A salvação que o pequi, – o fruto símbolo do cerrado –, proporciona aos municípios do sertão não se restringe mais à época da colheita, que vai de novembro a janeiro. Os ganhos distribuídos pela cultura já são observados durante todos os meses do ano, com a entrada em cena de novas formas de beneficiamento, entre elas a produção da polpa, da conserva e da castanha do pequi.
Diante das inovações, a “fartura” do pequizeiro reforçou sua importância como alavanca da economia e do comércio dos pequenos municípios do Norte de Minas Gerais, ajudando as famílias no enfrentamento do período crucial da seca. A atividade também passou a contar com um aliado, o sistema de microcrédito.
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Formada por 60 pequenos produtores ligados ao extrativismo, a Cooperuaçu beneficia diretamente 624 famílias de 12 comunidades que vivem da agricultura familiar. Beneficia e comercializa vários produtos extrativistas do cerrado, tendo como carro-chefe o pequi, responsável por cerca de 80% dos negócios. Neste ano, a cooperativa deverá comercializar duas toneladas de pequi, “praticamente tudo fora da safra”, informa Sirqueira.
“Ter a possibilidade de disponibilidade do pequi o ano todo significa segurança e soberania alimentar”, destaca o coordenador técnico da Cooperuaçu. O fato de os clientes poderem escolher o dia e hora de consumir o “ouro do cerrado”, independentemente da época do ano, proporciona ao extrativista fonte constante de renda, inclusive com melhores preços, como destaca Joel Sirqueira.
A polpa de pequi em conserva é o principal produto oferecido pelos cooperados, que disponibilizam também a polpa de pequi congelada, farofa e óleo; doce em barra e castanha in natura e cristalizada.
A Cooperuaçu também impulsionou os seus negócios com a busca da exportação, fazendo o gosto do pequi chegar ao outro lado do mundo. No ano passado, em parceria com a Organização Não-Governamental (ONG) Central do Cerrado, vendeu 9 toneladas de pequi em conserva para o Japão. Nova remessa do produto está sendo negociada neste ano. A entidade comercializou, ainda, o creme de pequi e a castanha para a Itália.
Tesoureira da Cooperuaçu, a agricultora Eva Aparecida Santos Mota, de 37 anos, ressalta que a “perenização” da comercialização do pequi e derivados do fruto o ano inteiro mudou completamente a renda das famílias da região.
“Antes, a gente só poderia usufruir do pequi durante a safra. Depois, não tinha mais renda. A vida era muito difícil. O pessoal ficava muito na dependência dos atravessadores e depois da safra não tinha mais renda.
“Aprendemos a aproveitar o pequi, a sobreviver do cerrado e a enfrentar a seca”, diz a agricultora. Ela destaca a importância da produção de derivados do fruto nativo, já aproveitado até na fabricação de sabão. Alguns anos atrás, quando não existia nenhuma técnica para obtenção dos derivados do produto, grandes quantidades de pequi eram perdidas no meio do mato. Na comunidade rural do Onça, no município de Januária, onde a agricutora trabalha, 21 famílias têm o seu sustento retirado do extrativismo.
Poupança
A salvação por meio do pequi durante o ano inteiro também é verificada em Japonvar, outro município do Norte de Minas, com 8,6 mil habitantes. Fernando Cardoso de Oliveira, técnico do escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), afirma que a comercialização do pequi em conserva e a produção de polpa e outros derivados viabilizaram uma espécie de “poupança” para a garantir a sobrevivência dos pequenos produtores fora do período de safra do fruto.
No pico da safra, devido à lei da oferta e da procura, o preço do pequi na região cai muito – no final de 2018, a caixa de 30 quilos, antes vendida a R$ 10, chegou a ser vendida no município por valores entre R$ 3 e R$ 5. “Desta forma, a época da safra acaba sendo propícia para o catador de pequi fazer polpa, extrair o óleo e guardar estoques para os outros meses do ano. Esse armazenamento, essa poupança, vamos dizer assim, faz com que o agricultor extrativista continue tendo renda durante o ano todo para se manter”, afirma.
Oliveira estima que, atualmente, em torno de 2 mil a 2,5 mil moradores de Japonvar apuram renda do pequi na “pós-colheita” do fruto.
Empréstimo é facilitado nas cozinhas
O beneficiamento e a comercialização do pequi fora do período de safra são fomentados pelos financiamentos do sistema de microcrédito. No município produtor de pequi, existem 700 pessoas atendidas pelo sistema de pequenos financiamentos facilitados, que lançaram R$ 3,095 milhões na economia local em 2018. A “mãozinha” do programa ajuda agricultores extrativistas como Maria dos Anjos Ferreira da Silva, a “dona Nenem”, de 40 anos, moradora de Japonvar.
Dona Nenem conseguiu empréstimo de R$ 5 mil do microcrédito, usados na conclusão de uma unidade de beneficiamento do na comunidade de Cabeceiras, onde mora, a três quilômetros da sede urbana. “O dinheiro me ajudou muito. Antes, eu trabalhava com o pequi debaixo de uma árvore. Agora, temos um galpão e um fogão industrial para preparar a polpa de pequi”, conta a produtora.
Na safra 2018/2019, Maria dos Anjos produziu 4 mil quilos de pequi em caroço e 500 quilos de polpa. Atualmente, ela trabalha com a produção da castanha de pequi. A pretensão é ofertar 200 quilos de castanha de pequi, mas a meta já foi superada, alcançando mais de 300 quilos.
A produtora conta que trabalha com o microcrédito há nove anos. “Na primeira vez peguei R$ 500 para comprar quatro porcos”, disse dona Nenem, acrescentando que engordados, após um ano, os quatro suínos foram vendidos a R$ 2 mil.
Outra agricultora extrativista que recorreu ao microcrédito para incrementar o beneficiamento do pequi e elevar a renda durante todos os meses do ano foi Vicentina Bispo de Almeida, a “Tina”, de 62, moradora de Januária, também no Norte do estado. Ela fez um empréstimo de R$ 1,5 mil no fim de 2018, usados para compra de insumos, principalmente, e de embalagens.
Os derivados decretam fim às perdas do mato
Como bem definiu o escritor Euclides da Cunha, embora seja “antes de tudo, um forte”, o sertanejo precisa de uma ajudinha para não evitar deixar o seu local de origem e superar a falta d água e a baixa ou a ausência da produção no período crucial da estiagem. No Norte de Minas, ele se estende de abril a outubro. Por isso, a renda gerada pelo pequi fora dos meses da colheita da espécie nativa do cerrado ganha maior importância ainda nos meses de “seca braba”.
Essa relevância da renda da indústria do pequi no combate aos efeitos da seca é destacada por Fernando Oliveira, da Emater. Ele salienta que Japonvar não tem nenhuma indústria e depende da agricultura. Sem emprego e condições, na prática, de produzir durante o período de estiagem, muitos moradores do município se veem obrigadas a deixar o lugar em busca do sustento no corte de cana-de-açúcar e nas colheitas de café em outras regiões, na construção civil ou em serviços domésticos nos grandes centros urbanos. O beneficiamento do fruto símbolo do cerrado está, portanto, servindo para conter a migração.
“Muitas pessoas não querem deixar o lugar de origem. E permanecem aqui vivendo do pequi mesmo fora da safra, com a venda da polpa, do fruto em conserva, da castanha, do óleo (de pequi) e de outros derivados”, enfatiza Oliveira. O especialista afirma que, de fato, a renda obtida com o processamento e venda de derivados do pequi tem salvado as famílias e garantido movimento no comércio local nos últimos meses, nos quais os efeitos danosos da estiagem prolongada se intensificaram no município.
De acordo com Fernando Oliveira, historicamente, a quantidade de chuvas anual em Japonvar varia de 900 a 1.200 milímetros.