A regra parece simples. Se quer ter uma dieta saudável, basta consumir comida de verdade. Mas nem todos conseguem, querem ou sabem diferenciá-la. A médica Maria Isabel Correia, cirurgiã, especialista em nutrição, professora aposentada/convidada da Escola de Medicina da UFMG e médica da equipe de nutrição da Rede Mater Dei, explica que comida de verdade é aquela que é indispensável ao adequado funcionamento do organismo, desde o momento da concepção até a morte.
“O alimento é essencial às funções vitais do organismo; afinal, sem alimento não há vida. E, veja, eu disse alimento e não nutriente. Qual seria então a diferença? Alimentos são compostos de vários nutrientes, que se completam. Por isso, dar nutrientes isoladamente, tipo alguns suplementos contendo nutrientes, não resulta na mesma eficácia, se quem os ingere não tem alimentação balanceada. As necessidades nutricionais variam com a idade.”
“O alimento é essencial às funções vitais do organismo; afinal, sem alimento não há vida. E, veja, eu disse alimento e não nutriente. Qual seria então a diferença? Alimentos são compostos de vários nutrientes, que se completam. Por isso, dar nutrientes isoladamente, tipo alguns suplementos contendo nutrientes, não resulta na mesma eficácia, se quem os ingere não tem alimentação balanceada. As necessidades nutricionais variam com a idade.”
Maria Isabel Correia afirma que a alimentação básica e saudável é simples. Ou seja, não há nenhum mistério para conseguir alcançá-la e não se demandam recursos financeiros altos. “O primeiro aspecto é a variedade de alimentos de grupos diferentes. A alimentação balanceada tem que conter carboidratos (açúcares, os mais saudáveis são os complexos, contidos em alimentos naturais como frutas, legumes e cereais); proteínas (carnes, lácteos e cereais) e gorduras (mínima quantidade).”
A médica ressalta, ainda, que a forma como os alimentos são preparados deve ser criteriosa. É preciso dar preferência, sempre que possível, aos crus, de acordo com o tipo, claro. Se cozidos, em especial, no vapor, assim como assados e grelhados.
No entanto, Maria Isabel Correia alerta que proibir não faz parte da sua linha de conduta. “Veja o que ocorreu com Adão e Eva! A vida é feita de prazeres também, o que não pode é o prazer ser a rotina. Comer um alimento processado pode ser uma opção em dias especiais. Costumo dizer que sábado e domingo são dias internacionais da bobagem. Ou seja, permita-se o prazer. Isso, claro, se no resto da semana seguir as regras.”
Margarina sem colesterol
Para Maria Isabel Correia, para quem come alimento natural, faz disso uma rotina, não tem por que se preocupar quando, eventualmente, comer o industrializado. Agora, “por que não fazer você mesmo o molho de tomate, em vez de comprá-lo pronto? Tudo perpassa pela rotina. Agora, é importante não comprar gato por lebre. Exemplifico: margarina sem colesterol. Primeiro, para quê usar margarina? Não há lugar para esse tipo de gordura. E claro que ela não tem colesterol, pois é de origem vegetal. Mas a qualidade da gordura não é boa”.A médica também avisa que, na época da ditadura do corpo e da alimentação, bastou ser fit ou light para ser considerado saudável. O que é outro engodo. “Ser fit não significa que é sem limite. Salada é baixa caloria, por exemplo. Mas aí a pessoa enche de molho à base de azeite ou qualquer outro tipo, que, em geral, é hiper ou supercalórico.” Do mesmo modo, enfatiza Maria Isabel Correia, que “produtos integrais, em geral, são mais saudáveis, porque são alimentos menos processados. Mas é preciso olhar o que contêm. Novamente, perpassamos pelo processo industrial. Daí a importância de ler o rótulo. Contudo, a maioria das pessoas não tem conhecimento para interpretar”.
No fim, na busca por comer melhor e com mais qualidade, Maria Isabel Correia destaca que “a correria do dia a dia não pode ser desculpa para nada. Na minha realidade, consigo preparar uma boa refeição saudável em meia hora. Tudo é questão de prioridades e de gostos. E mais, a dieta não é a única coisa que deveria ser rotina saudável, mas a prática do exercício físico também é obrigatória como componente de vida saudável (pelo menos 150 minutos por semana). E não basta dizer que caminha muito, porque atividade física regular demanda aumento da frequência cardíaca, entre outros fatores”.
Um caminho prático, indica a médica, é o Guia alimentar da população brasileira, que deveria ser mais bem divulgado e seguido pela população. “Muitos seguem blogueiros, influencers ou pessoas famosas que se metem a falar de nutrição, quando temos um livro superilustrativo e que contém informações legais e úteis, de forma gratuita. Aliás, no capítulo 1, o guia diz “alimentação é mais do que ingestão de nutrientes”. Finalmente, se ainda há dúvidas, procure um profissional gabaritado. Cuidado com os modismos.”
No prato
O equilíbrio da alimentação saudável, conforme Maria Isabel Correia, especialista em nutrição e médica da equipe de nutrição da rede Mater Dei, requer:
1 – Frutas, legumes, verduras, cereais: fornecem vitaminas, minerais, fibras e carboidratos. Estes últimos devem contemplar cerca de 60% a 65% da energia necessária ao organismo.
2 – Carnes, incluindo peixes e frangos, e produtos lácteos: fontes proteicas devem garantir de 15% a 20% das necessidades de energia. São essenciais para garantir a constituição muscular, tão importante na nossa mobilização e sustentação, além de fornecer substratos para células de defesa do organismo. Ademais, os produtos lácteos fornecem cálcio, que é relevante para a saúde dos ossos.
3 – Gorduras: são parte da alimentação saudável, uma vez que são essenciais em distintas funções. Mas essas, em geral, estão nas carnes e na adição de óleos. Melhor dar preferência ao azeite de oliva.
Moda, crendice, mágica, milagre... Parece surreal, mas a realidade é que, de tempos em tempos, um alimento ou outro surge como a solução para todos os problemas: do mais saudável ao que cura; daquele que emagrece ao que retardará o envelhecimento... Fale sério! A questão é que milhares de pessoas ainda caem na história dessas “novidades”. O nutrólogo Enio Cardillo Vieira, professor doutor e professor emérito do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revela que costuma fazer uma brincadeira (ou analogia) com seus pacientes quando se refere a alimentos mágicos na alimentação.
“O ser humano gosta de ser enganado. Ele sempre busca fórmulas mágicas para solução de problemas. Um exemplo. Suponhamos que o médico diga para um fumante: ‘Sua chance de ter um câncer pulmonar é de 0,2%’. Isso significa que a incidência de câncer pulmonar no fumante é de 2 em mil. Claro que o fumante está sujeito a inúmeras doenças decorrentes do consumo de tabaco, como câncer na boca, na faringe, na laringe ou em qualquer outro órgão, problemas pulmonares, problemas cardíacos etc. Contudo, a doença mais temível é o câncer pulmonar. O paciente replica: “Doutor, vou deixar de ter o prazer de fumar porque posso ser dois em mil? Não acredito que terei esse azar”. A chance de alguém ganhar na Mega-sena é uma em 50 milhões. O paciente acredita que ganhará na Mega-sena, mas não acredita que terá câncer pulmonar. Falo isso para mostrar como todos queremos ser enganados. Sempre buscamos fórmulas mágicas, que nos livrem de problemas.”
Caminho para as índias
Para Enio Cardillo, é fato que a alimentação e a nutrição são sujeitas a modismos. Ele alerta que, frequentemente, surgem alimentos preconizados como mágicos. “Recentemente, indústrias e distribuidores de alimentos lançaram produtos com propriedades “mágicas”, que prometem resolver ou evitar inúmeros problemas de saúde. Esclareça-se que todo alimento pode ser considerado bom alimento por conter nutrientes essenciais ou promover a saúde ou – por que não dizer – ser fonte de prazer. O ser humano sempre consagrou o prazer que a alimentação proporciona. O que os europeus buscavam no caminho das Índias no século 15? Era para matar a fome? Não. Eles iam buscar as especiarias, segundo nossos livros de história. Enfrentavam as tormentas na costa oeste da África, enfrentavam canibais, caso houvesse naufrágio, estavam sujeitos à chamada “doença dos marinheiros”, que era a doença causada pela deficiência de vitamina C. Tudo isso para trazer prazer à mesa. Portanto, não se deve estigmatizar a busca de alimentos que só proporcionam prazer. Não se deve abusar desses alimentos. O refrigerante é fonte de prazer, mas não é aconselhável seu consumo diário.”De olho nos rótulos
O apelo está por toda parte. E não é fácil se manter na linha. A força da propaganda, a facilidade de acesso, o poder das redes sociais com seus influenciadores e celebridades (muitos, sem cerimônia, assumindo o papel de médicos nutrólogos e nutricionistas) são chamarizes para a população leiga, que, por mais que busque a informação correta, se vê num emaranhado de notícias apontando esse ou aquele como alimento saudável, com nutrientes na medida e uma lista sem fim de benefícios, seja para a saúde, perda de peso, pele viçosa, cabelos brilhantes, aumento do colágeno etc. e tal. Sem falar na hipnose de embalagens que vendem muitos alimentos como verdadeiros “remédios” do bem, mas que, na realidade não o são. E estão repletos de conservantes, estabilizantes, aditivos e corantes.
Assim, o mercado de produtos que só parecem saudáveis aumenta a cada temporada. Raphaella Cordeiro, nutricionista clínica e esportiva, alerta que os riscos de comer tais alimentos são inúmeros, principalmente se com frequência e em excesso. “Doenças como obesidade, diabetes, hipertensão arterial, colesterol alto, cânceres, intolerâncias, alergias e disbiose são exemplos reais. Todas elas podendo ter origem a partir de maus hábitos alimentares e de estilo de vida.”
Raphaella Cordeiro avisa que o ideal é usar a ferramenta que temos a nosso favor: o rótulo dos alimentos!. “É preciso ficar atento aos ingredientes e qual a sua ordem de quantidade, que sempre é da maior para menor na lista que fica no verso da embalagem. A parte frontal do rótulo seria a parte vendável do produto e as maiores informações para entender o que ele contém fica, geralmente, na parte de trás. Então, ler o rótulo é uma forma de tentar entender melhor o que está sendo levado para casa e, logo, consumido.”
Nesse jogo de esconde e revela, há alimentos que parecem inocentes. Só parecem. O peito de peru é um deles. Muitos pensam que é uma opção leve e saudável. “É um embutido conhecido como alimento ultraprocessado e o consumo deve ser esporádico. Mas o ideal é substituí-lo por queijos magros, patê caseiro de frango ou de sardinha, patê de grão-de-bico, pasta de amendoim integral (sem açúcar), enfim, as ideias podem variar conforme gosto e preferência, basta ter criatividade.”
Outro alimento visto como “cordeirinho”, mas que facilmente assume o papel de vilão, é a aclamada barra de cereal. “No geral, as barras de cereal têm muito açúcar na composição. E, muitas vezes, isso não está escrito de forma clara e, sim, com outras denominações, como xarope, por exemplo. São opções industrializadas que devem ser usadas também de forma esporádica. E, mais uma vez, o rótulo vai ajudar na hora da escolha. Para ler o rótulo tem que ter paciência e atenção porque, muitas vezes, as informações que precisamos saber não são tão claras. Além de ser em tamanho reduzido, o que dificulta a leitura e também o entendimento”, avisa a nutricionista.
Para Raphaella Cordeiro, a chave do segredo de uma alimentação segura e saudável está na disponibilidade que todos deveriam ter de ler o rótulo. Deveria ser uma atitude automática, como é verificar a data de validade de todo produto. “A partir do entendimento de que o rótulo é uma ferramenta que temos em nossas mãos para escolher o que vamos levar para casa, tudo fica mais fácil. Só assim vamos escolher melhor na hora da compra. Consciência nutricional é o caminho.”
A vida dos alimentos
Outra missão que pode ser obstáculo na hora de escolher o alimento saudável é a famosa desculpa da falta de tempo, aliada à praticidade. Então, que mal pode fazer um risoto de vegetais com carne? Ou mesmo uma lasanha integral de creme de espinafre? Prontas para comer, só descongelar? “Ainda que a falta de tempo seja uma realidade, é um trabalho mesmo muito difícil fazer as pessoas entenderem o que estão comendo. Acredito que tudo tem que partir do entendimento de que alimentos ultraprocessados trazem com eles inúmeros ingredientes, que podem fazer muito mal à saúde. Entender que quanto maior a “vida” de um alimento, menor pode ser a nossa. E isso vai entrando na cabeça das pessoas a partir da informação, com a ajuda da boa vontade e, assim, vamos caminhando para a consciência nutricional. Podemos pensar que a boa vontade é algo individual e que pode fazer enorme diferença a partir do momento em que entendemos que é necessário nos alimentar melhor, com comida de verdade. Do contrário, teremos que tratar doenças que virão em consequência de hábitos ruins de vida. E nutrição é, sem dúvida nenhuma, prevenção de doenças”, enfatiza Raphaella Cordeiro.
Raphaella Cordeiro lembra uma frase de autor desconhecido, de que ela gosta muito e que todos deveriam adotar: “Descasque mais e desembale menos”. A nutricionista destaca que não tem erro. Informação, conscientização, educação, reeducação... esse é o caminho para a mudança. “Caso contrário, teremos gerações doentes pelo simples, ou não, fato de se alimentar mal. Vivemos numa época em que, erroneamente, colocaram nossos alimentos saudáveis (arroz, feijão, macarrão, batata etc.) como vilões, quando não são. Houve uma inversão no entendimento do conceito da nutrição, da dieta e da alimentação saudável, o que leva as pessoas a demonizar as comidas de verdade e preferir os pós, as cápsulas, as restrições severas, o corte de grupos alimentares. E tudo isso porque o equilíbrio e a consciência nutricional, assim como sair do sedentarismo, dão trabalho. Por isso, só penso em um caminho: o da informação, como para outros tantos males da nossa sociedade.”
Leia as letras pequenas!
Lembre-se sempre de ler a lista de ingredientes no rótulo para saber se o alimento é ultraprocessado ou não. No geral, produtos com acréscimo de conservantes, estabilizantes, corantes, edulcorantes e aromatizantes, e também com excesso de gordura vegetal hidrogenada, açúcar e sódio não são saudáveis, já que podem trazer consequências negativas à saúde. O alerta é do manual Alimentação cardioprotetora, do Ministério da Saúde, em parceria com o Hospital do Coração (HCor).
» Iogurte natural desnatado: leite pasteurizado desnatado e/ou leite reconstituído desnatado e fermento lácteo.
» Iogurte integral de mel: leite pasteurizado integral e/ou leite reconstituído; xarope de açúcar, preparado de mel (xarope de açúcar, água, mel, amido modificado, açúcar, conservador sorbato de potássio, espessante goma xantana, acidulante ácido cítrico e aromatizante), proteína concentrada de leite; soro de leite em pó e fermento lácteo. Ou seja, ultraprocessado.