O queijo do Serro, uma das regiões reconhecidas pela produção do queijo minas artesanal de leite cru, ganhou, na pesquisa tecnológica, novo aliado que promete impulsionar o consumo da iguaria. Pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) identificaram uma espécie de ácaro queijeiro na cidade histórica da Região Central de Minas Gerais, que confere textura e sabor diferenciados ao queijo do Serro maturado com ácaros. A pesquisa foi publicada no mês passado na revista americana Journal of Stored Products Research.
Uma das pesquisadoras da universidade catarinense que integra a equipe responsável pela descoberta, Michelle Carvalho explica que os ácaros têm sido avaliados, na literatura, tanto como auxiliares na tecnologia de fabricação, proporcionando características de sabor e textura e desejáveis para certos tipos de queijo, quanto como um obstáculo que pode afetar a produção. A pesquisa é formada pelo professor e orientador Juliano De Dea Lindner (UFSC) e os pesquisadores André Luís Matioli (Instituto Biológico de São Paulo), Célia Lúcia Ferreira (UFV), Norma Machado (UFSC) e Eugênio E. Oliveira (UFV).
Ela explica que os ácaros identificados nos queijos pesquisados por ela foram o Tyrophagus putrescentiae e o Sancassania aff. feytaudi, este último pela primeira vez identificado em queijos. Michele Carvalho é bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios pela Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), mestre em desenvolvimento rural sustentável pela Unioeste, do Paraná, e doutoranda em ciência dos alimentos pela UFSC.
“Em outros países, especialmente na Europa, existem diversos tipos de queijos maturados com ácaros, muitos conhecidos apenas localmente, sendo o francês Mimolete e o alemão Milbenkäse Würchwitzer os mais famosos”, conta Michele. No trabalho que levou à primeira identificação no mundo do ácaro existente no Serro, inicialmente os pesquisadores caracterizaram o processo tecnológico, e avaliaram as espécies de ácaros presentes em diferentes tipos de queijos das regiões Sul e Sudeste.
A pesquisa ainda está em andamento, com o objetivo averiguar a segurança de consumo e a potencial aptidão tecnológica dos ácaros nos queijos, com intuito de contribuir para a regulamentação dessa produção no Brasil. O ácaro queijeiro, que surge como descoberta marcante para a produção do queijo do Serro, foi descoberto na fazenda do produtor Túlio Madureira, que é presidente da Associação dos Produtores Artesanais do Queijo do Serro.
Na região do município histórico, atuam mais de 800 produtores, que fabricam o tradicional queijo do Serro, utilizando leite cru, coalho, pingo e sal. Segundo Túlio Madureira, foram desenvolvidas por ele através do processo de maturação seis diferentes marcas em aspecto, sabor e funcionalidade. “Aqui, produzimos os queijos do Gir, o Kankrej, o Madureira, o Comarca, o Curupira e o Pedra Redonda. Todos são artesanais e fabricados a partir da receita de 300 anos do queijo artesanal do Serro”.
O produtor explica que o ácaro queijeiro é uma espécie (punilha) presente no ambiente e que quando encontra a casca dos queijos mais maturados se instala, formando colônias. “Ainda estamos estudando a real função desse micro ser, a descoberta do que pode ser uma nova espécie. O estudo deve também apresentar provas sobre a contribuição do ácaro para a agregação de sabores e texturas ao nosso queijo.”
Fungos
Os ácaros existem no ambiente, são naturais, e, de acordo com Madureira, é preciso saber lidar com eles e colocá-los para trabalhar em favor do produtor. Ele conta que o queijo Curupira passa pelo processo de maturação durante pelo menos seis meses na presença dos ácaros. “Ele precisa de um longo período para que a ação dos ácaros faça sua diferença na parte sensorial dos sabores”, destaca. O produtor foi premiado no ano passado em concurso no Brasil e no Mundial de Queijos na França.
A pesquisadora Michelle Carvalho ensina que o ácaro é atraído, inicialmente, pelos fungos dos queijos que são seu alimento principal. Nem todos os tipos de queijos vão atrair os ácaros, pois é preciso condição própria para que ele se desenvolva, tanto relacionada às características do queijo, quanto ao ambiente no qual ele se encontra. “Se ele pode ser utilizado, esta é a pergunta que buscamos responder em nossa pesquisa”, ressalta a Michelle.
Os alemães acreditam que o consumo de queijos com ácaros ajuda no tratamento de doenças respiratórias, como asma e rinite. O ácaro funcionaria, portanto, como uma espécie de vacina. Na Alemanha, a técnica da maturação com ácaros é centenária. Porém, os ácaros alemães fazem parte de outras espécies, que atacam queijo específicos e aparecem em condição climática também específica. “Nossa pesquisa busca responder essa pergunta quanto ao queijo maturado com ácaros produzido no Brasil”, afirma a pesquisadora da UFSC.