Jornal Estado de Minas

Agricultura urbana melhora a alimentação e a saúde de todos

Idemilson Celestino começou com hortas urbanas há 16 anoscom a família e já comprou sítio, onde produz frutas - Foto: Edésio Costa / EM / D.A. Press

Adotado por grandes metrópoles, com poucos espaços para hortas e com população em crescimento vertiginoso, o movimento de agricultura urbana tem como princípio a possibilidade da produção de alimentos bem próxima do consumidor. Em alguns sistemas, sem uso de agrotóxicos, proporciona produtos frescos, produzidos em áreas públicas, arrendadas ou subaproveitadas, evitando o transporte por longos trechos em veículos poluentes e os fretes que encarecem o preço ao consumidor.

O cultivo de plantas comestíveis, folhosas, medicinais e leguminosas em espaços urbanos ganha cada vez mais adeptos e avança na busca de novos modelos, a fim de contribuir com agricultura sustentável e saudável, além de combater o desperdício.

Ganhou ainda maior notoriedade com a experiência de Cuba, que passou a praticá-la como forma de suprir a escassez de alimento ocasionada pela dissolução da União Soviética, em 1989, que supria a ilha de alimentos que não chegavam de outras partes devido ao embargo norte-americano.


Nova Iorque (EUA) vem investindo nessa modalidade com a meta de produzir em duas décadas alimentos para abastecer grande parte de sua população. Para tanto, usa terrenos abandonados de indústrias falidas e cria fazendas urbanas, com plantações em ambientes controlados, com capacidade de produção em um hectare, a mesma quantidade do que se produz em 320ha no formato da agricultura tradicional.

Em alguns casos, o cultivo é feito em contêineres, nos quais a luz de LED substitui a solar, sistemas de temperatura e irrigação racionais, permitindo que a cidade disponha de verduras e legumes o ano todo, mesmo em períodos de inverno rigoroso, sem necessidade de comprar de outros estados.

Em 2020, os parisienses terão 14 mil metros quadrados disponibilizados para o plantio de mais de 30 espécies. O Porta de Versailles abrigará a maior fazenda urbana suspensa do mundo e espera produzir no primeiro ano cerca de uma tonelada de frutas e vegetais por dia. É parte do plano da cidade de plantar 100 hectares de vegetação até 2020.

No artigo “Hortas Urbanas”, publicado no Informe Agropecuário, em 2016 os engenheiros agrônomos Frank Martins de Oliveira, extensionista da Emater em Sete Lagoas, e Wânia dos Santos Neves, pesquisadora da Epamig em Viçosa, ressaltam o reconhecimento da atividade como fator decisivo na redução da pobreza, por meio de geração de emprego e renda, além de oferecer vantagens à população, por usar espaços ociosos, promover o desenvolvimento local, segurança alimentar, drenagem de águas pluviais em áreas urbanas e fortalecer a organização de horticultores urbanos em cooperativismo e associativismo.
 

PANAPANA

 
O administrador de empresas Bruno Motolli, de 33 anos, se inspirou em projetos de empreendedorismo social em áreas periféricas de BH e da região metropolitana da capital mineira para criar a Panapana (coletivo de borboletas na língua Tupi Guarani), uma startup de agricultura sustentável.

“Ao conhecer o projeto ‘maisfavela’ pensei em criar uma empresa por meio de de um pacto social e a ideia ganhou força quando estudei mais a fundo o movimento mundial de agricultura urbana”.
A empresa saiu do papel ao perceber que “tudo o que comemos costuma deslocar centenas de quilômetros entre onde é produzido e a mesa das famílias.

Além do preço de frete que pode significar a diferença até 35% do preço de um produto, o transporte a longa distância promove perdas significativas, ainda maiores quanto mais perecível a carga. Às vezes, a produção está a 500 metros de um supermercado, mas faz uma viagem que vai da horta ao Ceasa e volta para o estabelecimento ao lado, afirma o empreendedor. A empresa, além de implantar hortas urbanas em parceria com grandes empresas, trabalha com alternativas que podem ser ocasionais ou temporárias. Duas engenheiras agrônomas desenvolvem projetos flexíveis, como as hortas móveis. O plantio se dá em caixotes, que podem ser removidos. 

Trabalho duro é  recompensado

 
Dilma da Conceição Nogueira dos Santos, de 38 anos, trabalha com seus familiares nas hortas do bairro Vapabuçu, em Sete Lagoas. Há três anos os quatro membros da família (ela, marido e duas filhas) encontravam-se desempregados quando foram incluídos no programa.

“Foi um momento de muita dificuldade, mas começamos a plantar para nossa alimentação e para garantir alguma renda”.
A comercialização era feita nas ruas através de um carrinho onde Dilma levava a colheita do dia de porta em porta. Hoje ela repassa a revendedores. “Supermercados e sacolões encomendam a produção antecipada de forma a garantir o produto em suas prateleiras”.

Idemilson Brasilino Celestino, de 35, começou há 16 anos com sua família. Nesse período conseguiu renda suficiente para comprar um sítio onde produz frutas. Comercializa as hortaliças e legumes produzidas através da Associação Setelagoana de Agricultura Familiar. Revende cestas encomendadas semanalmente por clientes. Vende em torno de 60 cestas semanais com frutas de seu sítio e produtos da horta, entre eles beterraba, abóbora, abobrinha, couve flor, repolho, cenoura, cebola e hortaliças, acerola, mamão e cana de açúcar. 

O programa Direto da Horta trabalha com venda de cestas montadas pelos produtores das hortas comunitárias de Sete Lagoas. Os kits são vendidos e entregues na porta de casa na cidade e em Belo Horizonte toda quarta-feira.
São três tamanhos: a pequena com quatro itens, no valor mensal de R$ 80. A média, com seis a R$ 110 e a maior com oito custa R$ 130. São entregues quatro cestas por mês. O cliente escolhe a composição que deve ser metade de folhosas e metade leguminosas. Se quiser pode montar a cesta sem essa proporção, paga 10% a mais no valor e pode compor sua cesta com os produtos que desejar.

Cirlei Santos da Silva é produtora e responsável pela gestão e logística da produção e entrega das cestas. “O nosso projeto é social e atende a mais de 320 produtoras. Para se tornar cliente basta inscrever-se em uma das sete associações da cidade. O pagamento é adiantado e pode ser feito por depósito bancário ou direto ao entregador. Todos os domingos o interessado recebe pelo WhatsApp a relação dos produtos disponíveis. Os produtos são colhidos e entregues todas as quartas-feiras.

Assistência técnica estimula produção


Em Minas Gerais a agricultura urbana é mais evidente em Sete Lagoas, Governador Valadares, Belo Horizonte e Uberaba.
A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) presta assistência técnica e auxilia na organização dos grupos de produtores. Além da agricultura urbana, é feita também a produção periurbana, no perímetro urbano em cinturões verdes como de BH e municípios vizinhos de Sarzedo, Mário Campos, Brumadinho, por exemplo, que fornecem folhosas e legumes para a capital.

No caso de Sete Lagoas, na Região Central do estado, os consumidores compram diretamente no local de produção, mas os produtos também são vendidos em feiras ou abastecem o mercado varejista, como sacolões e supermercados. Georgeton Silveira, coordenador técnico estadual de Olericultura da Emater explica que em Sete Lagoas “há parceria interessante com o poder público municipal e estadual. Espaços sem uso foram concedidos pela prefeitura e pela Cemig (sob linhas de transmissão), e, em contrapartida pela cessão da área, cada produtor faz a doação de um canteiro de hortaliças que é destinado à merenda escolar ou entidades assistenciais”.

A Emater contribui fornecendo orientações técnicas e capacitação aos agricultores. Para participar, o agricultor precisa da Declaração de Aptidão ao Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), um reconhecimento emitido pelo governo federal atestando a condição de agricultor familiar.

Em 1982, segundo Frank Martins de Oliveira, engenheiro agrônomo da Emater, Sete Lagoas deu início ao programa de hortas urbanas com 32 famílias em situação de vulnerabilidade social. A cidade teve “boom” populacional nos anos 1970 quando começaram a se instalar indústrias siderúrgicas em seu território, recebendo inúmeros migrantes em busca de trabalho e renda, muitos sem qualificação de mão de obra para o setor e que acabaram migrando para a agricultura. A prefeitura resolveu criar o programa, em parceria com a Emater, usando áreas disponíveis para evitar também a ocupação irregular.
 

SEM AGROTÓXICOS

 

No caso da produção estabelecida diretamente no espaço urbano, o uso de agrotóxicos não é permitido, portanto é necessário que o produtor se adapte à agroecologia, como agricultura orgânica. As pragas são combatidas por controle biológico e de caldas naturais e os fertilizantes saem da compostagem de resíduos. As mudas são produzidas em estufas no ambiente das hortas e também são comercializadas pelos produtores.

Aroldo José Rocha, engenheiro agrônomo na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turístico, diz que o programa de hortas comunitárias urbanas é destinado a famílias com vulnerabilidade socioeconômica. Aprovada a inscrição, o solicitante aguarda o surgimento de vaga.
São disponibilizadas áreas, em média, de 360 metros quadrados, denominadas quadras. 
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