28 de outubro de 2018. Com o lema de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o capitão reformado do Exército Jair Messias Bolsonaro (PSL), de 63 anos, deputado federal do baixo clero há 27, é eleito presidente da República por partido nanico, sem tempo de televisão nem alianças políticas expressivas e sem comparecer a nenhum debate no segundo turno.
Como parte do feito, consegue impulsionar crescimento meteórico da legenda, promovida à segunda maior bancada da Câmara dos Deputados (atrás apenas do PT), ao saltar de acanhadas oito para 52 cadeiras. Um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi o parlamentar mais votado da história, com 1,84 milhão de apoiadores.
O primeiro discurso do capitão da reserva, na defesa da família tradicional e com a promessa de “libertar o país”, é feito em transmissão ao vivo pelo Facebook – onde tem quase 10 milhões de seguidores e onde foi figura presente durante boa parte da campanha, interrompida por atentado à faca em ato público, em 6 de setembro, em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. Após a live, o presidente eleito ora na porta de casa, num condomínio no Rio de Janeiro, com correligionários diante das câmeras de TV.
Enquanto isso, em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), empresário milionário, novato na política e filiado a partido que disputa pela primeira vez o cargo, comemora a vitória ao governo. No Rio, um também estreante, o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC), que defende o “abate” de bandidos armados, vence para governador.
O enredo acima, que poderia parecer o resumo do improvável, é a síntese dos novos tempos num Brasil que se inclina à direita. “Ninguém sabe exatamente o que vem pela frente, porque é uma conjuntura muito inesperada”, afirma a professora de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Heloisa Starling, coordenadora do Projeto República.
Numa coleção de ineditismos, pela primeira vez desde a redemocratização, um militar é eleito pelo voto popular e parlamentares que se apresentam como conservadores dominam assentos do Congresso Nacional. Desde o governo de Fernando Collor (PRN), Bolsonaro, que tem como vice o general Hamilton Mourão, é o primeiro a estar fora da polarização entre PT e PSDB.
Também pela primeira vez, um candidato vence sem ir a debates no segundo turno. E mais que isso: nunca antes a internet e as redes sociais se mostraram mais eficientes do que a TV e o rádio, colaborando tanto para a ascensão de legendas pequenas quanto para que fake news – notícias falsas – se espalhassem em escala viral.
Manifestações
Depois de cinco anos turbulentos, marcados por manifestações, crise econômica, impeachment de uma presidente e escândalos de corrupção, as urnas, segundo estudiosos da democracia brasileira, traduzem um desejo de renovação longe de partidos tradicionais como PT, PSDB e MDB, que chegam menores em 2019.
No plano nacional, seja com a bandeira do antipetismo, que deu suporte a Bolsonaro, ou com a campanha do #elenão, que tomou as ruas contra o militar reformado, eleitores ocuparam as ruas e demonstraram que a rejeição norteou a escolha. Na campanha do “contra”, venceu Bolsonaro, tratado como um outsider na política, apesar de estar no sétimo mandato na Câmara e ter passado por nove partidos.
Com declarações polêmicas, o capitão da reserva se elegeu defendendo a moral, a família e propostas liberais na economia, apesar do passado estatizante. “Bolsonaro é bastante representativo do brasileiro médio. Gostando ou não, todo mundo tem um parente mais ou menos assim”, afirma o cientista político Adriano Gianturco, coordenador do curso de relações internacionais do centro universitário Ibmec.
A renovação, que segue onda mundial conservadora e tem no presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, seu principal exemplo, se apresenta como resposta a temas recorrentes na história brasileira, como a corrupção ou a “ameaça comunista”, combatida pelo Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945) e pela ditadura militar (1964-1985). “O moralismo forte e o discurso contra corrupção é um apelo dos grupos de direita desde Vargas”, afirma Heloisa.
Terra de tradição
Terra de tradição política e segundo maior colégio eleitoral do país, Minas Gerais teve peso nessa decisão. Foram 6,1 milhões de votos em Bolsonaro, o equivalente a 58% do eleitorado mineiro, percentual acima da média nacional, de 55%, que votou no capitão reformado.
Afeito ao pensamento liberal, Gianturco explica que a direita cresceu com a internet, onde Bolsonaro se consolidou como influenciador digital. Seu canal no YouTube, rede onde tem 2,2 milhões de inscritos, foi criado em 2009.
Eleito presidente, o militar da reserva vem mostrando que, assim como Trump, as redes sociais serão seu principal meio de comunicação com o eleitorado. Pelo Twitter, anunciou ministros – pelo menos um terço deles militares –, fez pronunciamentos, desautorizou sua própria equipe, criticou a imprensa e adversários.
A partir de 1º de janeiro, mais do que gerenciar suas redes sociais, terá o desafio de comandar a nação. “Bolsonaro terá que fazer a reforma da previdência. Vai ter o desafio de reequilibrar e desaparelhar o Estado fortemente. Acredito que vão ocorrer motins e alguma coisa relacionada ao pagamento de mensalidade nas universidades federais.
Tem também a questão da ‘escola sem partido’ (contra uma pretensa doutrinação ideológica na sala de aula)”, afirma Gianturco. Segundo ele, eleitores “fanáticos” de Bolsonaro correm o risco de ficar desiludidos, já que o militar deverá ter que fazer concessões e considerando que a maior parte dos candidatos não consegue cumprir as promessas ao longo do mandato.
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