Sem as injeções que Larissa Borges, de 9 anos e meio, toma a cada 28 dias, talvez a menina já tivesse menstruado e sua altura seria de mais ou menos 1m52. Ela está no 15º mês de tratamento para a puberdade precoce. A primeira injeção a fez chorar muito, mas depois se acostumou. A professora da menina sabe que, uma vez por mês, em uma segunda-feira, a estudante se ausentará das aulas para tratamento.
Em janeiro do ano passado, ao ajudar a filha Larissa a lavar o cabelo no banho, Eliana Borges, de 38, enfermeira, notou que começavam a aparecer brotos mamários. “Ela tinha acabado de fazer 8 anos. Não estava muito exagerado, mas estranhei”, relembra. Levada ao pediatra, o médico afirmou que poderia se tratar de puberdade precoce e que a menina deveria ser examinada por um endocrinologista.
Começaram os exames. O raio X da mão esquerda apontava que a idade óssea de Larissa era de 12 anos, ou seja, quatro a mais que a idade cronológica da menina. Em geral, a diferença não pode passar de seis meses. “No início, fiquei desesperada, mas a médica me acalmou”, conta.
Era o momento de decidir sobre o bloqueio hormonal ou não. Os pais não tiveram dúvida e cerca de 20 dias depois do diagnóstico foi dada a largada. De alto custo, o plano de saúde da família paga o tratamento. No entanto, muita gente recorre ao governo para conseguir o medicamento. A triptorrelina, segundo a endocrinologista pediátrica Leandra Steinmetz, bloqueia a secreção dos hormônios e mantém os níveis hormonais baixos, de modo que atrasa a menstruação.
Agora, a idade óssea de Larissa difere de sua idade cronológica em apenas seis meses e, com toda inocência de criança, a mãe conta que toda vez que vê uma senhora mais baixinha, pergunta: “Mamãe, será que ela menstruou nova? Será que ela tinha o mesmo problema que eu?”. A mãe acha graça e diz que não sabe. Assim como também não sabe quando as injeções da filha serão suspensas.
FASE COMPLICADA
FASE COMPLICADA
O período da adolescência, quando a puberdade está à flor da pele, costuma ser uma fase complicada tanto para quem está deixando de ser criança quanto para quem vê os filhos mudarem não só o corpo, como também o comportamento. Mas, e quando a puberdade começa mais cedo, sem acompanhar a maturidade da criança e sem que ela ainda seja uma adolescente?
A puberdade é o processo de maturação biológica, que, pelas modificações hormonais, culmina no aparecimento de caracteres sexuais secundários, como mamas e pelos pubianos, na aceleração da velocidade de crescimento e, por fim, na aquisição de capacidade reprodutiva da vida adulta. Ela é precoce quando ocorre antes dos 8 anos em meninas e antes dos 9 em meninos, e é cada vez mais frequente.
As meninas são as principais vítimas dessa maturação adiantada. “Não se sabe exatamente por que a puberdade precoce é mais comum em meninas, mas acredita-se que fatores ambientais, psicossociais, genéticos e hormonais sejam mais prevalentes e determinantes no aparecimento das características sexuais secundárias nas meninas do que nos meninos”, explica a endocrinologista pediátrica Lauriene Pereira. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a puberdade precoce ocorre de 10 a 23 vezes mais com as mulheres e a maior parte dos casos é idiopática, ou seja, sem causa definida.
Leandra Steinmetz, médica assistente de endocrinologia pediátrica do Instituto da Criança do HC, da Faculdade de Medicina da USP, afirma, no entanto, que, embora mais comum em meninas, é nos meninos que a puberdade precoce costuma ser mais negligenciada. “Como o primeiro sinal é o aumento do volume testicular, muitos pais demoram a notar. Normalmente, notam quando aparecem pelos e a puberdade já está mais avançada”, explica. Portanto, é importante fazer o acompanhamento anual com pediatra.
Sobre o tratamento, Luís Eduardo Calliari, professor assistente da Faculdade de Ciências Médicas e médico assistente do Departamento de Pediatria da Santa Casa de São Paulo, explica: “As crianças que apresentam desenvolvimento dos caracteres sexuais precocemente devem ser examinadas, e, em muitos casos, precisam ser tratadas. O principal objetivo do tratamento é impedir que a criança chegue à puberdade antes do tempo desejado e possa, assim, manter seu desenvolvimento cronológico compatível com a idade óssea”.
PREJUÍZOS
O principal prejuízo para a criança com puberdade precoce diz respeito ao crescimento. “Aqueles que têm puberdade precoce costumam ser crianças grandes e adultos pequenos”, afirma o endocrinologista Flávio Cadegiani. O estirão de crescimento delas começa mais cedo, mas também termina antes.
O ciclo de crescimento dos meninos e das meninas é diferente. O estirão delas é no início da puberdade e, depois da menarca (primeira menstruação), ela vai crescer no máximo 7cm. O estirão dos meninos ocorre no final da puberdade, e eles crescem até os 17 anos de idade óssea. “Do ponto de vista social, tudo que cause uma diferença entre a criança e o coleguinha é ruim”, afirma a endocrinologista pediátrica Leandra Steinmetz.
Segundo Cadegiani, meninas que tiveram a primeira menarca muito cedo podem entrar na menopausa também mais cedo. “Isso é um problema, porque estamos tendo filhos cada vez mais tarde e essa mulher pode vir a ficar infértil precocemente”, explica. Além disso, há estudos que associam ao risco de algumas doenças no futuro. “A maior exposição ao estrogênio pode aumentar o risco de câncer de mamas, de ovários, obesidade e também doenças cardiovasculares”, afirma Lauriene Pereira.
As causas
São diversas as possíveis causas da puberdade precoce. A maior parte é idiopática (sem causa aparente) ou orgânica, como tumores e meningite, por exemplo. É importante ressaltar que, apesar de os pais poderem carregar o gene para puberdade precoce, ela não é hereditária. As meninas tendem a menstruar pela primeira vez próximo à idade da primeira menstruação da mãe, mas também não é uma regra.
>> Administração de hormônios de forma indevida, seja via oral (com medicamentos ou suplementos)
ou cutânea (alguns cremes ou pomadas com estrógeno na composição)
>> Obesidade
>> Síndrome de McCune-Albright
>> Hiperplasia adrenal congênita
>> Em casos raros, hipotireoidismo
>> Se tiver recebido tratamento com radiação no sistema nervoso central, como os utilizados para tratar tumores e leucemia, entre outros.