Com expectativa no aumento para este ano, a produção de azeites no Sul de Minas desponta como uma das tendências do agronegócio no estado. A região da Serra da Mantiqueira concentra 160 produtores em 80 cidades, e a atividade impulsiona a economia local. Mas como a produção ainda é pequena, os fabricantes vendem para restaurantes e empórios, apostando no diferencial da qualidade para competir com o produto importado.
A expectativa dos produtores de azeite em Minas é de que 2020 tenha uma safra maior do que a de 2019, mas não recorde como a de 2018. No ano retrasado, a produção foi de 800 toneladas de azeitonas e 80 mil litros de azeite. Já o ano passado foi de baixa, quando se produziram 20 mil litros do óleo. Segundo o engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Pedro Moura, a florada atrasou enquanto as chuvas se adiantaram, o que prejudicou a polinização e a colheita.
“A gente imagina que o período de florada coincidiu com o de chuvas”, explica. “Esperamos que a safra de 2020 seja maior do que 2019, mas não se sabe se vai superar a de 2018. Deve produzir bem mais que os 20 mil. Mas não se sabe se vai atingir os 80 mil”, diz. A colheita vai de meados de fevereiro até abril.
Para o presidente da Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (Assoolive), Nilton Caetano de Oliveira, é difícil fazer previsões para este ano. Segundo o dirigente, as plantações estão muito irregulares. Com isso, algumas propriedades devem produzir bem, enquanto outras nem tanto. Oliveira acredita que em fevereiro será possível ter informações mais precisas sobre a safra deste ano.
O impacto das fortes chuvas que atingiram Minas Gerais no início deste ano na produção ainda está para ser avaliado pelos produtores da Serra da Mantiqueira. Porém, há a preocupação de que os temporais se estendam até fevereiro, prejudicando o pico da colheita. “Se tiver chuva o mês inteiro pode atrapalhar a colheita. Pode ser que alguns percam a produção”, afirma Pedro Moura. Outro fator que pode afetar a safra deste ano é a possibilidade de chuva de granizo, que pode estragar as plantas.
A região da Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas, é considerada o polo de produção de azeite no estado. Há produtores em São Paulo e no Rio de Janeiro, mas estima-se que 60% da produção se concentre em Minas. Segundo estimativas da Epamig, a região tem 160 produtores de azeite espalhados em 80 cidades. Há 23 agroindústrias instaladas e 60 marcas de azeite mineiro no mercado. A área plantada é de aproximadamente 3 mil hectares, sendo que 20% dessa extensão está em idade produtiva.
Pedro Moura explica que o cultivo das oliveiras prosperou na Mantiqueira devido ao clima da região. “A oliveira é uma planta originária de clima mais frio, temperado. Ela precisa acumular horas de frio durante o inverno para produzir, pra que haja emissão floral. É recomendado um mínimo de 300 horas abaixo de 12 graus centígrados”, explica. Como a serra tem altitude elevada, as baixas temperaturas são constantes, o que é propício para o cultivo das azeitonas. Segundo Moura, o plantio das oliveiras na região se dá em altitudes acima de mil metros.
Cresce o interesse pela produção
A região da Mantiqueira atrai cada vez mais empresários e produtores interessados no cultivo de oliveiras, a chamada olivicultura. É o caso de Rosana Chiavassa, que nasceu em São Paulo mas comprou propriedade em Maria da Fé, no Sul de Minas, para produzir azeite. A fazenda tem 20 hectares de área plantada com oliveiras, e a expectativa de produção para este ano é de 3 mil litros do óleo. Agora, ela deve vender para compradores de Minas e São Paulo.
Para o agrônomo Luís Eugênio Matos, a olivicultura pode ser considerada uma tendência do agronegócio em Minas. Mas ele destaca que quem se interessa pela cultura deve buscar o máximo de informações possível e começar com produção pequena, já que o cultivo no Brasil é muito recente. “Há ainda a necessidade de compreender tecnicamente como essa planta funciona biologicamente na nossa condição climática. Não temos ainda uma norma técnica, um pacote tecnológico claro, definido pra cultura”, argumenta. Matos recomenda que os interessados em produzir azeite devem buscar apoio técnico com engenheiro agrônomo que tenha experiência com a planta.
Uma série de tipos de azeitonas, os chamados cultivares, se adaptaram ao sul de Minas. Uma delas é a Arbequina, de origem espanhola, que resulta em azeite mais suave. Outra é a Koroneiki, grega, que produz um óleo mais picante e mais saudável. Há também a Grapollo, que veio da Itália, que por sua vez serve de ingrediente para um azeite mais frutado. Foi possível criar, com um trabalho de pesquisa, uma variação brasileira da azeitona italiana, chamada de Grapollo 541, também cultivada na região.
A produção de azeites em Minas ainda é pequena, e por isso não tem condições de abastecer redes de supermercados. De acordo com Pedro Moura, o consumo anual de azeite pelos brasileiros é de 70 milhões de litros. A produção nacional responde por muito pouco desse total. No entanto, na opinião de Moura, o diferencial do azeite produzido em Minas é a qualidade e o frescor. “A data que mais se consume azeite no Brasil e no mundo é na semana santa. Nessa data a região que tem o azeite mais fresco é Minas. Enquanto os azeites da Europa tem a colheita em setembro e outubro”, diz.
Por isso, o produto é vendido em empórios e restaurantes especializados. O pesquisador da Epamig afirma que em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília é possível encontrar os azeites produzidos em Minas. Alguns produtores vendem até pela internet. Outra via de comércio é através do chamado agroturismo. Os produtores abrem as fazendas para que visitantes possam conhecer as plantações de oliveiras e também comprar azeites, com um valor agregado maior.
Por ser produzido em relativa pequena escala, o azeite mineiro ainda não é comercializado no mercado internacional. De acordo com Pedro Moura, o mercado interno consume rapidamente a produção, sendo que no final do ano já é difícil encontrar o azeite produzido em fevereiro. Porém, o pesquisador da Epamig destaca que muitas marcas de azeite de Minas se inscreveram em concursos internacionais e foram premiadas. É o caso do azeite Iracema, que conquistou o prêmio de melhor Blend no Concurso Mundial de Azeite, realizado em Nova York em abril de 2018.
O centro e a origem da produção de azeite na Mantiqueira é a cidade de Maria da Fé, de 14 mil habitantes. Diferentes setores da economia da cidade se beneficiam da produção de azeite. Como o município atrai muitos turistas pelas baixas temperaturas, o artesanato regional cria produtos relacionados ao azeite, utilizando a madeira da oliveira. Pedro Moura conta que uma farmacêutica da cidade criou uma linha de cosméticos à base de azeite, como sabonetes e hidratantes. Ainda há a produção de chocolate que leva azeitona e azeite na receita.
A Mantiqueira não é a única região que desponta como produtora de azeitonas e azeites no Brasil. O Rio Grande do Sul é outro polo produtor da olivicultura. “Lá eles têm uma altitude menor, mas têm o frio. As áreas são mais planas e os plantios são maiores, voltados para uma escala mais comercial”, afirma Pedro Moura. De acordo com o pesquisador, como a Mantiqueira é mais montanhosa, as áreas de plantação são menores. Com isso, o foco dos produtores mineiros é um produto de maior qualidade, voltado para um consumidor mais exigente. No entanto, ele afirma que o azeite gaúcho é tão bom quanto o mineiro.
Portugal proibiu cultivo no país
A história da produção de azeite em Minas Gerais se caracteriza pelos esforços de adaptar as oliveiras ao clima brasileiro. A oliveira chegou aqui com a colonização portuguesa. A planta é originária do Sri Lanka e do Oriente Médio e foi domesticada no Mediterrâneo. O pesquisador da Epamig Pedro Moura explica que há relatos que apontam para a existência de oliveiras no Brasil no século 19, em São Paulo.
Porém, como um dos principais produtos de Portugal era o azeite, a Coroa determinou que todas as plantações de oliveiras fossem erradicadas no Brasil. Moura ainda afirma que então os portugueses espalharam um boato de que era impossível produzir azeite por aqui.
O cultivo de oliveiras retornou ao Brasil apenas em 1935, quando o português Emílio Ferreira dos Santos assumiu uma propriedade rural em Maria da Fé. Ele achou as condições climáticas do Sul de Minas muito parecidas com as de Portugal. Assim, convenceu a esposa e os filhos a se mudarem para o Brasil, trazendo mudas de oliveira.
Com isso, a planta se propagou na região. Nas décadas de 1940 e 1950, o agrônomo Washington Alvarenga Viglioni, amigo de Emílio, pegou algumas mudas para estudar, onde hoje fica uma estação de pesquisa da Epamig em Maria da Fé.
Com essas primeiras pesquisas, Viglioni conseguiu colher as primeiras azeitonas no estado em 1960. Em 1974, a Epamig foi criada e logo assumiu a estação de pesquisa, em 1975. A partir daí, os pesquisadores se debruçaram na missão de fazer o cultivo da planta em maior escala viável no Brasil. Os cientistas conseguiram trazer tipos diferentes de azeitonas, além de adaptar o sistema de produção de mudas.
Apenas em 2008 foi possível extrair, experimentalmente, os primeiros litros de azeite de oliva extravirgem produzido no Brasil. Naquele ano, foram produzidos 40 litros do óleo. Depois disso, a olivicultura se expandiu. Em 2010, a produção, já comercial, foi de 500 litros. Vendo o potencial do setor, o governo do estado comprou uma máquina italiana de extração de azeite. Com isso, os produtores conseguiam processar os frutos e fabricar azeite.
Segundo Pedro Moura, o trabalho da Epamig foi fundamental na adaptação das oliveiras ao Brasil. “Hoje trabalhamos com melhoramento, desenvolvimento de novos cultivares, estudo do manejo, poda, nutrição. Tentando definir um melhor ponto de maturação das azeitonas. Além de difundir a tecnologia para o produtor”, afirma.
* Estagiário sob supervisão do subeditor Paulo Nogueira