De acordo com a coordenadora da assessoria de meio ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), Ana Paula Bicalho de Mello, uma força-tarefa foi criada em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) para solucionar os impactos dos ataques dos javalis e javaporcos. Eles já são vistos no meio urbano e cada vez em maior número.
“No fim dos anos 90 era comum encontrarmos famílias com cinco, 10 animais, e agora nos deparamos com bandos de até 50 javalis e mesmo nos locais onde não aparecem, há vestígios crescentes”, destaca o engenheiro ambiental do Sindicato dos Produtores Rurais de Sacramento, Reinaldo dos Santos Rezende. Ele coletou diversos relatos de produtores rurais sobre danos às propriedades e à criação nas fazendas.
Segundo Reinaldo Rezende, na esperança de salvar as lavouras, muitos ruralistas de Sacramento, no Alto Paranaíba, substituíram a cultura do milho pela do sorgo. “Mas eles comem de tudo e mudaram o cardápio. Há associados do sindicato que aproveitaram apenas 10% do plantio de sorgo em suas propriedades”. As instituições de meio ambiente e agronegócio têm intensificado o trabalho, tanto no que se refere à pesquisa sobre a portabilidade e transmissão de patologias, quanto o comportamento e as opções de controle dos javalis.
Contudo, faltam ainda muitos dados a respeito desses fatores, o que é preocupante do corte de verbas para a pesquisa e os setores ligados à preservação do meio ambiente, como alerta Lia Treptow Coswig, chefe da divisão de sanidade suídea (referente à espécie de porcos selvagens) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Os cortes de recursos nas áreas de proteção ambiental têm diminuído o número de funcionários, o que interfere nas pesquisas tanto nesses setores governamentais quanto nas universidades”.
Não há estimativa de quantos animais estão soltos pelo país. Na ausência de controle populacional efetivo, sem predadores naturais e inverno rigoroso, eles se reproduzem durante todo o ano. A presença de bandos cada vez mais numerosos vêm sendo registrada principalmente nos estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Em Minas, 91 municípios mineiros registraram a presença deles.
Doenças A javalina se torna fértil antes de completar um ano de vida e a gestação dura por volta de três meses, com cada fêmea podendo gerar até 14 filhotes por ninhada. O consumo da carne do javali não é recomendado, uma vez que ela não é inspecionada pelos órgãos de controle de saúde animal. A venda e o transporte do animal morto também são proibidos. O javali pode ser portador e transmissor de doenças para outros suínos (tuberculose, brucelose, leptospirose), bovinos (brucelose e tuberculose) e também para o homem. Ele também pode ser veiculador de febre aftosa, como o Mapa adverte.
Esses animais se alimentam de quase tudo, atacam plantações de milho, trigo, sorgo, gostam de araucária e são predadores de ovelhas e bezerros, além de pequenos roedores e filhotes de outros animais e aves. Têm causado prejuízos em áreas de proteção ambiental, onde destroem nascentes, uma vez que é hábito da espécie pisotear as nascentes para formar barro onde se deitam, e acabam por enterrá-las e chafurdam terrenos em busca de raízes e tubérculos.
OS PROBLEMAS
Ação do javaporco nas fazendas
» Destrói lavouras;
» Riscos como reservatório e transmissor de muitas doenças (Leptospirose e Febre Aftosa);
» Fuça a vegetação nativa;
» Dispersa ervas daninhas;
» Desregula processos ecológicos (sucessão vegetal e composição de espécies);
» Predador (juvenis de tartarugas terrestres, tartarugas marinhas, aves marinhas e répteis endêmicos).
» Para impactos só de ordem ambiental, uma revisão global listou 27 tipos de efeitos da ação do animal
Fonte: Plano Nacional de Prevenção, controle e monitoramento do javali
ONDE ELES APARECERAM
Municípios mineiros com registro de maior incidência da presença de javali
» Água Comprida; Alterosa; Alto Caparaó; Araxá; Bom Despacho; Bom Sucesso; Botelhos; Brasilândia de Minas; Brumadinho; Buritis; Cachoeira Dourada; Caiana; Caldas; Cambuí; Campestre; Campina Verde; Canápolis; Caparaó; Capelinha; Capim Branco; Capinópolis; Capitólio; Carangola; Carmo do Paranaíba; Carmo do Rio Claro; Carneirinho; Centralina; Conceição das Pedras; Conquista; Coromandel; Divino; Doresópolis; Esmeraldas; Espera Feliz; Estrela do Sul; Extrema; Faria Lemos; Fortuna de Minas; Ibiá; Iguatama; Ijaci; Indianópolis; Itamarandiba; Itamonte; Ituiutaba; Iturama; Jacutinga; Janaúba; Jequitibá; João Pinheiro; Lavras; Liberdade; Limeira do Oeste; Machado; Madre de Deus de Minas; Manhuaçu; Manhumirim; Maravilhas; Minduri; Monte Alegre de Minas; Monte Carmelo; Munhoz; Nepomuceno; Onça de Pitangui; Orizânia; Ouro Fino; Papagaios; Pará de Minas; Passos; Patrocínio; Pedra Dourada; Pedro Leopoldo; Perdizes; Perdões; Piedade do Rio Grande; Piranguçu; Piumhi; Poços de Caldas; Prata; Ribeirão Vermelho; Rio Manso; Rio Paranaíba; Sacramento; Santa Juliana; Santa Rita de Caldas; Santo Antônio do Monte; São Francisco de Sales; São João del Rei; São Roque de Minas; São Vicente de Minas; Serrania; Sete Lagoas; Tapira; Tiros; Taiúva; Tombos; Tupaciguara; Uberaba; Uberlândia; Unaí; Varjão de Minas
Fonte: Plano Nacional de Prevenção, controle e monitoramento do javali (publicado em 2017)
Caça e trato difícil nas fazendas
Estudos que levaram à criação do Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali, desenvolvido pelos ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, concluído em 2017, indicam que impactos socioeconômicos tiveram amplitude menor do que aqueles ambientais e “muito provavelmente dependentes do uso e aptidão agrícola regional”. O impacto mais comum ocorreu em lavoura de milho.
Ataque em cultura de milho é também um potencial problema social, apontam os estudos, porque pode danificar proporcionalmente mais áreas em lavouras pequenas, de agricultores familiares, que podem perder até 100% de suas plantações. Há registros de ataque de javalis em floresta com Araucária, no Sul do Brasil, e perdas significativas na ovinocultura por predação de cordeiros.
O Plano descreve a chegada desses animais, originários da Europa e Ásia, ao continente sul-americano. De acordo com Lia Coswig, do Mapa, nos anos 90, houve grande difusão em território nacional de informações sobre a qualidade da carne do animal e de uma suposta facilidade da criação do javali e retorno econômico positivo, comparado ao do porco doméstico.
“Eles são bem diferentes dos suínos; são mais agressivos, não dá para criar nas mesmas condições e instalações dos porcos domésticos e então as pessoas viram que era um animal de trato mais difícil e começaram a soltura por não ter como mantê-lo presos” explica a chefe da unidade do Mapa. Alguns javalis foram capados e outros escaparam.
A disseminação além da fronteira sul se deu também por meio de pessoas que passaram a levar o bicho para as regiões centro-oeste e sudeste, com o objetivo de caça (até então proibida pela legislação brasileira) promovendo descontrole sobre essa população. “Quase não temos mais javalis puros, os animais são resultado de cruzamento com o porco, são os suídios asselvajados (javaporco)”, pontua Lia, que reconhece que o controle não tem sido efetivo.
Em 1998, o Ibama (Portaria 102/98) proibiu a implantação de criadouros de javalis no Brasil estabelecendo o prazo de 180 dias para que os já instalados regularizassem sua situação no órgão. Em 2008, uma instrução normativa (IN 169/2008) estabeleceu prazo de três anos (até 20/02/2011) para os criadouros encerrarem suas atividades. Esse prazo foi prorrogado (IN nº 07/2010) até 1º de março de 2013. Assim, todos os criadouros já deveriam estar fechados. Porém, ainda existem alguns em funcionamento devido a decisões judiciais.