Depois de perder mercado para as técnicas da transgenia em todo o país, a soja convencional volta a ocupar mais espaço nas lavouras. A expectativa para este ano é de que a área de plantio cresça entre 2% e 4% seguindo, principalmente, a demanda do mercado internacional, já que a Europa não abre mão dos produtos que não são geneticamente modificados.
De acordo com Divânia, a falta de rotatividade na cultura e a utilização por muito tempo da mesma cultivar de soja pelos agricultores provocaram o surgimento de plantas resistentes a herbicidas utilizados nas plantações transgênicas, obrigando o produtor a acrescentar outros defensivos. De outro lado, esse cenário promoveu o aumento do custo da produção, situação casada com a elevação da demanda do grão por países europeus, que são resistentes às sementes geneticamente modificadas.
A pesquisadora aponta dois momentos marcantes na cultura de soja no Brasil: até 2003, quando só haviam cultivares livres de transgênicos, e a partir de 2005, época da autorização do plantio comercial, provocando grande migração dos produtores de soja convencional para o grão geneticamente modificado. No sistema convencional as plantações têm uma população de plantas invasoras, divididas em dois grupos: folhas largas e estreitas.
O combate a essas ervas daninhas exige alta quantidade de aplicação de defensivos agrícolas. Ao ser liberada a comercialização da soja transgênica (modificada com gene de uma bactéria), um único defensivo era aplicado: o glifosato -N-(fosfonometil)glicina (o RR), que controlava de forma eficaz as invasoras da plantação. Esse produto, segundo a pesquisadora, se aplicado na agricultura convencional mataria também a sojicultura.
“Num segundo momento, em 2013, foi lançada a soja intacta, Ipro, (BT) também transgênica com tolerância ao glifosato e resistente aos inseticidas de combate às lagartas que atacam a soja. Essa planta tem uma toxina que infecta a lagarta que morre ao se alimentar da soja”. A resistência de ervas e insetos a esses defensivos obriga o produtor a acrescentar outros produtos, encarecendo a produção.
TECNOLOGIA
Isso, segundo Divânia, provocou nova onda de procura de cultivares free (livres de transgênicos), com o ganho para o produtor de não precisar pagar o royalty (compensação financeira) a quem obteve o material protegido. Os detentores de patentes têm o direito ao recebimento de taxas tecnológicas por 20 anos após o produto entrar no mercado. Com a demanda aquecida, algumas empresas compradoras pagam bonificações pelo grão convencional, o “que é ainda mais positivo para o produtor”.
Divânia alerta que essas demandas sobre diferentes cultivares atendem uma lógica de mercado. “Há quatro anos, houve uma volta expressiva à soja convencional. Quando a oferta é grande os compradores diminuem a margem de lucro”. Por isso, recomenda, é bom que o produtor converse com o comprador antes de optar pela espécie a ser plantada.
CONTAMINAÇÃO
Ao migrar para a soja tradicional é preciso também tomar alguns cuidados, além da questão de comercialização. No momento do plantio, é necessário que o produtor limpe plantadeiras, colhedeiras e caminhões de transporte do grão, para que não haja contaminação com a soja transgênica. Atentos a essa nova demanda, pesquisadores da Embrapa, da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (Epamig) e Fundação Triângulo desenvolveram cultivar que está sendo multiplicada para entrar no mercado em 2019. A soja, que ainda está em código, é precoce, tem ciclo de 110 dias, crescimento indeterminado e com potencial de rendimento para ultrapassar 100 sacas por hectare.
Variedade atravessa fronteiras
Na opinião do pesquisador Neylson Eustáquio Arantes, consultor da Fundação Triângulo, “será uma importante contribuição para o agronegócio brasileiro (a cultivar desenvolvida com a Empraba e a Epamig)”. Segundo ele, “trata-se de uma soja convencional com rendimento de grãos no mesmo patamar das melhores variedades transgênicas”. O pesquisador comenta que a parceria deu grande contribuição ao setor agrícola, especialmente pelos avanços obtidos no melhoramento genético da soja convencional.
“Esses avanços serviram de base para inserção dos novos genes que resultaram nas variedades transgênicas”, salienta Neylson Arantes. A soja ‘Conquista’ é fruto de uma seleção feita no Campo Experimental Getúlio Vargas, sede da Epamig Oeste em Uberaba, no Triângulo Mineiro.
A cultivar foi lançada em 1995 e continua em cultivo até hoje. São 23 anos de mercado, contrariando os dados estatísticos que mostram vida útil das variedades de soja, atualmente na faixa de 5 anos. “Em nenhum lugar do mundo uma variedade de soja atingiu área tão extensa como a ‘Conquista’ ocupou no Brasil”, afirma o pesquisador.
DOADORA
Ela se tornou referência em genética para os pesquisadores devido a sua produtividade e resistência a doenças. De acordo com Arantes, “a contribuição desta variedade não foi apenas pelo impacto que teve para aumento da produtividade das lavouras, mas também como doadora de genes que, hoje, estão em muitas variedades de sucesso”. A ‘Conquista’ foi cultivada de Norte a Sul do país e também rompeu fronteiras com lavouras implantadas na África, América do Sul e Cuba.
Há mais de uma década, a soja ‘Conquista’ vem servindo de matéria-prima para produção de um suco de soja vastamente consumido no Brasil. As sementes, produzidas principalmente no Alto Paranaíba, são utilizadas por sojicultores do Sul de Minas, que abastecem a indústria localizada na mesma região.
Na opinião da pesquisadora da Epamig, Ana Cristina Pinto Juhász, que desenvolve estudos sobre soja para alimentação humana, a indústria adotou a soja ‘Conquista’ e não pensa em trocá-la nem por uma variedade desenvolvida para alimentação humana, porque além de já ter desenvolvido toda a tecnologia do produto, o seu consumidor está adaptado ao sabor do suco feito com a cultivar. “Se a indústria trocar a cultivar, o sabor será alterado e o consumidor pode rejeitar o produto”, ressalta.