Espécie nativa da Bacia do Rio São Francisco, o peixe conhecido popularmente como piaba do rabo amarelo – ou Astyanax bimaculatus, conforme o nome científico – vem sendo usado com sucesso para evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti na comunidade de Andrequicé, distrito de Três Marias, município de 28.895 habitantes na Região Central de Minas.
Colocados em reservatórios usados pelos moradores da localidade, são os responsáveis pelo controle biológico do transmissor da dengue, da zika, da chikungunya e da febre amarela, já que eles se alimentam das larvas depositadas na água pelo vetor dos vírus.
A ação é uma parceria da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) com o setor de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Três Marias. Liderando os trabalhos na unidade da Codevasf no município, Julimar Santos, chefe do Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura, conta que, além do atendimento à comunidade, as cidades de Curvelo e Felixlândia manifestaram recentemente interesse pela utilização da piaba para eliminar larvas que dão origem aos mosquitos que disseminam doenças. Os pedidos, no entanto, ainda estão em análise.
Em Andrequicé, o índice de eliminação das larvas dos mosquitos já chega a 96,4% nos reservatórios residenciais onde os peixes são colocados, segundo dados da Codevasf. Consequentemente, isso gerou drástica redução nas notificações de dengue na comunidade nos últimos anos.
A guerreira
- A espécie Astyanax bimaculatus, popularmente conhecida como piaba do rabo amarelo, é nativa da América do Sul, muito comum em córregos, riachos, rios, lagoas e reservatórios de todo o Brasil. Apresenta pequeno porte e pode chegar a 13 cm de comprimento. São onívoras e se alimentam de frutos, vegetais, invertebrados aquáticos, ovos, larvas de mosquitos e de outros peixes e outras matérias orgânicas.
“Antes de 2018, Andrequicé era o distrito do município que estava entre aqueles com mais casos da doença. Os reservatórios nas casas, em sua maioria tambores, ficavam expostos a céu aberto, sem qualquer proteção, o que facilitava a contaminação ao se tornarem criadouros do mosquito”, explica Julimar, que também é técnico em agropecuária.
Reservatórios de água
Por meio do programa, os moradores locais vêm recebendo de um a dois exemplares da piaba para serem inseridos nos reservatórios de água usados para garantir o suprimento da família, relacionado ao consumo humano, cultivo agrícola e à higiene e limpeza.
Durante a visita de entrega, há orientações sobre a manutenção dos peixes. Entre elas estão não oferecer a eles ração ou outros alimentos; colocá-los momentaneamente em outro recipiente durante a limpeza do reservatório; e, no caso de morte, fazer a comunicação para que seja providenciada a reposição.
As piabas são produzidas nos tanques e viveiros do Centro Integrado de Recursos Pesqueiros e Aquicultura de Três Marias. Após período de aclimatação em tanques circulares de metal, elas são preparadas para transporte, distribuição, acondicionadas em sacos plásticos contendo água e injeção de oxigênio. Tudo isso, conforme Julimar, resulta em um processo de baixo custo com alta performance na eliminação de focos do mosquito.
“Essa espécie se reproduz naturalmente em nosso sistema, e nos dedicamos à produção, geralmente, de outubro a dezembro. Às vezes, seguimos até janeiro. No restante do ano, a gente trabalha com os alevinos (peixes recém-eclodidos dos ovos) para estimular o crescimento deles e, deste modo, estarem aptos à soltura em vários reservatórios, rios e córregos, que são afluentes da bacia ou de microbacias pertencentes à grande bacia do Rio São Francisco. A liberação dos peixes acontece entre março e abril e, depois, de outubro a novembro”, completa.
Técnica é usada em outros estados
A técnica de combate à dengue com o uso de peixes também é empregada em outras regiões do país. O pesquisador da Embrapa Cocais (MA) Luiz Carlos Guilherme iniciou o Projeto Dengoso na Universidade Federal de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, em 2001, enquanto cursava seu doutorado.
Seu projeto tem como objetivo principal o combate à larva do Aedes aegypti por meio do controle biológico usando o peixe da família Poecilidae, conhecido por barrigudinho, lebiste, guaru ou guppy. A iniciativa segue em curso em Uberlândia, em lagoas de tratamento e estabilização de efluentes de algumas indústrias, além de outros pontos suscetíveis à reprodução do mosquito.
Reconhecimento e premiação
Em 2009, o projeto foi implementado no município de Parnaíba, no Piauí. A ação também está presente em Campo Maior, no mesmo estado, além de Tobias Barreto, em Sergipe. Em 2013, a iniciativa foi premiada pela Fundação Banco do Brasil, em decorrência da eficiência na eliminação dos criadouros.
No ano seguinte, a ação passou a ser coordenada pela professora Alessandra Ribeiro Torres, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), em parceria com a Embrapa Meio-Norte, quando o pesquisador Luiz Carlos estava lotado na unidade. À época, o Centro de Controle de Zoonoses de Parnaíba foi aprovado. A produção do peixe e sua distribuição para utilização em focos do mosquito da dengue, tais como recipientes de grande porte (cacimbões, bebedouros de animais, piscinas desativadas, cascatas e outros ambientes semelhantes), além de terrenos alagados, ganharam mais fôlego.
Segundo dados da Embrapa, o uso de peixes como estratégia de combate aos mosquitos tem se mostrado eficaz. Em Uberlândia, por exemplo, o número de casos de dengue na população passou de 9,5 mil, em 2006, para 50 até abril de 2008. As autoridades sanitárias, nesse período, deixaram de aplicar quase 30 toneladas de pesticidas no município para combate ao Aedes aegypti.