus para trabalhar no Centro da capital. Como não suportava mais todas as dificuldades, especialmente na Amazonas, migrou para a motocicleta. Agora, já pensa em se mudar para o bairro onde trabalha, o Buritis, para minimizar os impactos do deslocamento.
O transtorno vivido por ele e por milhares de passageiros que precisam transitar pela Amazonas e por outros corredores todos os dias é reflexo de uma cidade, que, segundo especialistas, não se planejou para diversificar sua matriz de transportes e oferecer opções que se complementem, desde um meio ramificado e de alta capacidade, como o metrô, até os deslocamentos de bicicleta e a pé.
Isso desde o fim da era dos bondes, que terminou em 1963 e chegou a ter, em 1947, 73 quilômetros de linhas, mais do que o dobro do que a única linha de metrô em operação na cidade hoje, que tem 28 quilômetros. Isso mostra que a cidade virou as costas para modelos que poderiam ajudar e muito a desatar os nós causados pela multiplicação de veículos em suas ruas, que se acentuou exponencialmente no século 21. Só na capital mineira, a frota passou de 706 mil veículos em 2001 para 1,9 milhão em 2018, crescimento de 170%.
Sem movimentações que apontem para investimentos maciços em meios de transporte de alta capacidade, surgem como esperança para a população da Grande BH promessas inovadoras, como o veículo-cápsula, meio de transporte até hoje só visto em desenhos animados, mas que é uma das propostas para o futuro. Recentemente, o governo de Minas assinou convênio com uma empresa que promete desenvolver um centro global de tecnologia em Contagem, na região metropolitana, que tem esse projeto como uma das metas.
O exemplo da Avenida Amazonas é importante para medir a mobilidade em Belo Horizonte diante de indicadores como o desempenho do transporte coletivo no corredor. Segundo a BHTrans, os ônibus que passam pela avenida levando a população de volta para casa transitam com velocidade média de 12km/h no pico da tarde. “A Amazonas é o local onde você não quer estar em horário de pico, pois simplesmente o trânsito não anda.
Quando anda, é de maneira caótica. A gente sai de lá passando mal, literalmente”, afirma Wanderson Vieira. Após migrar para a motocicleta, ele saiu de um tempo de deslocamento que chegava a uma hora e meia usando ônibus desde o Bairro Mangueiras, na Região do Barreiro, até o Buritis, para 20 minutos em um trajeto de 13 quilômetros.
O engenheiro civil Nelson Dantas, conselheiro da organização não governamental (ONG) Transporte e Ecologia em Movimento (Trem), aponta que os bondes da capital mineira, que circularam entre 1902 e 1963, chegavam a rodar a velocidades médias que variavam entre 16km/h e 20km/h, bem mais que as desenvolvidas hoje por ônibus na Avenida Amazonas.
A decadência dos bondes veio a partir do fim da década de 1940, diante da dificuldade de reposição de peças e pela maior flexibilidade do transporte sobre pneus. “Essa flexibilidade contribuiu para a popularização do automóvel. A partir daí, faço uma comparação do sistema viário com nosso sistema venoso. Quando começam a aumentar os carros, começam também a se entupir as veias. Nesse momento, a gente não teve um transporte de massa que seria o metrô ou o chamado trem de subúrbio”, diz Nelson Dantas.
De acordo com a técnica em Patrimônio Cultural da Fundação Municipal da Cultura Helena Guimarães Campos, pesquisadora do transporte ferroviário de passageiros na Grande BH, os problemas poderiam ter sido amenizados se houvesse planejamento para manter uma estrutura que já existia. Helena aponta quatro trechos em que operou durante anos na Região Metropolitana de Belo Horizonte justamente o trem de subúrbio.
O principal ramal era o BH/Rio Acima, que passou por vários momentos com diferentes trechos até chegar ao percurso final de 54 quilômetros. Há informação de trens circulando em parte desse trajeto já em 1909. O ramal funcionou até 1996, quando houve a privatização da rede ferroviária federal.
A pesquisadora também cita caminhos como Barreiro/Horto Florestal, trecho que é considerado o pai do metrô, BH/Betim, que era da antiga Rede Mineira de Viação e foi desativado por força da Linha 1 do metrô, e um trecho que operou por dois anos e funcionou apenas para levar funcionários de BH para o complexo onde hoje é a fábrica de automóveis da Fiat de Betim. “O processo de privatização que fatiou a malha ferroviária do país fez com que cada empresa pegasse o pedaço da ferrovia que interessava, e o usuário ficou de fora. Todos esses passageiros intermunicipais foram expulsos para as rodovias, onde a passagem é cara, e eles ainda têm que competir com o transporte geral de carga”, afirma.
O plano: andar mais a pé, de bike e ônibus
Sem perspectivas de investimentos de grande porte e complexidade que possam viabilizar a construção de mais linhas de metrô em Belo Horizonte e um serviço coletivo de alta capacidade, a BHTrans trabalha com um conjunto de diretrizes para garantir seis resultados no trânsito da capital mineira. O Plano Diretor de Mobilidade Urbana (Planmob-BH) define metas até 2030 para aumentar o percentual de viagens a pé (até dois quilômetros), das viagens de bicicleta (até oito quilômetros) e aumentar o número de viagens do transporte coletivo.Por outro lado, a empresa pretende reduzir o avanço do transporte individual (carro e moto) e a tendência de aumento das emissões de gases do efeito estufa, assim como o número de mortos no trânsito. Na questão do transporte coletivo, destacam-se duas frentes de ação. O presidente da BHTrans, Célio Freitas, diz que há estudos em andamento para apontar a viabilidade de uma versão light do BRT/Move nas Avenidas Amazonas e Tereza Cristina, sem necessidade de desapropriações, para levar a plataforma até a Região do Barreiro. O objetivo é tentar viabilizar uma versão que não sofra interferências, correndo ao lado do canteiro central das avenidas.
"Quando começam a aumentar os carros, começam também a se entupir as veias. Nesse momento, a gente não teve um transporte de massa que seria o metrô ou o chamado trem de subúrbio"
Nelson Dantas, engenheiro civil e conselheiro da ONG Transporte e Ecologia em Movimento
A empresa quer também implantar mais 70 quilômetros de faixas exclusivas para o transporte coletivo até o fim da gestão atual. A título de comparação, os ônibus que transitam pela pista exclusiva segregada da Avenida Cristiano Machado trafegam a uma velocidade média de 28km/h no pico da tarde. Na Antônio Carlos, essa velocidade média alcança 38km/h no pico da manhã. “Temos exemplos de viagens de ônibus da Pampulha ao Centro em 12 minutos”, diz Célio Freitas.
O gestor diz que o problema de Belo Horizonte começou no fim da década de 1990, com o incentivo à indústria automobilística. “Ao mesmo tempo, a indústria do transporte não recebeu nenhum estímulo. Só fomos receber um incentivo em 2010, para a Copa do Mundo, tendo que fazer o BRT até 2014”, pontua o presidente da BHTrans. Se na época houvesse integração entre as administrações municipal, estadual e federal, Célio Freitas avalia que poderia ter sido viabilizado o ramal do metrô até o Barreiro, eliminando boa parte dos gargalos existentes hoje na cidade.
Ele acredita ainda que a mobilidade da cidade sofrerá mais alterações, forçadas pelos aplicativos de transporte de passageiros. “Hoje, há os aplicativos tipo Uber e Cabify, mas nós ainda temos que nos apropriar dessas plataformas para jogar isso no transporte coletivo, criar rotas, linhas específicas. Essa agilidade nós vamos ter com o desenvolvimento dos programas. E também estamos trabalhando firmemente para trazer o projeto-piloto de ônibus elétrico para a cidade. Isso é outro sinal de que estamos avançando na qualidade do transporte coletivo em BH”, afirma.