Embrapa Gado de Leite Minas Gerais vem apoiando, por meio de melhoramento genético do gado, a produção de leite para pessoas que têm alergia à beta-caseína, que correspondem a 30% das proteínas do leite. As associações de criadores de raças Gir Leiteiro e Girolando vêm impulsionando esse segmento e os testes de progênie dessas raças (metodologia que avalia os touros pelo desempenho produtivo de suas filhas em vários rebanhos), com características genéticas dos touros cujo sêmen será usado na fertilização das vacas para produzirem o leite batizado de A2, produto no qual, segundo pesquisadores da Embrapa, há evidências científicas de que a quantidade presente de beta-caseína no leite não causa reações em pessoas que sofrem com essa alergia específica.
A alergia à proteína do leite de vaca, conhecida como APLV, é um problema mais observado na infância. Segundo dados da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), cerca de 350 mil indivíduos no Brasil são alérgicos. A pessoa que tem o problema tem que eliminar o leite de vaca da dieta, deixando de se beneficiar de uma importante fonte de cálcio e de outros nutrientes num momento da vida em que o ser humano mais necessita. Embora os alergistas afirmem que o leite A2 não seja indicado para todos os casos, o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Marcos Antônio Sundfeld Gama, diz que ele pode ser benéfico para muitas pessoas, pois a beta-caseína é a principal causadora da APLV.
De acordo com o alergista e imunologista Aristeu José de Oliveira, o leite A2 não é indicado para intolerância à lactose, que é o açúcar do leite e não uma proteína. A intolerância ocorre em pessoas que têm deficiência na produção de uma enzima chamada lactase, cuja função é quebrar as moléculas de lactose durante o processo digestivo, transformando-a em energia para as células do corpo humano. Os sintomas da intolerância à lactose são dores abdominais, diarreia, flatulência e abdômen distendido.
A APLV desencadeia uma série de reações, algumas parecidas com a intolerância à lactose, o que pode gerar confusão entre os dois problemas. Mas, além dos sintomas gastrico-intestinais, que ocorrerem de forma mais acentuada (diarreia e vômitos), a APLV pode causar placas vermelhas no corpo, muitas vezes acompanhadas por coceiras, inchaço dos lábios e dos olhos e, na reação mais aguda, a anafilaxia, que pode levar à morte.
GENÉTICA Cientistas concluíram que até 8 mil anos atrás as vacas produziam somente o leite A2. Uma mutação genética nos bovinos levou ao surgimento de animais com o gene para a produção do leite A1. Essa característica é mais comum nas raças de origem europeia (subespécie Taurus). As raças Holandesa e Pardo-suíça têm 50% de chances de produzir leite A2. Na raça Jersey, esse índice é maior: 75%. Da subespécie Taurus, apenas a raça Guernsey, pouco comum no Brasil, tem 100% dos seus indivíduos capazes de produzir leite A2.
Para o também pesquisador da Embrapa João Cláudio do Carmo Panetto, essa informação, disponibilizada nos sumários dos touros gir leiteiro e girolando, vai facilitar o processo de melhoramento genético do rebanho, caso o produtor queira produzir leite A2. Mas não bastam as informações a respeito do touro, cujo sêmen será usado na fertilização. As vacas do rebanho devem ser genotipadas, ou seja, é preciso identificar no material genético do indivíduo se o animal é homozigoto (tem os dois alelos) para a produção de leite A2. O ideal é que sejam selecionadas as vacas A2A2, que, inseminadas por um touro A2A2, terão 100% das filhas com os alelos A2A2.
Palavra de especialista
João Cláudio do Carmo Panetto
pesquisador da Embrapa
Panetto explica:
“Se uma vaca tem o genótipo A2A2, é garantido que ela passará para a progênie o alelo A2. Similarmente, uma vaca A1A1 passará o alelo A1. Para uma vaca A1A2, há 50% de chances de passar para a progênie qualquer um dos alelos. A genotipagem da vaca é feita com a coleta de tecido biológico do animal, que pode ser uma amostra de sangue ou de pelo. A amostra é enviada para um laboratório especializado, que apresentará o resultado ao produtor de acordo com o tipo: A1A1, A1A2 e A2A2.
Mais caro que o convencional
Pesquisadores da Embrapa orientam que o processo de seleção pode ser acelerado por meio do descarte de animais A1A1 e A1A2. Devem permanecer no rebanho somente as vacas e bezerros com o genótipo A2A2. A velocidade com a qual o rebanho será convertido para a produção de leite A2 dependerá da estratégia de uso do sêmen de touros A2, do investimento na genotipagem das vacas, das taxas de descarte e da retenção dos bezerros. “Se o criador optar pelo conjunto dessas ações, sem reduzir drasticamente o rebanho, o tempo necessário para que todos os animais da fazenda sejam A2A2 poderá variar de duas a três gerações, cerca de 10 a 15 anos”, diz João Cláudio do Carmo Panetto.
O pecuarista Eduardo Falcão, proprietário da Estância Silvânia, em Caçapava (SP), diz que o litro de leite A2 pode ser vendido na forma de derivados lácteos até quatro vezes mais caro que o leite convencional. A Estância Silvânia é especializada em melhoramento genético da raça Gir Leiteiro, e Eduardo Falcão é o pioneiro da produção e comercialização de leite A2 no Brasil. A produção da Estância Silvânia é de 700 litros de leite por dia, destinados à fabricação de queijos, manteiga e ricota, vendidos no Vale do Paraíba e na cidade de São Paulo. Essa é uma forma de agregar valor ao leite oriundo de rebanhos Gir Leiteiro, cuja característica da raça é ser menos produtiva do que a raça Holandesa ou mesmo a raça sintética Girolando, resultado do cruzamento do Gir Leiteiro com o Holandês.
CERTIFICAÇÃO O mercado internacional aponta para o sucesso do empreendimento. A Nova Zelândia, maior exportadora mundial de leite em pó, produz leite A2 desde 2003. O país registrou comercialmente o nome A2 Milk e certifica laticínios e fazendas que produzem exclusivamente o leite A2. Outro grande exportador, a Austrália, também já ingressou nesse mercado.