Uma das mais devastadoras pragas da agricultura tem sido combatida por tecnologias de manejo e controle. A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), que ataca as lavouras de milho, levou a Embrapa Milho e Sorgo e a Emater de Sete Lagoas e Paraopeba a se debruçarem em estratégias de combate ao inseto nas culturas desse grão.
O propósito da visita, que a reportagem do Estado de Minas acompanhou, foi o de buscar medidas de controle de uma das mais devastadoras pragas da agricultura. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), no início de 2018, apenas 10 dos 54 países africanos ainda não tinham sido atingidos pela praga, principalmente na cultura do milho. Regiões da África Central e do Sul estão no nível máximo de alerta.
“Inseticidas biológicos, Trichograma, baculovirus, Bacillus thuringiensis, milho Bt, uso do extrato de nim e manejo integrado de pragas são formas eficientes de controle da lagarta-do-cartucho, mas é preciso lembrar que se trata de uma praga cosmopolita”, disse o gerente-geral da Embrapa Sete Lagoas, Antônio Álvaro Purcino. “Não existe possibilidade de erradicação. Ela se alastra com muita rapidez e não se concentra apenas nas culturas de milho. Em estágio larval, a lagarta se alimenta de arroz, sorgo, milheto, cana-de-açúcar e algodão.”
Luiz Edson Bruzzi de Andrade, técnico local da Embrapa Paraopeba, acompanhou os visitantes e durante visita à Fazenda Manga Grande, em Paraopeba, disse que o uso de agrotóxico necessariamente não é a única alternativa de combate à praga. “O Brasil dispõe de tecnologia e uma delas por controle biológico. As vespas criadas em laboratórios são espalhadas enquanto o milho está novo. Elas atacam diretamente os ovos da lagarta podendo até erradicá-las em uma plantação.” O experimento foi numa área de quatro hectares, sendo 2,5ha de sorgo e 1,5ha de milho.
No continente africano, a praga foi detectada pela primeira vez há apenas três anos, na Costa Oeste. Estimativa da FAO revela que, a cada ano, caso não sejam controladas, as lagartas podem destruir entre oito e 21 milhões de toneladas de milho, que representam perdas entre US$ 2,5 bilhões e US$ 6,5 bilhões para produtores.
Representando o Alto Comissariado da União Africana (UA), que reúne os países do continente, a angolana Josefa Sacko, comissária para agricultura da entidade, relatou que, desde 2016, alguns países apresentaram a incidência da lagarta-do-cartucho. Desde então, tornou-se uma praga que vem devastando e colocando em risco a segurança alimentar do continente. “Estamos muito preocupados. Soubemos que a origem da lagarta vem dessa parte das Américas e que não pode ser erradicada, mas podemos ter um manejo bastante considerável que atenuem seus efeitos.”
De acordo com a comissária, o milho é um dos alimentos-base para os povos africanos, tanto usado no próprio consumo quanto para ração animal, constituindo a cesta básica, ao lado da mandioca e do arroz. “Se perdermos a produção do milho estaremos perdendo a segurança nutricional em nosso continente. A experiência da Embrapa é uma boa lição para o manejo dessa praga. Viemos in loco para observar e para termos subsídios de forma a influenciar nossos governos para continuar com esta cooperação tripartite: UA, Brasil e USAID. Pelo que vimos, a tecnologia do Brasil é sã e não afeta o meio ambiente, além de sustentável para nossos produtores.”
SOBERANIA ALIMENTAR Mahome Valá, diretor nacional de Agricultura e Silvicultura de Moçambique, disse que a visita teve como objetivo entender um pouco mais sobre o controle da praga que tem afetado principalmente alguns países que ainda não dispõem de soberania alimentar. “Os esforços dos produtores, principalmente os pequenos, que plantam entre três e quatro hectares, têm sido em vão. Alguns não conseguem colher sequer duas toneladas nessas áreas de plantio”, afirmou. “O Brasil, que passou por momentos difíceis com essa praga, hoje dispõe de alta tenologia de forma integrada, que envolve o controle biológico, químico e de manejo e cultural. Viemos entender algumas maneiras de procedimento e entendemos aqui que não se trata necessariamente de apenas controle químico, que envolve aspectos de biossegurança, afetando a própria terra, as pessoas e o ambiente”, acrescentou.
Valá ressaltou que a visita tem muita importância para seus pares porque proporcionou também uma visão geral da agricultura brasileira, que chegou ao patamar de maior produtor e exportador de milho e soja do mundo. “Estamos aprendendo com os brasileiros, Moçambique tem alguns ganhos com a parceria que começou com a cooperação iniciada pela política adotada pelo governo brasileiro a partir de 2003. E nesse contexto usufruímos da assistência técnica da Embrapa.”
A iniciativa foi coordenada pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e Agência Brasileira de Cooperação (ABC). A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) é a responsável pelo apoio técnico-científico e a orientação no que diz respeito às tecnologias de manejo da praga.
Estratégias integradas
Principais tecnologias de controle da praga apresentadas durante a visita
» Bacillus thuringiensis
Biopesticida à base da bactéria Bacillus thuringiensis é extremamente eficaz no controle da lagarta-do-cartucho, matando lagartas mais novas de até 0,5cm de comprimento. O uso e posicionamento correto desse produto faz com que a lagarta pare de se alimentar até 12h após a ingestão do biopesticida. Esse agente de controle biológico não causa dano à saúde humana, não contamina rios nem nascentes e nem os produtos a serem consumidos “in natura”. Vários testes de biossegurança foram realizados com essa bactéria e comprovam sua inocuidade aos vertebrados.
» Baculovirus
Primeiro bioinseticida desenvolvido à base de vírus para o controle da praga, o baculovirus tem grande eficácia para controle da lagarta-do-cartucho a campo, em lagartas de até 1cm de comprimento. Os baculovirus são agentes de controle biológico que causam a morte do inseto praga e que não causam danos à saúde dos aplicadores, não matam inimigos naturais das pragas, não contaminam o meio ambiente nem deixam resíduos nos produtos. Testes de biossegurança comprovaram que esses vírus são inofensivos a microrganismos, plantas, vertebrados e outros invertebrados que não sejam insetos.
» Uso do extrato aquoso de folhas de nim
O controle da lagarta-do-cartucho tem sido realizado com inseticidas sintéticos, geralmente de custo elevado, com alto risco de toxidade e de contaminação ambiental. O uso de extratos de plantas apresenta perspectiva como substituto a esses inseticidas e pode contribuir para reduzir os custos de produção das lavouras, os riscos ambientais e a dependência dos inseticidas sintéticos. A planta do nim tem mostrado acentuada atividade inseticida para várias espécies de pragas, incluindo a Spodoptera frugiperda. A maioria dos resultados sobre o uso do nim para o controle de pragas foi obtida com produtos preparados por meio da moagem ou da extração de óleo de sementes. A planta do nim é originária da Ásia e tem sido cultivada em vários países das Américas, África e na Áustrália.
» Trichogramma
O grande problema na agricultura hoje é o aumento dos custos de produção pelo aumento do número de pulverizações. A tecnologia do controle biológico permite reduzir custos sem haver redução na eficiência do controle. Especificamente na área do produtor, o sucesso do controle biológico pode ser atribuído pelo uso correto do monitoramento da mariposa que origina a lagarta-do-cartucho com a armadilha contendo o feromônio sintético. A captura de mariposas na armadilha indica a chegada da praga na área e possibilita ao produtor a liberação da vespinha. O Trichogramma, também conhecido como vespinha, é um inseto benéfico muito pequeno, mas de grande eficiência para controlar os ovos das pragas. Ou seja, a vespinha impede o nascimento das lagartas e evita danos à planta. Essa vespinha benéfica também tem a vantagem de conseguir detectar, no campo, onde o ovo da praga está.
» Manejo Integrado de Pragas (MIP)
A adoção do Manejo Integrado de Pragas é uma filosofia na qual se preconiza a convivência com o inseto-praga de forma que ele não cause danos econômicos à cultura relacionada. Para essa convivência e manejo é necessário obedecer alguns preceitos básicos, como reconhecimento e monitoramento da praga em condições de campo. Assim, é possível tomar a decisão adequada frente às diferentes estratégias disponíveis para o manejo de S. frugiperda.