Do outro lado da porteira, nos supermercados das cidades, menos produtos lácteos de maior valor agregado estão entrando no carrinho do consumidor. Os reflexos da crise que fizeram as famílias ajustarem o orçamento chegam na ponta da cadeia, adiando os investimentos no setor produtivo.
Para fazer frente ao revés no mercado interno e também de queda de preços no mundo, a receita no campo tem sido enxugar custos, conter os investimentos e tentar buscar soluções inovadoras para melhorar a gestão da produção. Em Santana de Pirapama, a 120 quilômetros de Belo Horizonte, pecuaristas da Região Central do estado foram apresentados na última sexta-feira ao 4 Milk, aplicativo que será lançado em maio e poderá ser baixado gratuitamente nas lojas App Store e Google Play, para uso em smartphones.
Na Fazenda Jardim, Claúdio Notini tem uma produção de aproximadamente 2,5 mil litros por dia.
A ferramenta que promete transformar a gestão chega em um momento em que os custos estão sendo acompanhados de perto. Segundo o diretor da Faemg, Rodrigo Alvim, uma conta prática da pecuária de leite foi derrubada no ano passado e este ano continua não fechando. “A cada litro de leite, o produtor deve ser capaz de comprar dois quilos de alimento. Hoje, com um litro de leite é possível comprar 1,5 quilo de alimento”, compara.
No fim de 2015, o preço do milho praticamente dobrou, saltando de R$ 450 a tonelada, no primeiro semestre, para chegar a atingir perto de R$ 1 mil, o que tem feito a gestão rural passar por apuros.
O 4 Milk funciona no formato de lembretes e alertas. O produtor alimenta diariamente o aplicativo e tem toda a gestão da fazenda nas mãos, podendo dar prosseguimento aos trabalhos mesmo estando distante do campo. O aplicativo funciona também off-line.
Já os alertas vão produzir análises sobre o rebanho, emitindo relatórios, por exemplo, sobre os animais que tiveram queda de produção. O aplicativo é conectado a redes sociais, e, por ele, o produtor se manterá conectado individualmente com outros pecuaristas ou a grupos. Poderá participar com facilidade de compras coletivas que barateiam o seu custo e terá uma plataforma para adquirir e vender animais ou embriões. “O aplicativo traz também plataformas que poderão ser usadas só pelo técnico, ou áreas de acesso ao vaqueiro, por exemplo”, explica Notini. “Ele é tipo um Facebook rural de muito fácil manejo. Nossa intenção é provocar uma transformação social no campo, queremos que ele seja usado gratuitamente”, observa.
PÉ NO FREIO O mercado do leite enfrenta desafios também no setor externo e o momento é de alerta também do outro lado do oceano. Para se ter ideia, o leite em pó comercializado a US$ 4,5 mil a tonelada no fim de 2014, agora é vendido por US$ 1,9 mil. “O câmbio freou as importações e nesse sentido tem protegido o mercado interno”, avalia Celso Moreira, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios (Silemg). Segundo ele, este ano a produção deve se manter estável no estado e os preços tendem a superar a média do ano anterior, empurrados pela estabilização na produção.
Rodrigo Alvim, diretor da Faemg, diz que este é um ano difícil de se fazer previsões, mas que o mercado sinaliza para mais um período desafiador, com pressão de alta em insumos, como o milho, e preços bem próximos ao custo da produção. “Devido à instabilidade, a recomendação é que o produtor não faça investimentos no curto prazo”, diz o executivo, que também é presidente da Comissão Nacional da Pecuária de Leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O agronegócio foi o único setor da economia que fechou 2015 no azul, diante de uma queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas a balança comercial dos lácteos não favoreceu a conta: o défícit no ano passado foi de US$ 100 milhões de dólares.
De gole em gole
35 bilhões de litros
Produção de leite no país
9,4 bilhões de litros
(queda de 2,5% frente a 2014)
Produção de leite em Minas
R$ 1,03
Menor remuneração dos últimos cinco anos
Preço médio do litro no estado em 2015
10%
Estimativa de alta de preços para o consumidor no primeiro semestre
9,4 bilhões de litros
Estimativa da produção para 2016
180 litros ao ano
Consumo de leite por brasileiro
Enquanto isso...
...procuram-se vaqueiras
Minas está à procura de vaqueiras para cumprir a meta estipulada pelo programa Leite pela Vida, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Por determinação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 30% dos produtores de leite que integram o programa devem ser mulheres mas hoje são apenas 15,4% – ou 467 mulheres em todo o estado atuam na profissão. Hoje, 3.050 produtores são fornecedores do programa. Gilcilene Oliveira, coordenadora do programa, explica que a atividade ainda é vista como masculina, mas que a participação da mulher é importante, já que assumindo a frente da atividade ela pode participar com maior efetividade da gestão das finanças do núcleo familiar. O programa funciona no Norte e Nordeste de Minas, nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, e é voltado exclusivamente para a agricultura familiar.
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