A safra do pequi, que vai de dezembro a fevereiro, sempre proporcionou o aumento da geração de renda e o sustento de famílias de pequenos produtores, ocasionando também maior movimento no comércio, em vários municípios do Norte de Minas. Neste ano, no entanto, a chegada da “época do pequi” está longe de representar a bonança das safras anteriores, devido a uma situação inusitada: a elevada queda na produção do fruto-símbolo do cerrado. A falta de chuvas e a morte de pequizeiros, atacados por uma praga, são apontados como os motivos da vertiginosa redução da colheita, que segundo os próprios produtores, pode chegar a 80%.
Penúria em Japonvar
Os efeitos negativos da brusca queda na produção do pequi são sentidos em Japonvar – município de 8,4 mil habitantes. Como em outros pequenos municípios do Norte de Minas, os moradores ficam na expectativa da chegada desta época do ano, com a esperança de ganhar algum dinheiro como catadores do fruto nativo no mato, em um trabalho que envolve famílias inteiras, incluindo as crianças. Desta vez, a redenção não veio.
“Acho que neste ano será colhida apenas 20% da quantidade de pequi que deveria ser produzida na região”, afirma José Afonso Pereira de Aquino, presidente do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável de Japonvar. “Nos últimos quatro anos, as chuvas foram poucas. A água da chuva foi pouca e ficou na superfície, sem penetrar no solo. Muitos pequizeiros não resistiram e morreram”, diz José Afonso. Segundo ele, a mortandade dos pequizeiros na região de quatro anos para cá também ficou na faixa de 20%.
José Afonso Aquino explica que, em anos anteriores, muitas famílias de Japonvar, além de garantir a compra de mantimentos para o próprio sustento, compraram bens duráveis como geladeira e fogão a gás com a “renda do pequi”. “Teve gente que comprou até carro e moto ou reformou a casa com o dinheiro que ganhou catando o fruto”, relata, lamentando que, neste ano, no entanto, o sagrado “dinheirinho do pequi” não veio por cauda da quebra na safra.
O presidente da Cooperativa dos Pequenos Produtores e Catadores de Pequi de Japonvar (Cooperjap), Josué Barbosa de Araújo, afirma que Japonvar tem cerca de 400 famílias – totalizando em torno de 2 mil pessoas – que, nesta época, acordam cedo para ir para o meio do mato “catar” pequi, que é apanhado depois de cair no chão, normalmente, de madrugada e pela manhã. Como o fruto é nativo, ele é catado no chão pelos moradores de maneira extrativista, independentemente de quem seja dono das propriedades onde estão os pequizeiros.
“Na época do pequizeiro florescer, faltou chuva. Por isso, a safra caiu tanto neste ano”, avalia Josué. “Como nos últimos quatro anos as chuvas foram poucas na região, a produção do pequi foi diminuindo ano a ano”, diz ele. “De fato, o pequi ajuda as famílias carentes e gera muito emprego e renda no município e na região. Mas, neste ano, a situação está difícil”, lamenta.
A situação complicada com a queda da safra de pequi em Japonvar é enfrentada pela pequena agricultora Marilene Aquino de Jesus, a Lena, de 47 anos, mãe de cinco filhos. “Na verdade, para mim, o pequi ajuda a manter a casa, a pagar as contas de água e luz e fazer feira. Ajuda também a comprar cadernos para as crianças, remédios e roupas, pois a gente não tem salário”, relata Lena, reclamando que, com a redução da safra, não sabe como vai cobrir as despesas. Ela conta que planta lavouras na pequena propriedade da família, na localidade de Rancharia, a sete quilômetros da área urbana de Japonvar. “Infelizmente, nos últimos quatro anos choveu muito pouco não colhemos quase nada”, lamenta. “Agora a nossa esperança é que Deus possa mandar chuva”, acrescentou.
Marilene disse que nos anos anteriores, além de catar o fruto no mato, teve uma boa renda com a produção e venda da polpa do pequi – que agrega valor ao produto, sendo comercializada a R$ 20 o quilo. “A queda da produção foi tanta que acho que não vai ter pequi para fazer polpa. O jeito é economizar o máximo possível e esperar que ano que vem possa ter uma boa safra de pequi”, diz a batalhadora mulher.
Outro que sofre diretamente com as consequências da redução da safra de pequi em Japonvar é pequeno agricultor Jovino Soares de Aquino. “Na época do pequi, todo mundo ganha um dinheirinho, até as crianças. O pequi é uma renda que Deus deixou pra nós e que agora está acabando”, diz Jovino. Ele conta que, junto com a mulher, Gasparina, e um filho, Eduardo, sempre dedicou ao negócio do pequi nesta época do ano. “A gente cata, compra e revende o pequi, além de fazer polpa. Compramos, inclusive, de pessoas que catam o pequi dentro do nosso próprio terreno, como se fosse de outro lugar. A natureza produz para todo mundo e todo mundo precisa ser servido”, comenta o agricultor.
Jovino lembra que no ano passado, faturou cerca de R$ 3,5 mil com a comercialização de polpa do pequi. Agora, a expectativa de faturamento é quase zero. “Como a produção caiu muito, a gente nem imagina como será a renda do pequi, se vai ter como ganhar alguma coisa”, afirma o pequeno produtor rural.
Atualmente, a caixa do pequi (25 quilos) está sendo vendida a R$ 30 em Japonvar. Influenciado pela lei da oferta e da procura, o preço é o dobro do praticado no mesmo período de 2015 (R$ 15 a caixa). “Mas não sabemos se esse valor será mantido porque, se a safra cair muito, não terá pequi em grande quantidade. Aí, não terá como carregar caminhões aqui para vender para BH, Goiás, Bahia e outras regiões”, observa Jovino.
Ele testemunha as mortes dos pequizeiros. “Além das folhas, o besouro ataca a raiz dos pequizeiros, que não resistem e morrem. Na minha propriedade, de dois anos para cá, morreram uns 15 pés de pequi”, descreve Jovino.
O agricultor ressalta que, diante desse quadro, a própria comunidade terá que se mobilizar para manter os pequizeiros. “O prejuízo com as mortes dos pés de pequi é muito grande. Vamos ter que produzir mudas de pequizeiro e plantar”, afirma.
Dívida
A Cooperativa dos Pequenos Produtores e Catadores de Pequi de Japonvar (Cooperjap) foi criada com o objetivo de incrementar o extrativismo e aumentar a renda dos catadores de pequi no município. No entanto, há dois anos que a entidade – que tem 180 famílias cooperadas – está parada, devido a uma dívida de impostos e outros encargos com o governo do Estado. O presidente da Cooperjap, Josué Barbosa de Araújo, disse que está tentando negociar o pagamento dos débitos, a fim de que a cooperativa possa retomar os trabalhos e auxiliar os pequenos agricultores e catadores. “Na verdade, embora a dívida esteja em R$ 300 mil, o valor inicial era de R$ 58 mil. O restante é de juros e multas, que estamos tentando negociar para que sejam perdoados. Assim, teremos condições de pagar o que estamos devendo e a cooperativa poderá voltar a funcionar, ajudando os pequenos agricultores”, assegura Josué.