Jornal Estado de Minas

Pragas avançam com a seca e desafiam indústria do pequi

O brilho do fruto conhecido como ouro do cerrado depende, agora, da boa vontade de São Pedro. Há quatro anos sem chuva, o Norte de Minas sofre com a seca e os efeitos da estiagem sobre a exploração do pequi, típico do cerrado brasileiro. Fonte de renda para cerca de 5 mil famílias da região, a iguaria ganhou clientela no Brasil e no exterior, mas míngua no pé e, de acordo com os agricultores, aumenta o número de pragas na região. Na safra passada, entre novembro e fevereiro, muitos extrativistas perderam cerca de 60% da colheita em razão da crise hídrica. Entidades envolvidas na atividade e produtores pedem a ajuda de pesquisadores na investigação e no controle de doenças que comprometem a tradição do pequi mineiro.

Considerada exploração econômica ambientalmente sustentável, de acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a cultura do fruto tem importância socioeconômica em toda a cadeia de produção, da coleta, transporte, beneficiamento e comercialização ao consumo, tanto do fruto in natura quanto dos derivados. Em Minas Gerais, o fruto símbolo do cerrado é encontrado em maior quantidade na região de Montes Claros, Norte do estado, com destaque para o município de Janpovar. A espécie é protegida por lei em Goiás, mas, segundo a central de cooperativas de produtores Central do Cerrado, ela vem sendo dizimada, principalmente nas áreas de expansão agrícola.

“O nosso pequi tem aceitação muito boa. É nesta época do ano que saem daqui muitos caminhões com o fruto para Goiás, Bahia, São Paulo”, orgulha-se o agricultor e extrativista Aparecido Alves de Souza, presidente da Cooperativa Grande Sertão e da União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária.

A preocupação vem dobro neste ano devido ao desempenho já ruim da última safra. “Sofremos há quatro anos com a seca. A nossa colheita na última safra foi bem inferior, e, com certeza, há influência hídrica nisso. Em algumas cidades, como Januária, houve ataque de pragas, e não sabemos o que era, por isso, chamamos as universidades para nos ajudar”, conta.

O extrativista José Antônio Alves dos Santos, coordenador do Programa Pró Pequi de Montes Claros, estima perdas de 60% da colheita. Pesquisadores estudam, agora, o que ocorreu e o tipo de praga que atacou os pequizeiros. “Suspeitamos de que, em algumas cidades da região, foi o besouro que fez o estrago; noutras, o gafanhoto. Não temos certeza de nada”, comenta Santos.

Cadeia produtiva do fruto típico do cerrado é fonte de receita de para mais de 5 mil famílias no estado - Foto: Divulgação/SebraeFAMA Enquanto o problema está sendo analisado, o Norte de Minas se esforça para dar ainda mais fama à iguaria.
“É um fruto que ainda está restrito a alguns locais, sendo mais comercializado regionalmente”, comenta a agrônoma e assessora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg), Adriana Santos Nascimento Pereira.
Entidades ligadas aos coletores da fruta traçam estratégias de divulgação para a iguaria em 2016. “É um fruto que, além de afrodisíaco, tem muita vitamina A e E, e acaba servindo como antianêmico”, destaca Adriana. Ela compara a fama do Pequi à do açaí, já conhecido Brasil afora. “Precisamos fazer com que o fruto do cerrado tenha a mesma força que aquele que veio da Amazônia, por isso a divulgação dele é tão importante”, diz.

Outra ação visa ao ingresso do pequi na merenda escolar do Norte de Minas. “O arroz com pequi pode ser um bom prato para as crianças do Norte e estamos trabalhando nisso”, diz Aparecido Alves de Souza. Ainda que preocupados com o que pode vir pela frente neste período de safra, extrativistas orgulham-se dos ganhos que têm com o pequi. Nesta época do ano, os produtores costumam apurar o maior rendimento. Não exisem números precisos sobre a abrangência da coleta e comercialização do fruto.
No Norte mineiro, há estimativas de que cerca de 5 mil famílias se dediquem à colheita da fruta.

“Não se trata de um dinheiro que dá para comprar um carro novo, mas é suficiente para a feira durante todo o ano. As minhas netas, por exemplo, ajudam na colheita e, com o que ganham, compram material escolar”, conta Santos.
As famílias ganham, em média, cerca de R$ 2 mil por safra. “Meu cunhado conseguiu, no ano passado, ganhar R$ 30 mil”, revela o coordenador do Programa Pró Pequi. Quando a safra está no começo, como agora, o preço da caixa contendo uma dúzia de frutos, com 25 quilos, é vedida a R$ 50. “À medida em que a safra vai aumentando, o valor diminui, podendo chegar a R$ 15 a caixa”, explica Santos.

Ouro do cerrado nos EUA e Japão

A colheita do pequi, feita à medida em que os frutos caem no chão, tornou-se fonte de trabalho para toda a família. Homens, mulheres e crianças se reúnem, algumas vezes acampando próximo aos pequizais, onde permanecem durante toda a safra. Em várias cidades do Norte de Minas, ocorrem festas da culinária regional para celebrar o fruto.

Antigamente, o pequi só era comercializado durante a safra, mas o período de curta duração deixava catadores sem a sua fonte de renda. A situação dos agricultores na entressafra preocupou pesquisadores do Departamento de Biologia Geral da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Surgiu, então, em 2006, um projeto voltado para o processamento agroindustrial da polpa de pequi e a fabricação de conservas.

Desde então, com a preparação do alimento em conserva (polpa e fruto inteiro), emergiu uma cadeia produtiva do pequi, que ganha outros derivados além das conservas. O consumidor pode apreciar também o molho, a farofa, o óleo, o licor, o doce e até o sorvete de pequi.
O fruto compõe, ainda, o cardápio de pratos até então tradicionais. O apreciador pode se sentar em um restaurante e pedir, por exemplo, uma pizza, um crepe ou pasteizinhos de pequi.

EXPORTAÇÃO
A polpa do fruto também ganhou outros paladares. Há produtores que já exportaram a iguaria para os Estados Unidos e a Itália. Para 2016, a expectativa é de que, em fevereiro, a delícia chegue ao Japão. “A nossa expectativa é de enviar 3 toneladas para lá”, revela José Antônio Alves dos Santos, coordenador do Programa Pró Pequi de Montes Claros Santos. Porém, a exportação para o outro lado do mundo vai depender das chuvas e do controle das pragas. (LE).