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Estado de Minas

Preço do café ameaça disparar por causa do clima

Chuvas no início da colheita de café no país atrapalham abastecimento e podem resultar no aumento dos preços do pó em até 12%. Também comprometem qualidade. Mas a expectativa é de que a safra deste ano, de 49,66 milhões de sacas, seja mantida


postado em 13/06/2016 07:00 / atualizado em 13/06/2016 09:53

Chuva fora de hora poderá prejudicar a qualidade dos grãos voltados ao mercado gourmet (foto: Marcelo André/Divulgação)
Chuva fora de hora poderá prejudicar a qualidade dos grãos voltados ao mercado gourmet (foto: Marcelo André/Divulgação)

As lavouras da principal região produtora de café do Brasil estavam lindas. Vistosas e prontas para a colheita. As previsões de safra alta, dentro do ciclo de bienalidade da cultura, seguiam inalteradas. Mas o tempo fechou e os resultados agora já não serão tão bons quanto o esperado. As chuvas que atingiram Minas Gerais nas duas últimas semanas pegaram os cafeicultores de calças curtas. Agora, a expectativa é de que a colheita de 49,66 milhões de sacas, de acordo com o último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), seja atingida, mas com uma qualidade inferior. Muito grão caiu do pé, o que compromete o trabalho feito nos últimos meses, principalmente daqueles focados no mercado do produto especial. Agora é torcer para que o frio não aumente e que geadas não atinjam as plantações, o que também representa risco de perdas para aqueles que sobrevivem do café. De toda forma, os custos já estão mais altos para as indústrias e a expectativa é de aumentos de até 12% no preço do pó de café vendido para o consumidor. O cálculo é feito pelo presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Nathan Herszkowic. “Temos um conjunto de fatores altistas que devem resultar no repasse”, afirma.

Além das chuvas, o executivo da Abic cita o câmbio mais alto, os estoques mundiais em baixa e a seca no Espírito Santo, que é a maior região produtora da variedade conilon, muito usada pela indústria nacional. “Fatores que representam incerteza refletem nos reajustes porque as empresas não têm como absorver custos maiores, devido às baixas margens trabalhadas pelo setor”, justifica Herszkowic. “O pensamento que tínhamos há duas semanas não vale mais. Já temos fabricantes reclamando de dificuldade para a compra de lotes, ou seja, o abastecimento está difícil porque a colheita foi interrompida em um momento em que os estoques já eram baixos”, acrescenta.

Carmem Lúcia está satisfeita com os resultados da fazenda, mas perdas podem chegar a 10%(foto: Erasmo Pereira/Divulgação)
Carmem Lúcia está satisfeita com os resultados da fazenda, mas perdas podem chegar a 10% (foto: Erasmo Pereira/Divulgação)
Nathan Herszkowic conta que a saca do conilon passou de R$ 370 para R$ 420 em 20 dias. Já o arábica para consumo interno passou de R$ 390 para R$ 430 (vale lembrar que os grãos de maior pontuação e qualidade, como os produzidos em Minas, têm a saca vendida acima de R$ 500, atualmente). “Se for sustentado, o aumento de custo ainda é um mistério, mas pode chegar a cerca de 12%, ou entre R$ 1,50 e R$ 2 por quilo de pó de café”, diz.

“A chuva chegou na hora errada. Atrapalhou o início da colheita”, explica Breno Mesquita, presidente das comissões de café da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que é produtor do grão em Três Pontas, no Sul de Minas. “Ela transformou os resultados em uma incógnita. A safra será boa. Mas a qualidade, que seria excepcional, corre o risco de não ficar como gostaríamos”, acrescenta. O conselheiro da Cooperativa de Cafeicultores da Zona de Varginha (Minasul), Osvaldo Henrique Paiva Ribeiro, reforça: “o mercado atual é definido pelo fator climático”. Para ele, a chuva passou e a tendência é de que a colheita volte ao seu ritmo.

Como as chuvas passaram, o temor dos cafeicultores agora é relacionado ao frio. O clima pesa tanto no negócio do café que os preços da saca de 60 quilos apresentaram alta na última semana. O arábica, destaque de Minas, passou da média de R$ 500 para cerca de R$ 520, na quinta-feira. “Se gear, o preço aumenta ainda mais”, observa Paiva Ribeiro.

Na opinião de Mesquita, as chuvas já acabaram jogando por terra um esforço que tem sido grande entre os cafeicultores mineiros, que é o da busca pela qualidade, que garante uma valorização extra para as sacas. A tônica atual é a da perseguição por pontuações que representem ganhos de 10%, 30% e até acima de 50% frente ao valor pago pelo grão verde negociado como commodity. No Espírito Santo, em que o forte é a produção do conilon, o problema deste ano foi a seca, que vai gerar quebra na safra, segundo as últimas previsões da Conab.

O presidente do grupo Montesanto Tavares, com fazendas cafeeiras em vários municípios mineiros, Ricardo Tavares, tem focado na venda de grãos especiais para o exterior. Mas ele agora está apreensivo: “estou preocupado com a qualidade”. Ele observa que o café a ser colhido nesta safra seria “excelente”. “Mas chuvas dessas estragam o negócio todo”, afirma. Atualmente, as fazendas do grupo produzem cerca de 90 mil sacas anualmente. A quantidade deve se manter, mas ele ainda não consegue mensurar as perdas que vai ter em decorrência da quebra da qualidade dos grãos. Se atingem as melhores pontuações, ele consegue ganhos entre 40% e 80% acima do valor normal das sacas comercializadas no mercado interno.

Para garantir a qualidade dos grãos e, consequentemente, ganhos maiores por saca, além de escolherem as melhores cultivares para o plantio, os produtores estão caprichando na pós-colheita. Muitas vezes é daí que sai o café “diferenciado” demandado pelo mercado. O pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (Epamig), Gladyston Carvalho, observa que muitos produtores estão apostando no cereja descascado. Com a chuva, muito grão que poderia ser colhido como cereja passou do ponto. E aí está um dos fatores que pode representar perdas para o produtor. Como a oferta desse tipo de grão especial deve cair, a expectativa, no entanto, é de preços melhores. De toda forma, já frustra o cafeicultor, que passou os últimos meses caprichando no manejo.

Carmem Lúcia Chaves de Brito, cafeicultora da Fazenda Caxambu, de Três Pontas, no Sul de Minas, lamenta as chuvas do início da colheita. E não só elas. Em setembro do ano passado, suas lavouras foram atingidas por granizo. Por isso, sua safra, que foi de 8,6 mil sacas em 2015, deve ficar próxima das 5 mil sacas. Como trabalha com grãos especiais, que vende para clientes exclusivos, ela calcula uma perda da ordem de 10% nas últimas duas semanas. “Ainda estamos identificando os problemas. Mas é certo que o café que cai no chão fica enterrado e tem perdas na qualidade. Chuva em excesso complica a vida de quem trabalha com o grão especial”. Ela negocia o grão in natura, mas faz algumas edições especiais de pó de café para um cliente específico do Rio de Janeiro. Para garantir a qualidade, trabalha com a coleta seletiva. “Persigo o grão maduro”, diz. E são eles que dão o tom da valorização da sua produção. “Os clientes estão ávidos por ele”, diz, completando que o mercado de cafés especiais cresce até 15% ao ano.

PROCESSAMENTO Outra tendência do momento é o beneficiamento do café nas próprias fazendas, de forma artesanal. São produtores que estão investindo do plantio ao pó para conseguir agregar ainda mais valor aos grãos colhidos. “Há muitos nesta linha de fechar o ciclo completo”, afirma Mesquita. Mas ele garante que é impossível mensurar o volume de cafeicultores que estão seguindo esta tendência. “Não é fácil. Tem que ter dinheiro e cliente.” No país, segundo ele, há cerca de 280 mil cafeicultores.

Gladyston Carvalho confirma que há uma tendência crescente do processamento artesanal dos grãos nas fazendas. “Mas tem que ter capital”, observa. Ele explica que quando o grão é torrado e moído a saca de 60kg passa a ter 45kg. No entanto, deixa de ser vendida por cerca de R$ 500 para ser negociada por R$ 900 ou mais. “Agrega valor, mas há outros custos envolvidos”, lembra.

O diretor comercial da Villa Café, Rafael de Oliveira Duarte, conta que a empresa é um exemplo de negócio que trabalha o grão do plantio à xícara, chegando à exportação direta. A produção nas fazendas Santa Helena e Dom Bosco, em Carmo da Cachoeira, no Sul de Minas, já tem mais de 200 anos. Mas a evolução é recente: teve início em 2007. Hoje, o cuidado com as lavouras que produzem cerca de 4 mil sacas por ano fica sob a responsabilidade da mãe de Rafael, Gerusa de Oliveira. Sua irmã, a barista Rúbia, garante a qualidade. E ele trata das questões comerciais. Com o processamento dos grãos em todas as suas etapas, o executivo afirma que o ganho por saca chega a quintuplicar. “Mas passamos a ter outros custos também”, observa.

Rafael Duarte afirma que vale muito a pena trabalhar do plantio ao pó. “Mas depende da capacidade de investimento e dos cuidados na execução”, observa. Segundo ele, o mercado do produto especial cresce acima de 10% ao ano, sendo que o de cápsulas chega a ter uma alta de 30% anual. Os produtos Villa Café hoje estão em cafeterias (para as quais há um projeto de franquia) e até em uma Bike Café, que desde janeiro circula em eventos fechados de Belo Horizonte. Em 2014, eles começaram a exportar. Hoje, já vendem para os Estados Unidos, México, África do Sul e outros países do Oriente Médio.

Nathan Herszkowic, da Abic, confirma que há um movimento crescente de produção artesanal de café em pó e em grãos torrados, nas fazendas. Mas como esses pequenos beneficiadores não são associados da Abic, não é possível mensurar quantos já há no mercado. Ele também pondera que esses produtores não concorrem de forma expressiva com as grandes indústrias: “exploram nichos de qualidade e vendem em suas próprias localidades. Vendem para seus vizinhos, mas com diferencial”.

Como a Abic tem interesse na expansão do mercado, os artesanais ainda não incomodam os gigantes. Neste ano, a expectativa é de que o consumo de café no país cresça entre 1,5% e 2%.

 

 


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