Jornal Estado de Minas

Ladrões de olho nas sacas

Alta do preço do café e falta de segurança contribuem para o crescimento de furtos nas fazendas

Se antes a preocupação no campo era referente às questões climáticas, a crise na economia somada à valorização do preço do café mudou essa apreensão. O crime está em alta na zonal rural do Sul de Minas, abalando o agronegócio, setor considerado sobrevivente da retração econômica. O estado – responsável por 50% da produção cafeeira no país – já registra aumento de, no mínimo, 30% na quantidade de furtos de sacas de café este ano. Para especialistas e também para a polícia, o momento da economia, cujo número de desempregados está em praticamente 12 milhões de pessoas, e o preço do grão, que, atualmente, está em cerca de R$ 500 a saca, são fatores que contribuem para a violência no interior. No início de julho, três fazendas mineiras tiveram prejuízo de R$ 150 mil, depois de um grupo armado roubar 300 sacas.


Mesmo com os índices econômicos em retração, o agronegócio foi, em 2015, o único setor a apresentar um Produto Interno Bruto (PIB) positivo, subindo 1,4% em relação a 2014. Para este ano, as expectativas de entidades ligadas ao ramo continuam em alta e o segmento pode fechar 2016 com crescimento de até 2,2%. No país, há cerca de 300 mil produtores de café, sendo que 50% deles estão em Minas Gerais. O consumo do grão aqui e no mundo tem crescido a cada ano em torno de 2%.

Além disso, o cafezinho brasileiro faz sucesso lá fora. O Brasil exportou 35 milhões de sacas do produto no último ano (na safra de julho de 2015 a junho de 2016) gerando  receita de US$ 5,3 bilhões, segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).


Mas com o bom momento veio a insegurança no campo. “Há a crise econômica e, com ela, o desemprego”, comenta o coordenador técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG), de Alfenas, José Rogério Lara. Ele diz que, com os bons ares para o setor, o preço de R$ 520 para a saca de café está “razoável” e os produtores estão em plena safra, o que tem atraído a má índole de muitos aproveitadores. “O cafeicultor se tornou uma presa fácil, pois está no meio rural, sozinho, e conta com um espaço grande para rotas de fuga”, diz. De acordo com Esdras José da Silva, lotado em Nova Resende, no 4º Pelotão da 79ª Companhia da PM de Guaxupé, somente em Nova Resende, neste semestre, foram registrados 58 crimes de furtos de café na zona rural, cerca de 30% a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado. “As pessoas estão desempregadas e sem condições de consumo.

O café é a nossa economia local e o preço dele, atualmente, está fomentando esse tipo de crime. Há alguns anos, a saca custava, em média, R$ 280 e, hoje, está em R$ 500. Esse valor é um atrativo”, assegura.


Na última semana, em Muzambinho, também no Sul do estado, 150 sacas de café e três caminhões foram roubados por um grupo armado, que fez uma família de refém. “São muitos os casos e a estatística da polícia só contempla os registrados. Estimamos que haja mais furtos, uma vez que muitos produtores não registram queixa”, comenta o gerente regional da Emater de Guaxupé, Willen de Araújo. De acordo com ele, os ladrões conseguem vender o produto furtado em locais em que há nota fria. “E há muitos lugares assim. Quem sofre são os cafeicultores, para os quais um furto de muitas sacas pode corresponder a uma renda de dois anos”, compara.



GENERALIZADO

Segundo explica diretor da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), Breno Mesquita, os furtos no campo não são apenas no setor do café.
São generalizados e incluem também o roubo de máquinas agrícolas. Por causa da dimensão que tem sido alcançada pelo problema, está marcada para hoje audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais. A Comissão de Segurança Pública e a Comissão de Agropecuária e Agroindústria farão debate sobre a segurança no campo.


“O preço do café está como era há dois anos. Desde 2014, havia safras baixas do café e seca. Mas o valor está razoável e deveria estar até melhor, já que no mundo há uma produção menor do que o consumo”, diz Mesquita. Ele comenta que o Espírito Santo, responsável por 75% da produção do café do tipo conilon, está passando por um problema grave, que é a seca. “Em Minas, estamos, agora, no período da colheita do arábica. Certamente, a situação econômica do país contribui para o crime, além de ter aumentado o custo de produção do produtor”, diz.

O café, como é uma commoditie, tem seus preços definidos em nível global pelo mercado internacional. “O dólar, sendo assim, é o outro fator que influencia no valor do grão, que sofre influência do bom e do mau humor da economia”, afirma Mesquita.


José Rogério Lara, da Emater de Alfenas, destaca que, atualmente, apesar da queda do dólar frente ao real, o estoque de café está em baixa. “O mundo está aprendendo a tomar essa bebida ,que cada vez mais tem qualidade.

Os negócios estão crescendo, o mercado se expandindo e há muita criatividade. Tomar um cafezinho ficou chique”, brinca.

 

Problemas em cascata

 

“Cada ano é um ano diferente. Tem época em que o problema é a seca, depois o consumo e, agora, veio o crime”, comenta o produtor de café de São Pedro da União, no Sul de Minas, Fernando Barbosa. Com uma área de 14 hectares, tendo média de produção de 40 sacas por hectare, o produtor diz que o clima é de tensão entre os produtores da região. “Estamos ficando cada vez mais apreensivos com esses furtos, principalmente, porque estamos em época de colheita”, avisa. Com medo, segundo ele, muitos cafeicultores estão mudando hábitos. “Antigamente, muitos deixavam o café descansar na propriedade depois de colhido. Hoje, enchem os caminhões e já levam para os armazéns e cooperativas para não sofrer nenhum risco”, revela.


Fernando lembra que, antes de 2014, o patamar do preço do grão não pagava o custo da produção. “Agora, com esse valor razoável, o café está atraindo pessoas de má índole. Antes esses crimes eram fatos isolados”, afirma.

Ele diz que, por isso, os produtores da região estão colocando monitoramento em suas áreas, como forma de vigiar o que ocorre nelas. Na zona rural de Nova Resende, foi implantado um novo mecanismo de segurança para resguardar as propriedades, a chamada Rede de Agricultores Protegidos, que funciona com a participação solidária e mútua dos cafeicultores e da Polícia Militar, que ainda compartilha os dados com a Polícia Civil para a devida investigação.


Segundo informações do governo de Minas, a medida conta com o apoio da Emater-MG e o objetivo é reduzir a criminalidade no campo por meio de ações conjuntas. Segundo o tenente Esdras José da Silva, trata-se de um projeto-piloto, cuja origem remonta à experiência pioneira da Rede de Fazendas Protegidas, implantada em 2011 na zona rural do município de Patrocínio, no Alto Paranaíba. Lá, as ocorrências de furtos e roubos na área rural reduziram-se em até 60% após a iniciativa, segundo o militar. A rede se beneficia de um sistema de georreferenciamento que mapeou todas as propriedades rurais, conferindo a elas um endereço, e a indicação das rotas das estradas do município.


“O banco de dados foi inserido no aparelho de GPS que operamos e dessa forma podemos atender a uma solicitação de natureza emergencial com maior agilidade e melhor qualidade”, garante o militar. Há também grupos de WhatsApp ligados à polícia, para troca de informações de prevenção e de alerta em caso de aparecimento de pessoas e carros suspeitos nas redondezas. E o único custo para o produtor rural, segundo o tenente, é de R$ 15, gastos com a compra de uma placa para indicar a filiação da propriedade. (LE)

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