O desabafo mais recente sobre a depressão é do humorista e youtuber Whindersson Nunes. Via Twitter, o piauiense postou: "Apesar de tudo de bom que vem acontecendo comigo, de tudo que já conquistei, me sinto triste há alguns anos". Em tratamento, ele cancelou a agenda de shows até agosto e tem recebido a torcida e o apoio de fãs e familiares para dar a volta por cima.
O quadro do youtuber mostra que a depressão não escolhe faixa etária, sexo ou condição financeira para aparecer. Entre anônimos e celebridades, a doença não para de crescer. No showbiz, a lista de pessoas que revelaram em público ter passado pela depressão é enorme. Incluindo aí o padre Marcelo Rossi, as cantoras Adeli e Paula Fernandes, a multiartista Demi Lovato e o ator Selton Mello, entre outros.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a quantidade de casos de depressão cresceu 18% em 10 anos. E a entidade faz uma previsão nada animadora: até 2020, acredita-se que a doença será a mais incapacitante do planeta.
Aqui, Fabiana Cerqueira, psicóloga e psicanalista, mestre em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora de psicopatologia e psicanálise do curso de graduação em psicologia da Faculdade Ciências da Vida, esclarece alguns dados importantes sobre a depressão. Confira:
Como a psicologia define um quadro
de depressão?
Para a área da psicologia, a depressão é uma manifestação subjetiva do sujeito, que é caracterizada por uma tristeza profunda, desinteresse pelas atividades (desde as mais simples até as mais complexas), mesmo aquelas que antes eram prazerosas.
A depressão causa alterações emocionais importantes e que influenciam diretamente na maneira como o indivíduo lida com as pessoas e com o mundo?
Aparentemente, a depressão não tem um motivo específico. É um estado de humor que se prolonga por dias, meses e até anos. E o trabalho de um psicólogo é resgatar a razão disso e colaborar para que o indivíduo procure saídas.
Em que medida é possível diferenciar depressão de tristeza?
É necessário e importante diferenciar a depressão da tristeza. Esta, geralmente, é transitória e está ligada a acontecimentos ou momentos difíceis e desagradáveis. Porém, é uma reação inerente à vida de qualquer pessoa. Essa diferenciação se faz ainda mais pertinente neste século 21, período em que percebemos que a depressão se tornou uma expressão do senso comum e ganhou as configurações do mal-estar da atualidade. Quando alguém está triste, é recorrente vermos que já se interpreta como uma depressão e isso é muito grave, pois algo que faz parte da natureza humana passa a ser tratado como uma patologia. Isso é resultado de um ideal da felicidade, que é uma marca da sociedade atual. Temos que lembrar que, se o indivíduo passa por uma perda significativa, é compreensível que fique triste.
Quais são os principais sintomas depressão?
São sintomas que abrangem tanto a esfera psíquica quanto a física: tristeza profunda e contínua, apatia, muita angústia, anedonia (incapacidade de sentir prazer), cansaço físico, insônia ou hiperinsônia, perda ou aumento de apetite e, consequentemente, alterações no peso, diminuição da libido, ideias negativas, dificuldade de se concentrar. Sentimentos de culpa, baixa autoestima, incapacidade e vergonha. Em alguns casos, podem-se perceber ideias de morte, desejo de desaparecer, dormir para sempre, planos suicidas.
Há causas para a depressão?
Geralmente, a depressão surge após um esgotamento físico e/ou psicológico, alguma perda para a qual a pessoa não encontra recursos para superar, vivências traumáticas (mesmo as infantis), consumos de drogas lícitas ou ilícitas e/ou de medicamentos. Até mesmo a situação econômica e política do país pode afetar o estado emocional de um indivíduo. Porém, muitas vezes, não há uma causa aparente. Até porque, a depressão é um quadro que apresenta evolução silenciosa em muitos casos, ou seja, não aparece de repente. Por isso, friso a importância de o indivíduo buscar a ajuda da psicologia para iniciar um tratamento. Poder falar disso em um lugar apropriado é poder investigar sua história e tratar questões que muitas vezes foram silenciadas. Chamamos a atenção para quem procura apenas o tratamento farmacológico. Os remédios, vendidos como soluções instantâneas, ajustam as substâncias do corpo, evidentemente, mas não tratam o problema psicológico. A tendência é que, com o tempo, a doença possa se agravar e haja uma possível dependência de medicamentos.
Na terapia, o psicólogo investigará o quadro de forma personalizada.
Ou seja, para além dos sintomas universais e as evidências que
se apresentam. O que tem da história do sujeito nisso?
Recentemente, vimos o humorista e youtuber Whindersson Nunes falar que sofre de depressão. Um dos pontos abordados por ele foi a questão do dinheiro, explicitando que ter dinheiro não impede o sentimento de angústia e tristeza.
Por favor, comente em que medida os problemas do cotidiano influenciam ou não em um quadro de depressão.
Atualmente, vivemos numa sociedade em que as subjetividades estão centradas em um vínculo fundamentalmente narcísico. As exigências estéticas e performáticas ficaram intrínsecas no nosso modo de viver. Isso é atrelado à lógica do consumo e da aquisição financeira, que toma grandes proporções nas relações pessoais e nos princípios éticos de maneira geral. Essa busca por se enquadrar nos padrões traz consequências para a construção das identidades dos sujeitos. Nessa cultura, marcada pelo narcisismo, as pessoas se veem às voltas em estabelecer elos mediante ao que é produzido nas relações de consumo, do que se adquire tanto material como culturalmente. O outro surge para confirmar isso ou não, o que pode ser devastador. Nos faz crer que as pessoas necessitem, então, do olhar do outro para validação de sua identidade e isso nos aproxima de uma cultura da performance e do espetáculo. Vivemos, assim, imersos num império da imagem. A imagem passa a ser uma ponte para as relações sociais e no âmbito do consumo as mercadorias se tornam objetos ilusórios de poder. Não é isso que vemos nas redes sociais? Assim, a possibilidade de reconhecimento fica atrelada ao ter e não ao ser. Entretanto, trata-se de um ideal que não existe e não se sustenta, é vazio. No caso do Whindersson, ele teve tudo que se espera de alguém que vai tentar algo na internet: seguidores, fama, dinheiro, reconhecimento... mas, acredito, podemos pensar tudo pautado num grande espetáculo, que pode ter deixado de lado sua realidade. Nisso o sujeito se perde. Essa validação não faz sentido. E daí, pode-se evoluir para um quadro de depressão. A depressão tem um lugar paradigmático nisso, pois ela é justamente o contrário. Há um embotamento do sujeito. Ela é um avesso do ideal de nossa sociedade.
Vivemos a era da revolução digital, exposição em redes sociais, haters. Em que medida as novas tecnologias influenciam na explosão da depressão?
A revolução digital trouxe a explosão de um tipo de individualidade narcísica: esperamos a validação do outro para construir algo de nossa identidade. Li em algum lugar assim: o sujeito passou a ser cidadão do mundo e, por isso, não é identificado a ninguém e a lugar nenhum. Isso deixa as relações intersubjetivas frágeis e vazias. Na internet, vemos o “show do eu” e, acompanhado a isso, uma “cultura da simulação”. A internet possibilita um certo conforto, em que a realidade com suas complexidades e contingências, especialmente das relações humanas, ficam “amenas”, artificiais. Os ambientes passam a ser controlados, muito longe do que a vida nos exige, não é verdade? O resultado disso são pessoas despreparadas para situações complexas da vida cotidiana e acostumadas a vivências mais empobrecidas. As tecnologias podem estar diminuindo aquilo que nos marca como humanos. E um dos antídotos para isso é passar a investir cada vez mais nas relações pessoais, uns com os outros.
Por fim, quais são as medidas indicadas para combater a doença?
Cuidar-se! Não é apenas do corpo físico. Mas de nossa saúde emocional também. Fazer coisas de que se gosta e priorizar isso na rotina; não ignorar sinais de tristeza que são persistentes; permitir-se ficar triste e procurar fazer terapia, não só com o objetivo de sanar algum problema imediato, mas para se cuidar, saber lidar com suas limitações, suas frustrações.