Mais de 230 mil casos de infecção por campylobacter, uma bactéria comum na carne de frango, foram registrados em 2015 na Europa, segundo levantamento do European Centre for Disease Prevention and Control. No Brasil, porém, a presença dessa bactéria é subnotificada. É o que indicam os estudos desenvolvidos na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Para investigar a presença ou não deste microrganismo no frango nacional, a bióloga e veterinária Roberta Torres de Melo desenvolveu a tese de doutorado “Emergência de campylobacter jejuni no setor avícola e na saúde pública do Brasil”, orientada pela professora Daise Aparecida Rossi, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias.
As pesquisadoras analisaram as amostras da campylobacter colhidas em uma empresa exportadora, que a cada ano foi se tornando mais agressiva e resistente a desinfetantes e antibióticos. O consumo de alimentos contaminados por campylobacter pode ocasionar gastroenterite, inflamação no estômago que provoca diarreia, febre e cólicas abdominais. Esse microrganismo também está relacionado à síndrome de Guillain-Barré, doença autoimune que atinge o sistema nervoso.
Para o consumidor, a melhor forma de prevenir a contaminação é cozinhando bem a carne de frango, pois a bactéria não resiste às altas temperaturas. Mas, segundo Melo, a falta de controle da campylobacter nas empresas nacionais pode comprometer a nossa exportação de frango – que corresponde à maior fatia, 40%, do mercado mundial. “Os países que importam a nossa carne vão exigir a análise desse microrganismo nesses produtos, principalmente na carne de frango que é o maior problema”, afirma a bióloga e veterinária.
"Elas (as campylobacters) se juntam como se fosse uma comunidade e se organizam para dividir funções para se tornar mais fortes no ambiente"
Roberta Torres de Melo, bióloga e veterinária
A subnotificação da campylobacter no Brasil, segundo as pesquisadoras da UFU, está relacionada à dificuldade de se isolar e processar essa bactéria. Foi por isso que, em 2005, a veterinária e então mestranda Belchiolina Beatriz Fonseca, que hoje é professora da UFU, foi para o Chile estudar o aperfeiçoamento em diagnóstico de campylobacter e trouxe as informações para a Faculdade de Medicina Veterinária.
Roberta Torres de Melo explica a metodologia usado no estudo: “Avaliei a capacidade da bactéria formar biofilme, um aglomerado de bactérias. Elas se juntam como se fosse uma comunidade e se organizam para dividir funções para se tornar mais fortes no ambiente. As que ficam mais na superfície do biofilme são responsáveis por capturar nutrientes. As que ficam ali no meio estão mais protegidas de qualquer ação”.
Controle
A pesquisadora constatou que a carne de frango é um ambiente propício para a proliferação de campylobacter. “No laboratório eu forneci todas as condições que ela poderia ter no frigorífico: temperatura de refrigeração, pois o frigorífico é um ambiente mais frio, e coloquei como nutriente para ela crescer aquele sumo do frango (chicken juice). Quando a gente compra carne de frango e corta o plástico, sai aquele sangue com água. E o que a gente observou? Que ela forma muito mais biofilme quando está nessa condição do que quando se utiliza meios de cultura que a gente compra para ela poder crescer”, explica.
Segundo o estudo, 95% das bactérias presentes na carne de frango estão organizadas como biofilme. O problema é que, dessa forma, é quase impossível eliminar a campylobacter. Melo testou diferentes tipos de desinfetantes – hipoclorito de sódio, clorexidina, ácido peracético e até nanopartículas de óxido de zinco, que penetram as bactérias e impedem seu metabolismo -, em concentrações utilizadas na indústria, e observou que eles são eficazes contra a Campylobacter na forma livre, sozinha, masm não combatem as bactérias configuradas como biofilme.
Dando sequência à pesquisa, Melo, que integra o grupo de pesquisa Epidemiologia de Bactérias Zoonóticas, coordenado pela professora Daise Rossi, pretende testar na indústria doses maiores de agentes desinfetantes para tentar controlar a campylobacter. No momento, a pesquisadora está analisando, na Universidade de Uberaba (Uniube), onde é professora, a ação de antibióticos, que podem ser utilizados para tratamento em caso de contaminação humana. O estudo recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e foi publicado na revista Frontiers in Microbiology.
Ministério faz apelo para preparo correto
Diante do alerta feito pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que a vigilância sanitária dos produtos é da é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Mapa tem o Serviço de Inspeção Federal que atua nos abatedouros frigoríficos. Em nota, o ministério diz que “a bactéria campylobacter spp. está entre as principais causas de gastroenterites em países desenvolvidos. A manipulação, o preparo e o consumo de carne de frango insuficientemente cozida são apontados como responsáveis por 20% a 30% dos casos de campilobacteriose humana”.
O Ministério da Agricultura alerta que campilobacteriose provoca diarreia, sobretudo nas crianças, acompanhada por dores abdominais e febre, com período sintomático de 3 a 5 dias. Podem ocorrer complicações associadas, como a Síndrome de Guillain-Barré, artrite reativa, Síndrome do Intestino Irritável. “As recomendações importantes para o consumidor são aplicar regras de higiene como: cozinhar bem a carne de aves, sempre que existir manipulação de carne fresca de aves lavar convenientemente as mãos, utilizar tábuas de corte específicas para alimentos de origem animal e lavar todos os utensílios e superfícies usados na preparação dos alimentos”, diz o ministério na nota divulgada à imprensa.
Dados na literatura apontam a prevalência de campylobacter em carcaças de frango nos Estados Unidos de 21,7% em 2012, no Canadá de 27,4% em 2013 e na União Europeia (UE) de 75,8% em 2008. Seguindo essa tendência mundial, “o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Mapa (Dipoa) iniciou em 2017 o programa exploratório para a pesquisa e estimativa de prevalência de campylobacter spp. em carcaças de frangos abatidos em estabelecimentos registrados junto ao Serviço de Inspeção Federal (SIF) localizados nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Norma Interna Dipoa/SDA Nº 03, de 12 de junho de 2017)”.
Esses estados, segundo o Mapa, são responsáveis por cerca de 64% do total de frangos abatidos no Brasil. As amostras foram coletadas pelo Serviço de Inspeção Federal e analisadas no Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro/RS). As coletas de amostras do programa exploratório foram concluídas em julho de 2018 e a análise dos dados está sendo finalizada pelo DIPOA, possibilitando direcionar as ações para o monitoramento e controle da doença país. “Os estabelecimentos sob SIF também atendem os requisitos para exportação de carne de frango impostos pelos países mais exigentes como a UE, inclusive em relação às análises laboratoriais para campylobacter spp”, afirma o ministério em nota, descartando riscos para as exportações brasileiras de frango.