Desde a proclamação da República em 1889 até a instituição do regime militar em 1964, salvo os anos da ditadura getulista do Estado Novo, a política mineira teve um papel predominante na política nacional. Sempre que houve política democrática, mesmo imperfeita e limitada, os políticos mineiros estiveram presentes no centro dos acontecimentos, transmitindo ao governo do Brasil alguns dos traços que definem nosso caráter, como o equilíbrio, o ceticismo diante das grandes narrativas utópicas, o senso de realidade e, principalmente, o amor à liberdade.
Por instinto, os mineiros, ou melhor dizendo, as elites culturais de Minas, temeram sempre os radicalismos e procuraram a estabilidade. Foi justamente um mineiro do Sul de Minas, o Marquês de Paraná, quem, no Império, construiu a política de conciliação que deu estabilidade ao regime de 1853 até 1970, juntando no governo conservadores e liberais.
Já na República, os mineiros construíram a grande concertação com a política de São Paulo, que deu estabilidade à Primeira República por 40 anos e que só terminou numa revolução devido à imprudência e arrogância do presidente Washington Luiz, que articulou sua sucessão em desacordo com a política de Minas. Até hoje se questiona se a influência política de Minas rendeu dividendos econômicos ao nosso estado, pois foi nessa fase que São Paulo praticamente monopolizou o progresso econômico brasileiro, deixando Minas muito para trás.
Nos anos que se seguiram à Revolução de 1930, que só foi vitoriosa graças ao apoio de Minas, Getúlio Vargas, o caudilho gaúcho que os mineiros apoiaram com certa relutância, tratou de se livrar dos mineiros, como já se livrara dos paulistas. Os melhores mineiros dessa época, como Antonio Carlos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Tancredo Neves e Magalhães Pinto, mantiveram-se distantes e, no final, ajudaram a derrubar o regime, trazendo de volta a democracia constitucional.
"A importância de Minas derivava de seu poder econômico relativo, só superado por São Paulo, numa federação ficcional, em que a maioria dos estados não tinha força suficiente para se impor"
Após a redemocratização de 1946, surge Juscelino Kubitschek, uma estrela de outra natureza, mais próximo de um João Pinheiro do que de qualquer político mineiro tradicional, que chegou ao poder não como uma continuidade de nossa tradição, mas como expressão de novas forças sociais que se formavam no Brasil urbano e industrial, que aspiravam mais ao progresso do que à estabilidade.
Juscelino se valeu do velho PSD, mas nunca foi um pessedista de raiz. Era um homem dos novos tempos e talvez a melhor figura de estadista e governante que nosso país produziu nos tempos modernos. Não era um político clássico, não deixou herdeiros e perdeu a própria sucessão.
Junto com Juscelino, duas outras figuras se elevaram bastante acima da nossa classe política: Magalhães Pinto e Tancredo Neves, últimos mineiros verdadeiramente nacionais, de rica biografia e de vida pública exemplar, que governaram Minas e estavam destinados para governar o Brasil, não fora a impiedade da sorte, sempre tão cruel conosco.
Hoje, Minas não está mais presente nos centros de decisão da política nacional e não vejo como isso pode mudar. Os mineiros que, desde o nascimento da República, estiveram no centro da política nacional, pertenciam a uma elite que só poderia surgir e sobreviver numa democracia oligárquica, que selecionava seus líderes pelo mérito e não pela popularidade.
A importância de Minas derivava de seu poder econômico relativo, só superado por São Paulo, numa federação ficcional, em que a maioria dos estados não tinha força suficiente para se impor. O Brasil político se resumia então a São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.
Por sorte tivemos nessa época um grupo de homens bem- educados e talentosos, diferentes do perfil da maioria de nossas representações políticas de hoje: Afonso Pena, Silviano Brandão, Raul Soares, Artur Bernardes, Antônio Carlos de Andrada, para ficar em uns poucos. Se ainda acrescentarmos JK, Magalhães Pinto e Tancredo Neves, fica bem claro o abismo entre esses homens e nossos homens de hoje.
Para além das diferenças de biografia, a democracia brasileira é hoje uma democracia de massas, que escolhe seus membros pela emoção e a circunstância. A fragmentação partidária só une as pessoas por interesses menores e o interesse público tornou-se mera figura de retórica.
A nação não é mais um todo, mas um mosaico diversificado de identidades políticas, dispostas ao protagonismo e ao enfrentamento com o outro. Neste espaço marcadamente horizontalizado, a identidade puramente regional perdeu a força e não define mais nem a solidariedade, nem o voto.
Numa federação de 26 estados, nenhum estado é forte e unificado o bastante para tentar qualquer predominância. As realidades da vida dispersaram as bancadas regionais em agrupamentos temáticos, cujos interesses são melhor articulados do que as demandas regionais específicas.
Nestas novas dinâmicas não há mais espaço para as afirmações estaduais. Assim, é difícil imaginar que uma grande política de Minas possa novamente se afirmar na cena nacional. E talvez nem haja mais grande política em parte alguma, até que surja a aurora de um tempo verdadeiramente novo.
"Junto com Juscelino, duas outras figuras se elevaram bastante acima da nossa classe política: Magalhães Pinto e Tancredo Neves, últimos mineiros verdadeiramente nacionais, de rica biografia e de vida pública exemplar."