Antigas discussões e desafios novos se misturam na busca de respostas sobre os rumos do crescimento econômico de Minas Gerais. Como parte das comemorações dos 90 anos do
Estado de Minas, a reportagem do
EM reuniu empresários de referência na indústria mineira que debateram sobre os caminhos que o estado deve trilhar para voltar a crescer num ano de muitas incertezas na economia e na política. Os presidentes da Usiminas, Sérgio Leite; da Forno de Minas, Helder Mendonça; e da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, se sentaram à mesa e discutiram o tema, com mediação dos jornalistas e colunistas de Economia do
EM Marcílio de Moraes e Marta Vieira. Como Minas poderá superar dificuldades há muito identificadas na estrutura produtiva do estado para valorizar mercadorias, em boa parte exportadas em bruto, como o minério de ferro e café e soja? Eles defendem o fortalecimento da pequena às grandes indústrias para retomada do crescimento, cobram melhorias na infraestrutura, reformas estruturais e adoção de políticas de incentivo pelo governo que garantam aumento da competitividade das empresas.
Difícil recuperação
Flávio Roscoe
“Temos que recuperar o ambiente de negócios em Minas Gerais. Os investidores que vêm para o Brasil, que são poucos, não têm optado por Minas Gerais. É uma agenda que os mineiros têm de encarar, ver o que é prioridade. De tudo que se arrecada hoje, a indústria é responsável por 48%. De 2010 pra cá, tínhamos 110 empresas com mais de 1 mil funcionários industriais em Minas.
Hoje, temos 95. Esse conjunto de 95 arrecada mais de 30% de todo o imposto. Temos 853 municípios e apenas 95 empresas que recolhem essa quantidade. Temos que dar valor a essas empresas, lembrando que as empresas industriais exportam impostos. Tributo é crédito e é débito. A indústria tem essa característica de exportar tributo para outro estado. Isso já foi percebido com clareza por outros estados, que incentivaram o adensamento industrial.
E aqui em Minas não há essa percepção.”
Sérgio Leite
“Minas tem que retomar seu protagonismo no cenário nacional (o estado é o terceiro maior do país). A grande crise que enfrentamos é falta de liderança, para que nos movimentemos e consigamos atrair investimentos para Minas. Na Usiminas, continuamos fazendo um grande esforço para levar indústrias consumidoras de aço para o Vale do Aço. Sabe qual é o grande entrave? Logística. Não vão ter como escoar a produção. A grande rodovia, que une BH ao Vale do Aço, há 40 anos tem um projeto de duplicação, e está em obras, mas não se sabe quando elas vão ser concluídas. Isso impede a atração de indústrias para Minas Gerais.”
Helder Mendonça
“Minas Gerais vem tentando se desenvolver para que a indústria de alimentos possa concorrer com igualdade com as do Sul e as de São Paulo. A Forno de Minas começou como as pequenas indústrias e vemos que o desenvolvimento do estado vem da base das pequenas empresas, que são o universo maior delas.
Para o desenvolvimento que tanto se espera em Minas, temos de olhar para os pequenos como um universo em potencial. Ideias simples, do dia a dia, podem se tornar grandes negócios. A Fiemg tem papel importante nisso. É preciso encontrar uma forma de incentivar no início, criar políticas para que elas se desenvolvam. Também tem uma questão fiscal, as pequenas empresas ficam presas em torno do Simples e não podem mudar de patamar."
Café e minérios
Flávio Roscoe
“As commodities (produtos agrícolas e minerais cotados no mercado internacional) são um dos mais importantes ativos de Minas Gerais. Mas a gente se dá ao luxo de jogar fora. Devemos gerar valor nesses produtos. O grande problema é o entrave por conta de uma série de questões históricas. Como resolver o problema do Brasil e de Minas? Esse pacto é que a gente tem que rever no estado. Se as grandes empresas perderam 15%, as pequenas e as médias foram terra arrasada.
Enquanto estado, enquanto sociedade, temos que fazer as opções necessárias. E quais são as opções? Isso não muda porque tem perdedor, mas a maioria é ganhadora.”
Por mais produtividade
Flávio Roscoe
“O primeiro passo a ser proposto é deixar de lado as vaidades e seus feudos. Um dos gargalos são as contas públicas. Minas Gerais já gasta 30% do orçamento só com o pagamento de inativos. A estabilidade para a carreira pública veio com a Constituição de 1988. Antes, ela nunca existiu. Agora, a massa de inativos, daqueles cargos da Constituição de 1988, tende a subir vertiginosamente. Esse sistema é justo? Tem-se que criar pactos para uma regra de transição, pois o futuro é o colapso das contas públicas. Se o estado gasta mais, não é porque quer gastar mais, mas porque já está contratado. Vamos ter que discutir a produtividade do ensino, da saúde e do setor público.
Por que a gente só faz isso quando se trata das empresas? As empresas fazem isso por essência. Se elas não forem produtivas, elas vão morrer. Já a produtividade do serviço público é assunto blindado. Como vamos repactuar com a distribuição de renda que o estado capta? Os tributos ocultos e as obrigações que impactam na nossa produtividade. Alguns vão ter que abrir mão de privilégios.”
Sérgio Leite
“A indústria do aço é uma das mais competitivas do Brasil. Tanto é que, da porta para dentro, são as mais competitivas do mundo. Onde ela perde competitividade? Nos impostos. O consumidor final paga por um produto que nas fábricas é produzido com um dos menores custos mundiais, paga nível mais elevado do que se comparado com outros países.”
Indústria 4.0
Flávio Roscoe
“Boa parte do mundo ainda não chegou à indústria 4.0. Ainda tem uma curva de amadurecimento, que vai entrar transformando muito. Talvez segmentos inteiros das indústrias até desapareçam. Uma parte da manufatura será feita em casa. Será uma transformação muito grande. A qualidade do empresariado e do corpo técnico mineiro é muito boa. O ensino médio em Minas Gerais é melhor do que em outros estados, por isso continuamos a exportar cérebros. Mas a pessoa vai, volta e traz conhecimento. Isso é um grande ativo. Quantas das indústrias que vieram pra Minas não foram fruto de mineiros que optaram por isso? Esse ativo que vai para fora é positivo e mostra a qualidade do nosso povo em empreender.”
Sérgio Leite
“No setor siderúrgico, estamos caminhando nessa direção, mas temos um longo caminho a trilhar. Temos um comitê digital, o centro de pesquisa da Usiminas... Não faltam cérebros em Minas. O que está faltando são sonhos. A Usiminas é fruto de um sonho. É o sonho que movimenta. Esse caminhar que temos que seguir. Na Usiminas, temos essa preocupação de nos atualizar constantemente e o futuro passa pela indústria 4.0, pela inovação.”
Helder Mendonça
“Conseguimos perceber que não estamos tão atrás. Tendemos a pensar que temos produtividade aquém das indústrias de outros países, mas temos visitado indústrias da McCain (sócio canadense da Forno de Minas), fazendo um programa de sinergia e, felizmente, a Forno de Minas tem produtividade tão boa quanto a que eles têm. E também do ponto de vista de tecnologia. A Forno de Minas tem um desafio grande que é transformar o pão de queijo típico de Minas num produto global. É um desafio gigante. Vamos fazer as pessoas experimentarem, dar respaldo ao sonho. E, dentro da fábrica, contar com uma indústria eficiente.”
Benefícios fiscais
Flávio Roscoe
“Imagine se a indústria não tivesse benefício fiscal? Já paga 48% dos impostos, com benefícios. Se pagasse mais do que isso, não estaria aqui. O governo federal fala que tem que acabar com a bolsa-empresário. A indústria representa 10% do PIB e paga 35% dos impostos. Se não existisse a bolsa-empresário, ia pagar quanto? Ia ter indústria aqui? Isso não é bolsa-empresário. A gente, em Minas Gerais, paga duas vezes e meia a mais do que a nossa participação no PIB. A indústria tem pago a conta e quem perde é a sociedade, porque se perdem os melhores empregos toda vez que morre uma indústria. Perdemos em capacidade de criar renda e perde o estado de Minas Gerais. Esses são os perdedores. A indústria faz a diferença no mundo todo. Aqui nem damos valor a ela.”
Reforma geral
Flávio Roscoe
“Primeiro tem que vir a redução do gasto público. Quanto estamos dispostos a gastar com cada coisa? Se for o inverso, sempre vai ser o paliativo. O governo acabou com o Reintegra (programa que desonera exportadores), o que é um absurdo. A carga tributária era 23% do PIB na década de 1990. Hoje ela é 34%, com déficit de 5%. Vai resolver o quê? Temos que resolver o estado antes. O estado não é só caro, ele é ineficiente. Estou indo no âmbito da produtividade do estado. Temos que defender a estabilidade pela competência. Nas nossas empresas, os funcionários antigos são os competentes, que se dedicam à empresa e, por isso, foram promovidos. No estado, não. A meritocracia acaba no dia em que eu passo no concurso público. Os empresários estão unidos à sociedade civil organizada para um pacto. O que se deve fazer é comunicar e escancarar a situação, discutir licenciamento ambiental. Vamos nos mobilizar, mostrar as verdades que não são ditas, que muita gente jamais ouviu.”
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