Histórias de vida e as experiências de trabalho nos cafezais de Minas Gerais são assunto prioritário dos encontros mensais de pelo menos 50 mulheres de oito cidades num dos circuitos mais reconhecidos de produção da bebida, o entorno da Serra da Mantiqueira.
À frente do grupo, Simone Carneiro de Morais alinhavou os desejos e as necessidades de cada uma delas para melhorar a qualidade da lavoura e de seus frutos, junto das fundadoras da Associação de Mulheres Empreendedoras do Café da Mantiqueira, a Amecafé. O nome é sugestivo do sentimento lembrado por boa parte delas para definir o que as diferencia dos homens envolvidos na cultura.
Sem pieguismo, o amor pela plantação e o tratamento dos grãos do terreiro à comercialização resumem características que elas definem como particularmente femininas: “A mulher é muito dedicada ao trabalho, principalmente no que se refere aos cuidados com a higiene. É mais observadora e rígida quanto aos critérios de qualidade e tem capricho especial com a produção”, afirma Simone Morais, que já teve amostras premiadas em concurso. Aos 60 anos, ela dedicou os últimos 20 anos ao comando das propriedades cafeeiras herdadas do pai – as fazendas Santa Quitéria, em Cambuquira; e Taquaral, em Três Corações –, e que, desde a adolescência, fizeram parte da rotina dela.
Nos municípios de Cabo Verde e Muzambinho, no Sul de Minas, Jane Muniz divide o tempo entre as fazendas Santa Tereza e Nossa Senhora Aparecida, que o avô, José Costa Muniz, entregou ao pai dela, João Paulo, e que chegaram à 58ª colheita de café, sem perder a tradição familiar.
“Hoje em dia, a mulher tem o direito de tomar decisões por toda a família, trabalha na colheita, plantio e terreiro. Tem uma visão ampla, um cuidado diferenciado e amor por aquilo que está fazendo”, diz. A cafeicultora foi selecionada pelo Grupo 3Corações, maior produtor no Brasil de café torrado e moído, como fornecedora de uma edição especial de café patrocinado pela marca neste ano.
Principal estado produtor do Brasil, Minas Gerais detém cerca de 70% da área plantada com os grãos dos tipos arábica e conilon. Os dados mais recentes levantados pelo governo estadual indicam 1,033 milhão de hectares plantados e a produção está estimada em 30,6 milhões de sacas, com produtividade de 30 sacas por hectare ao ano. As plantações de café cresceram 5,4% em extensão frente ao resultado do ano passado, a estimativa da produção supera em 25,3% os números de 2017 e a produtividade das lavoruas aumentou 18,9%.
O valor da cultura no estado alcança R$ 14,020 bilhões, com base no levantamento mais recente, de 2016. De acordo com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), durante o processo de produção e comercialização, o café dá emprego temporário a 800 mil pessoas e outros 3 milhões vivem da cultura de forma direta e indireta. Não se sabe ao certo a força do trabalho feminino nas lavouras, nem mesmo no agronegócio.
Cerrado mineiro
Pesquisas feitas por uma série de especialistas do setor que compõem a publicação Mulheres dos cafés no Brasil, organizada pela Aliança Internacional das Mulheres do Café – Seção Brasil e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), dão pistas da importância do pulso masculino na lavoura. Tomando-se o cerrado mineiro como exemplo, a cultura do café envolveria maior participação de mulheres em relação às demais lavouras.
Tendo como referência a percepção das próprias trabalhadoras rurais entrevistadas, os pesquisadores sugerem que as taxas de participação feminina alcançam 50% entre mulheres que atuam na produção cafeeira estimuladas por laços de parentesco com o dirigente da propriedade e 95% quando a ligação de parentesco não existe.
As histórias se dividem entre mulheres que começaram a trabalhar nas fazendas de café por influência da família, em especial de pais e maridos, e aquelas que buscaram tornar realidade o sonho de trabalhar com o grão. Estas últimas se sentiram também atraídas pelas condições financeiras favoráveis oferecidas pelo setor e, por isso mesmo, decidiram encarar um mundo masculino por excelência.
Reconhecimento
A boa notícia dos novos tempos, para a cafeicultora Jane Muniz está no fato de as mulheres terem vencido a resistência ao seu comando no agronegócio. “Minha avaliação hoje sobre a inserção da mulher no café e no agronegócio é de que temos uma inserção completa. Antes, durante e depois da porteira, a mulher cuida dos arranjos produtivos, da gestão da propriedade, da base produtiva do negócio como um todo”, afirma. O lançamento do Projeto Florada, desenvolvido pelo Grupo 3Corações como reconhecimento ao trabalho das mulheres cafeicultoras, na avaliação de Jane é como o encerramento de “um ciclo machista” e expõe a “visão aguçada que nós, mulheres, temos.”
Simone Morais, da Amecafé, associação criada há apenas um ano, tem percepção semelhante de que as mulheres precisavam, além da renda pelo trabalho nos cafezais, de visibilidade na produção e comercialização do produto.
O grupo vinculado à associação ganhou corpo à medida que buscou intenso treinamento por meio de parcerias firmadas com instituições a exemplo da Emater-MG, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e empresas como o grupo Montesanto Tavares, holding de empresas produtoras e exportadoras de café, da qual fazem parte Atlantica Coffee, Cafebras e Ally Coffee.
Certificação
“Sinto que a mulher está sendo valorizada e que o trabalho dela desponta”, observa Simone Morais. O grupo que formou a Amecafé integra catadeiras de café, meeiras e proprietárias de médias e grandes propriedades cafeeiras. Elas atuam em áreas dos municípios de Campanha, Cambuquira, Conceição do Rio Verde, Lambari, Heliodora, Pedralva e Jesuânia. O trabalho feminino, assegura a cafeicultora, faz a diferença sobretudo na fase do pós-colheita e em todo o procedimento destinado à certificação das propriedades.