Justino, à época secretário de Cultura, lembra que a ideia de montar o festival surgiu da necessidade de alavancar o turismo na cidade, projeto inovador realizado “na cara e na coragem e com o apoio fundamental de pessoas que acreditaram na proposta, como o chef Ivo Faria e a jornalista Anna Marina, que considero nossa madrinha na imprensa”. Ele registra, ainda, que, na primeira edição, a cidade contava com cerca de 15 restaurantes e pousadas, número que cresceu exponencialmente para os atuais 200 e 100, respectivamente. “Naquela época, até o termo gastronomia era pouco conhecido, a profissão de cozinheiro não era respeitada como hoje e os poucos festivais que existiam no país ocorriam apenas em hotéis cinco estrelas e, portanto, ficavam restritos ao público abastado”, contextualiza.
Na história do festival, cenas como fogão e forno a lenha montados no Largo das Forras, praça nobre da cidade. Cursos de panificação, etiqueta à mesa e degustação de azeites e vinhos abertos ao público. Festins (jantares de gala) na Câmara Municipal e no Museu Padre Toledo – espaço secular, outrora frequentado pelos inconfidentes. A passagem de chefs como Claude Troisgros, Emmanuel Bassoleil, Luciano Boseggia, Alex Atala (ainda no início da carreira) e muitos outros. “Apostamos na criação de oportunidades para que o público daqui pudesse conhecer a gastronomia de outros estados e países. Da mesma forma, apresentamos para os visitantes os produtos de raiz – ainda valorizados por poucos chefs na época – Laurent Suaudeau foi um dos pioneiros, e, nesse movimento todo, tenho orgulho de dizer que contribuímos para a formação do paladar do brasileiro. Acredito que o festival estimulou a criação de cursos de gastronomia, o desenvolvimento do turismo gastronômico e ajuda a divulgar nossa riqueza culinária para o Brasil e para o mundo.”
Depois de 10 anos no comando, Ralph decidiu se afastar para entrar na política e legou o festival para o empreendedor Rodrigo Ferraz. Mas, edição após edição, é presença garantida no evento. “Nós, mineiros, somos inovadores, estamos na ponta de muitos movimentos. E a gastronomia, cuja personalidade vem sendo construída desde o século 18, é uma área importantíssima. Aqui, Tiradentes falou de liberdade, força, transformação. Aqui criamos um festival pioneiro, que fala de um estado que concentra um pouquinho de cada região do país, que tem potencial imenso para chegar cada vez mais longe e figurar entre as 10 melhores cozinhas do mundo.”
Na capital
Em BH, um dos primeiros nomes a investir em festivais que valorizam a cultura culinária regional foi o pesquisador gastronômico Eduardo Maya. “Sempre pesquisei e atuei na área, inclusive antes de assumir a profissão, durante temporada de seis anos em que morei em Londres. De volta, o Jorge Rattner me indicou para apresentar um programa de gastronomia na rádio Gerais FM, chamado Momento gourmet.
Esse foi o embrião do Festival Comida di Buteco, criado em conjunto com Maria Eulália Araújo e João Guimarães, um dos pioneiros em valorizar o ingrediente de raiz na capital.” Depois de alguns anos, Maya se afastou do festival para comandar uma escola livre de gastronomia e o projeto Aproxima, feira com edições mensais, que reúne produtores artesanais de todas as regiões do estado e acaba de completar 4 anos de atividades. “A proposta é abarcar toda a cadeia produtiva da gastronomia mineira, de norte a sul, e apresentá-la para o consumidor final”, descreve. Entre os diversos produtos descobertos e valorizados pelo projeto, Maya cita queijos, chocolates, defumados, conservas, doces, castanhas, cachaças, azeites, vinhos, geleias e muito mais. “Chegamos à marca de 600 produtores cadastrados no site e, a cada mês, há mais novidades. Nosso objetivo é funcionar como grande vitrine para os produtores, valorizá-los e manter viva a nossa cultura culinária de raiz.”
BH dos botecos
O retorno às raízes da culinária de boteco é o mote do Botecar, festival criado em 2014 pelo empresário Antônio Lúcio Martins, com apoio do jornal Estado de Minas e da revista Encontro. “Começamos com a participação de 55 bares, distribuídos por todas as regiões de BH, com o intuito de dar mais liberdade na criação de receitas que disputam a preferência do público, desobrigando a cozinha ao uso específico de ingrediente x ou y”, resume. Este ano, o Botecar teve duração de 31 dias, em que os bares observaram aumento de 40% a 100% nas vendas. “Valorizamos a diversidade cultural mineira, ligações afetivas e culturais, a famosa cozinha seca dos tropeiros e a suculenta cozinha das fazendas, os quintais de Minas, horta, pomar, as criações de porcos e galinhas, a Estrada Real. Elementos culinários do passado e da atualidade, mantendo-nos tradicionais e atuais, ligados à nossa variada cultura gastronômica.”
Há 16 anos, a revista Encontro promove a maior premiação da gastronomia de BH: “a Encontro Gastrô – O melhor da cidade”. Cinquenta jurados e, desde 2009, leitores ajudam a escolher os melhores profissionais e estabelecimentos da capital, entre 40 categorias.
Cervejas artesanais
O recente boom das fábricas de cerveja artesanal têm transformado a cultura em torno do consumo da bebida e levado Minas Gerais a figurar entre os expoentes do segmento. Segundo informações do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (Sindbebidas – MG), 85 cervejarias artesanais mineiras estão registradas no Ministério da Agricultura. Concentradas na Grande BH, Zona da Mata e Sul de Minas, produzem, hoje, 2 milhões de litros por mês. Para este ano, a expectativa de crescimento no faturamento do setor é de 14% (cervejarias que podem optar pelo Simples Nacional reduzem custos tributários em até 75%). Entre os projetos do Sindbebidas para o setor estão a criação da marca coletiva das cervejarias artesanais mineiras com a adoção de um selo que atestará a origem; criação da Central de Compras Coletivas das cervejas artesanais mineiras e criação de uma padaria comunitária em Nova Lima para a produção de pão de malte a partir do bagaço resíduo da produção. Fonte: Sindbebidas/MG.
Festivais no interior
SabaráA cidade sedia dois festivais culinários importantes, o de ora-pro-nóbis (desde 1997) e o de jabuticaba (desde 1987). Ambos mesclam cultura e gastronomia, são gratuitos e recebem turistas de toda parte. Além da oferta da fruta e da folha in-natura, há diversidade de produtos derivados e a oferta de artesanato local, shows musicais, apresentações culturais e cozinha show (apresentações ao vivo de chefs renomados). A próxima edição do festival de jabuticaba é de 15 a 18 de novembro. Informações no site: www.sabara.mg.gov.br.
Igarapé
Versão atualizada do Festival Igarapé Bem Temperado, o Festival Igarapé Sabor – Mestras e seus Temperos foi criado em 2017 com o objetivo de promover atividades culturais e a preservação da história da culinária mineira de raiz, muito presente na cidade. O diferencial é reunir o melhor da comida típica mineira, produzida por cozinheiras locais (as mestras) a partir de ingredientes cultivados nos quintais como umbigo de banana, ora-pro-nóbis, taioba, mamão verde, cansanção, angu de milho verde, carne de lata, gordura de porco, frango caipira e frutas da estação. A próxima edição será de 11 a 14 de julho de 2019. Informações no site: www.igarape.mg.gov.br
A gastronomia mineira é de todos
Rodrigo Ferraz, gestor do Festival Gastronomia e Cultura de Tiradentes e idealizador do Projeto fartura
“A ideia da Plataforma Fartura – Comidas do Brasil teve início em 2010, quando assumi a gestão do Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes. Observando a gastronomia da cidade, percebi a importância da cadeia produtiva, do pequeno produtor, o quanto o caminho desse alimento, da sua origem até a mesa. Então veio a ideia de mostrar para Minas Gerais e para o Brasil – principalmente o consumidor final, o percurso dos ingredientes que chegam ao prato.
O primeiro passo foi a criação da Expedição Fartura, projeto que percorre todo o território nacional pesquisando ingredientes e receitas - alimentamos canais na web, realizamos Festivais, publicamos livros. As Expedições continuam e temos orgulho de ser o único projeto que já registrou todos os estados do Brasil em vídeo, texto e fotografia.
Desde então, o jeito mineiro, com sua calorosidade, sua receptividade, aliado à riqueza da nossa gastronomia, nos abriu muitas portas, nos permitiu levar a cozinha de Minas para o Brasil todo e até para fora – este ano teremos a segunda edição do Festival em Portugal.
Depois de viajar por todo o Brasil e alguns lugares do mundo, eu sempre digo que é muito subjetivo eleger a melhor gastronomia. Mas pelo jeito mineiro de ser e pela fartura da nossa cozinha e riqueza, Minas Gerais é onde se come melhor, pois gastronomia não é somente o que você come, mas tudo o que está em volta. E é notório o crescimento exponencial deste setor no nosso estado. Inúmeros eventos, estabelecimentos e, principalmente, feiras estão se multiplicando em Belo Horizonte. O prato é o ponto final dessa cadeia, por isso nosso DNA, na Plataforma Fartura, é mostrar a origem dos alimentos até a mesa. Isso é tão importante que deve despertar o interesse individual, pois a gente é o que a gente come. Há espaço também para a coletividade. O crescimento da cadeia gastronômica beneficia os empreendedores em conjunto. Ninguém é dono da gastronomia mineira ou brasileira, ela é de todos.”