Um detalhe fundamental lembrado pelos especialistas é o cuidado que os pais devem ter com a pressão por ter um “filho músico”. A regra é clara: a criança deve, acima de tudo, se divertir, ter um espaço e um universo de ação, sendo que qualquer interferência desconfortável pode ser até mesmo traumática.
“A questão é tratar a criança como criança e não como um ‘miniadulto’. Se o pai trata como uma profissão, vai perder a graça e acaba trazendo problemas. A criança tem de estar no seu universo, e cabe ao adulto guiá-la por um processo de desenvolvimento que seja divertido”, comenta o professor Ricardo José Dourado Freire, da UnB.
Jesuhay Leão, professor de violão no Clube de Choro, corrobora: “Vamos fazer uma comparação com uma criança que está se alfabetizando, entendendo as figuras, os símbolos. Só depois de um tempo ela vai conseguir entender um dicionário. É parecido com a música. Não dá para deixar a criança pular esse momento da musicalização e diversão e ir direto a um estúdio”.
Ele ressalta que o período da musicalização é o momento para tentar fazer a criança ter espaço de ser criança. “Não há necessidade de encontrar uma nota específica.
ALÉM DA MÚSICA Agitação, cochichos exacerbados, risadinhas pouco contidas. Foi assim que cerca de 30 alunos instrumentistas do projeto Música na Escola aguardavam a chegada da reportagem no Centro de Ensino Fundamental 11, do Gama. Debaixo de uma típica chuva de fim de verão, a quadra coberta da escola apresentava um trabalho e tanto de musicalização infantil. O programa completa 20 anos em 2019 e carrega no histórico a formação de quase 400 alunos – 350 com idade entre 10 e 14 anos, e 30 entre 15 e 19.
Além dos momentos marcantes, como as apresentações em embaixadas ou dividir o palco com a Orquestra do Exército e a Orquestra Sinfônica Cláudio Santoro, o grupo faz parte de um processo de educação que vai muito além da música. “O que vi desde que cheguei são talentos revelados. Meninos que estão tocando e que também têm uma educação sólida.
Ao lado de Lincoln Costa e Débora Bastos, Francis ressalta o quanto a banda da escola ultrapassa as notas musicais: “Neste mundo de bullying, a gente ensina aos alunos o respeito pela música. São estudantes que tinham problema com a disciplina, mas agora se dedicam, cuidam de instrumentos caros, enfim, têm uma nova perspectiva”.
A ideia do professor está em comunhão com o precursor do projeto no CEF 11, o atual diretor da escola, Luiz Fermiano. “O objetivo não é só fazer música, mas formar o cidadão. No início, era uma fanfarra, só de percussão. Hoje, eles já cresceram muito, são uma banda musical mesmo. E se a criança não conseguir fazer parte pelos instrumentos, tem outras atividades relacionadas ao universo da música. O foco é a inclusão”, explica.
No projeto, ao total, são cerca de 90 alunos que participam de vários contextos da musicalização infantil.
“Nosso apelo é para que o governo invista em educação musical. Não é uma perda de tempo. A gente trabalha em uma escola pública, que tem de ser cuidada pelo governo, com leis específicas para educação musical nas escolas. A gente não ensina só o instrumento, mas, sim, a musicalização. Existe um foco na humanidade”, comenta Francis sobre as dificuldades que o projeto sofre em relação a recursos.
“Existem limitantes, faltam recursos, mas o valor da recompensa é sem palavras. Ver os meninos desfilando no 7 de Setembro, na frente do presidente, passando em universidades públicas...
Paixão pelo clarinete
A troca de olhares rápida e pouco sutil entre uma fotografia e outra não nega o parentesco único que Marcela e Luara Azevedo compartilham. As gêmeas, de 13 anos, atuam na banda tocando clarinete e não escondem a alegria de fazer parte desse verdadeiro time. Marcela foi a primeira a fazer os testes para entrar no projeto e, como explica a mãe, Luana Azevedo, de 33, serviu de influência para a irmã.
“Marcela se inscreveu primeiro. Luara se interessou e pediu para participar também. Não esperava que elas fossem gostar de forma alguma, nunca foi algo que parecia interessante para elas e, para ser franca, nem sabia que tinha projetos assim por aqui”, comenta a auxiliar de coordenação.
Luana aproveitou a visita à escola, no dia da entrevista, para tentar incluir o irmão na banda – que também tem 13 e estuda em outro colégio. Ocorre que a fama benéfica do projeto já ronda a região. “Pelas experiências que tive com minhas filhas, pude ver como a escola é boa para as crianças, e queria isso para ele”, justifica.
Ainda de acordo com a mãe, os benefícios para as gêmeas definitivamente estão longe de ficar restritos à música. “Óbvio que o incentivo é muito importante. É uma educação. Depois de entrar na banda, as duas passaram a conviver melhor, não ficam brigando, não têm tanto atrito.”
DOM Para as meninas, que já estão há dois anos praticando clarinete, não há muito o que explicar: o projeto é bom e pronto.
Para a irmã, Marcela, o instrumento é um companheiro para a vida. “Acho que tocar é uma espécie de dom. Uma coisa que faz parte de você, que é muito especial para as pessoas.” Ao ser questionada sobre o que faria caso não estivesse junto aos colegas tocando, a garota é assertiva: “Gosto da música; então, se eu não estivesse na banda, acho que ia estar assistindo, como toda a escola”. Em geral, os alunos praticam em duas manhãs ao longo de cada semana. O ensino na escola é integral..