Em um dos primeiros registros literários sobre a culinária mineira, Feijão, angu e couve – Ensaio sobre a comida dos mineiros, Eduardo Frieiro conta como saímos de um estado em que havia escassez de alimentos para alçar o status de uma das cozinhas mais apreciadas do país. Ele aborda o período que começa em fins do século 17, com o Ciclo do Ouro, e vai até o início do século 20, com a transferência da capital de Ouro Preto para Belo Horizonte, quando a mesa mineira já se tornava referência não só em pratos típicos, como tutu e feijão-tropeiro, quanto na produção e consumo de queijo, café e carne de porco. Sim, Minas Gerais é um prato cheio de história, sabores, identidade gastronômica, numa trajetória secular e em pleno desenvolvimento.
Também debruçou sobre a forma como a culinária regional interfere na construção da identidade dos mineiros a socióloga Mônica Chaves Abdala, autora de Receita de mineiridade.
“Todo povo tem dois elementos que carrega consigo, que fazem parte da sua identidade: a comida e a língua. Todo mundo leva na bagagem cultural.” Em texto intercalado de receitas típicas, ela enriquece a bibliografia sobre comida e simbolismo. “Durante o meu curso de mestrado, coloquei a seguinte pergunta: por que o mineiro é tão associado à cozinha, ao bem receber?”, lembra. Isso em 1994, período em que, registra ela, eram raros os estudos antropológicos e sociológicos sobre culinária.
Ela, que nasceu em Uberlândia, conta que cresceu na comilança, mesa farta oriunda de raízes mineiras e libanesas. Para dar corpo à narrativa, pesquisou a obra de Frieiro, o livro A mesa de Mariana (de Sônia Magalhães), Comer como um frade (de Frei Betto), todas as publicações da culinarista Maria Stella Libânio Christo, além de fazer entrevistas e buscar cadernos de receita e outras relíquias como crônicas, poesias, registros dos muitos naturalistas e memorialistas que percorreram as Gerais. “A partir desse material todo, em uma época em que inclusive os governos estavam interessados em desenvolver a gastronomia, parti do objetivo de construir historicamente como essa cozinha se tornou pilar da nossa imagem, com o restaurante mineiro, a cozinha típica mineira figurando como a mais presente em todo o país.”
Impossível abranger toda a descoberta empreendida pela autora aqui, mas vale registrar o lombo com tutu, o frango com quiabo e angu, a couve, o feijão-tropeiro, a leitoa à pururuca, além do pão de queijo, do queijo minas e do doce de leite como os principais clássicos.
Abdala conclui que os pratos que se firmaram como típicos vieram da mineração e da ruralização, em receitas históricas e de família. Abrange ainda costumes do Norte – carne serenada e arroz com pequi; do Sul – galinhada; do Sudoeste – ensopado de galinha com palmito amargo e angu. E lembra que o que é típico mineiro representa um estado muito variado e rico, mas não, necessariamente, cada cantinho. “Há uma variedade muito maior e muito a ser descoberto ainda.”
Influência religiosa
Capítulo importante da nossa identidade é a influência de religiosos na produção de alimentos, em particular queijos e doces, conta Vani Pedrosa, economista com especialização em história econômica e consultora em pesquisas de gastronomia do Senac. “Trabalhei por quase uma década nos santuários das serras da Piedade e do Caraça, locais em que tive acesso a registros muito importantes acerca do período de ocupação de Minas Gerais, cuja culinária foi fundada basicamente por três etnias: índios, europeus e africanos.”
Vani conta que tais registros começam por volta de 1640, quando tem início a ocupação dos sertões, e cita em especial a forma de fazer queijo, “importada” da região dos Açores, em Portugal, além do uso de produtos locais como farinhas: técnicas para a produção de pães e roscas, o hábito de tirar o sangue do frango, de fazer manteiga, de buscar equivalências entre produtos de lá e de cá – taioba no lugar de aspargos, por exemplo.
“Os mosteiros tiveram influência na gastronomia do mundo inteiro, especialmente em bebidas fermentadas, como cervejas e vinhos, em queijos e em doces. Eles tinham dinheiro e tempo de trabalho e pesquisa. Por isso, quando vieram para cá, os bandeirantes e o clero trouxeram consigo a produção, que em seguida passou a servir às festas religiosas e influenciou o arsenal de comidas típicas. A cozinha de base mineira trabalhou o produto local com técnicas estrangeiras”, resume Vani Pedrosa.
A pesquisadora registra ainda a influência dos religiosos portugueses na produção de doces.
Receita: pudim de gabinete
Ingredientes:
Para o bolo - 1 xícara (chá, não muito cheia) de óleo, 1 xícara (chá) de farinha de trigo, 1 xícara e meia (chá) de açúcar cristal, 1 laranja com casca, 1 colher (sopa) de fermento em pó, 6 ovos.
Para o creme de ovos - 3 ovos, 1 lata de leite condensado, 1 litro de leite integral. Para o recheio de doce de frutas - 150 g de cada um dos seguintes ingredientes desidratados ou cristalizados: abacaxi, laranja, cidra, figo, goiaba, cereja, mamão, ameixa preta e uvas passas (podem ser usados doces dessas frutas, desprezando-se a calda, ou frutas cristalizadas picadas acrescidas de frutas secas).
Modo de fazer:
A base - Retirar as extremidades da laranja (cabeça e fundo), cortá-la em pedaços pequenos (com casca) e desprezar o miolo branco que fica entre os gomos. Batê-la no liquidificador com os demais ingredientes, colocando por último o fermento em pó. Untar uma fôrma de bolo, alta e redonda (sem o furo no meio). Levar ao forno pré-aquecido, a 180 graus, até corar. Deixar esfriar, desenformar e reservar. O creme de ovos - Bater os ingredientes no liquidificador, até obter mistura homogênea.