Jornal Estado de Minas

Um ato de persistência

Pessoas com problemas para ter filhos recorrem cada vez mais à reprodução assistida


Diagnosticada com uma endometriose severa, em 2013, após ter sentido fortes dores pélvicas, a microempresária Juliana Mesquita Trevas, de 36 anos, ‘arregaçou as mangas’ e foi procurar ajuda para engravidar.



Em junho do mesmo ano, passou por uma cirurgia de oito horas, que lhe custou as duas trompas e um pedaço do intestino. A gravidez natural tornou-se inviável. No fim de julho, ela começou a fazer um tratamento e em setembro descobriu que estava grávida. “Marina nasceu em maio de 2014. A gravidez foi tranquila”, conta.

Em 2016, ela implantou dois embriões que estavam congelados desde 2013, mas o quadro não evoluiu para gravidez. Em agosto deste mesmo ano, sentindo fortes dores em decorrência do retorno da endometriose, ela foi submetida a uma cirurgia. “No início de 2018, a endometriose voltou, operei novamente e começamos um novo tratamento para a fertilização in vitro este ano. Tive três óvulos, dos quais implantei dois novos embriões e novamente a tentativa de gravidez não deu certo”, comenta Juliana.

Recentemente, o casal tomou uma decisão: partir para a adoção. “Meu marido é muito tranquilo. Sempre dizia que eu tinha direito de chorar, mas nunca me deixou sofrer. Além disso, Marina também quer um irmãozinho.” Em abril, os dois deram entrada nos papéis para a adoção e agora aguardam o dia em que terão o segundo filho.




TODOS OS TIPOS DE AMOR


Os novos formatos de família - sejam casais homoafetivos, sejam mulheres ou homens solteiros -, além dos casais com problemas de reprodução têm contribuído para que os brasileiros procurem técnicas de reprodução assistida em clínicas especializadas, embora a procura por tratamentos ainda seja relativamente baixa no Brasil, se comparada a países como Estados Unidos e Espanha.

Segundo Ines Katerina Carvalho Cruzeiro, ginecologista, especialista em medicina reprodutiva e diretora técnica da Lifesearch, o Brasil tem cerca de 10% dos casais com dificuldades para engravidar, entre os quais 40% das causas se devem a problemas relacionados às mulheres, 40% aos homens e os outros 20% sem causa aparente.

Outro fator que explica o interesse pelo tema é o fato de a mulher, cada vez mais, adiar a maternidade, por questões sociais, laborais ou até mesmo afetivas. “Sem dúvida, as mulheres têm pago um preço caro por isso, já que os ovários vão envelhecendo ao longo do tempo”, diz Ines, que se refere aos 35 anos como idade-limite para que as mulheres consigam engravidar com taxas de 45% a 50% de sucesso.



Conheça as técnicas que são mais utilizadas

» Acompanhamento/indução da ovulação com coito programado

A mulher usa uma medicação específica para induzir a ovulação, que é acompanhada pelo especialista a partir de exames de ultrassom. É indicado para pacientes com dificuldade para ovular. O casal mantém relações sexuais próximas ao momento da ovulação.

» Inseminação intra-uterina Artificial (IIU)

Técnica de baixa complexidade. Induz a ovulação na mulher e prepara o sêmen do homem. Os espermatozoides de melhor qualidade são introduzidos no útero da mulher. Nesse processo, o encontro do espermatozoide com o óvulo ocorre naturalmente.

» Fertilização in vitro (FIV)

Técnica de alta complexidade por ocorrer em laboratório. É mais invasiva, mas com maior chance de sucesso. Tem indicações específicas, sendo frequente em mulheres acima dos 35 anos, com redução dos níveis de ovulação com o avanço da idade. Espermatozoides são colocados junto com o óvulo para que ocorra a fertilização em laboratório. Os embriões selecionados são transferidos para o útero e o processo de gestação ocorre naturalmente.



» Injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI)

É considerada uma variação da FIV. No entanto, a colocação do espermatozoide junto ao óvulo é feita por injeção diretamente dentro do óvulo. É indicada para casos específicos, como alguma doença genética na família ou no caso de pacientes com abortamento de repetição, entre outros.

Acolhimento necessário
Clínicas especializadas em reprodução assistida investem no apoio psicológico aos casais e pacientes com dificuldades em ter filhos para ajudá-los a vivenciar esse momento

Ines Katerina Carvalho Cruzeiro, especialista em medicina reprodutiva, defende também terapias em grupo ou terapias alternativas para ajudar o paciente (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

A ginecologista Ines Katerina Carvalho Cruzeiro, especialista em medicina reprodutiva e diretora técnica da Lifesearch, ressalta que o Brasil e algumas capitais, a exemplo de Belo Horizonte, são referência em reprodução assistida, com destaque para o acolhimento em consultório aos pacientes. “O apoio psicológico é fundamental nesse momento, assim como opções de terapia em grupo ou terapias alternativas que ajudam as pessoas a vivenciar esse momento”, explica a especialista, que atua em conjunto com os médicos Cláudia Navarro e Francisco de Assis, e da embriologista Maria das Graças Camargo.

Rívia Mara Lamaita, coordenadora do Serviço de Reprodução Humana da Rede Materdei de Saúde, destaca a tendência atual das clínicas especializadas de individualizar desde o acolhimento até o tratamento dos pacientes que procuram por técnicas de reprodução assistida. “Isso inclui o apoio emocional e o respeito às individualidades sobre a formação da estrutura familiar nos dias atuais”, comenta.



“Homens e mulheres, independentemente de seu estado de união, orientação sexual ou idade, ou seja, homossexuais, pessoas solteiras, mulheres fora da idade reprodutiva, entre outros casos, beneficiaram-se para concretizar este desejo: constituir sua família. Nessa virada contemporânea de perspectivas, o sonho de ter filhos, concretizado por meio da reprodução assistida, possibilita àqueles ‘socialmente excluídos’ da reprodução estarem ‘tecnologicamente incluídos’.”

 

CHANCES DE ENGRAVIDAR

 

E os números apresentados pela especialista demonstram o comportamento da sociedade contemporânea. Um casal saudável, sem uso de métodos contraceptivos, com frequência mensal de relações sexuais em torno de seis vezes e principalmente mulheres até 35 anos apresentam cerca de 25% de chance de alcançar uma gravidez em cada ciclo menstrual. Após um ano de tentativa, 15% a 20% dos casais não alcançarão esse objetivo e permanecerão inférteis.

 

“A maioria dos centros de reprodução assistida adota esse conceito para definir a infertilidade: ausência de gravidez após um ano de relações sexuais frequentes sem o uso de método contraceptivo.” Rívia comenta que vários estudos demonstram que houve declínio do índice global de fertilidade, principalmente entre mulheres com mais de 35 anos. Os fatores responsáveis são voltados para a mudança de comportamento reprodutivo na sociedade. “A mulher tem adiado cada vez mais a primeira gestação em decorrência da vida social e profissional, o que aumenta o risco de doenças ginecológicas que poderão afetar a fertilidade”, explica.





 

Além disso, mudanças nos hábitos de vida contribuem para a perda da fertilidade, tanto masculina quanto feminina. “O tabagismo, o consumo excessivo de álcool e drogas anabolizantes, a exposição a fatores de risco ambientais, a perda ou ganho de peso excessivos entre outros, podem contribuir para o aparecimento de certos problemas.”

 

Entre idas e vindas, ela virou mãe de dois

 

Hérika, Willian e os filhos Enzo e Vítor: apoio do marido foi fundamental para que ela conseguisse passar por um turbilhão de tratamentos e perdas (foto: Ellen Cristie/EM/D.A Press )

Aderência nas duas trompas, uma perda natural aos dois meses de gravidez, duas inseminações artificiais, outra gravidez interrompida por erro médico, outras cinco inseminações artificiais, a morte do primeiro marido em decorrência de um aneurisma. Quem escuta o início da história da gestora de marketing Hérika Patrícia Nébias Lopes, logo pensa: “Meu Deus, como ela continuou lutando?”. As coisas começaram a mudar em 2010. Nessa época, ela admite que a vontade de ser mãe já não era mais um desejo tão latente como no passado. “Por todo o sofrimento que passei, ser mãe já tinha saído do meu coração”, admite.

 

Mas depois de muita conversa e companheirismo, o marido de Hérika, que já tem dois filhos, a convenceu a fazer uma nova tentativa. Ao recorrer a uma clínica de reprodução, eles optaram por uma fertilização in vitro. “Produzi dois óvulos nota 10 e um nota 9”, diziam os médicos. “Consegui engravidar, mas tive um sangramento com oito semanas de gestação. Outro susto. Era um descolamento da placenta. Passa tudo pela nossa cabeça nessa hora. Eu nem dormia mais”, comenta Hérika.

 

Mas em abril de 2012, finalmente nasceu Enzo. Hérika, aos 40 anos, conseguiu realizar o sonho de ser mãe. Como uma felicidade nunca vem sozinha, qual não foi sua surpresa ao se descobrir novamente grávida um ano e três meses depois de Enzo, desta vez naturalmente - do Vítor.





 

Hérika diz que não foram momentos fáceis - durante os tratamentos vivia dias de angústia, revezando sentimentos de medo e tristeza quando os resultados eram negativos. Hoje, ela comanda três bufês infantis em Belo Horizonte e vê sua trajetória com tranquilidade. “A vida é maravilhosa”, acrescenta.

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Palavra de especialista

Cláudia Navarro, especialista em reprodução assistida

Obesidade: inimiga da fertilidade


“Caso a mulher tenha o desejo de engravidar e esteja na condição de obesidade, aconselha-se sempre buscar a ajuda de um especialista em reprodução assistida. O profissional vai apresentar alternativas, como indução da ovulação, inseminação intrauterina ou até mesmo a fertilização in vitro. Mas é muito importante ressaltar que, antes de se iniciar o tratamento, é indicada a perda de peso com acompanhamento multidisciplinar. Se, mesmo com sobrepeso, a mulher tiver sucesso para engravidar, é importante tomar cuidados durante a gestação. O risco de aborto e complicações na gravidez pode aumentar em mulheres com sobrepeso. A obesidade também pode causar problemas como pré-eclâmpsia e diabetes. O bebê também pode sofrer consequências. “No caso de mães diabéticas, há cerca de 50% de chances de que ocorra macrossemia fetal, ou seja, excesso de peso para a idade gestacional, e hipoglicemia. Na pré-eclâmpsia pode ser necessário interromper a gravidez antes da hora, o que irá provocar a prematuridade fetal com todas suas consequências.”

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