“Tristeza não tem fim. Felicidade sim. A felicidade é como a pluma. Que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve. Mas tem a vida breve. Precisa que haja vento sem parar.” Os versos da canção A felicidade, composta por Antonio Carlos Jobim (Tom Jobim), Vinicius de Moraes e André Salvet, está no imaginário de muitos como a melhor definição desse estado de espírito buscado pela humanidade. Interpretada de maneira particular e de forma distinta, dependendo de cada cultura, a única certeza é que a felicidade é transitória e pode mudar de acordo com a visão de mundo, estilo de vida, crença e espiritualidade. A questão é que ela não depende só do querer e é afetada pelo meio. É impossível viver numa bolha, ignorando todo o resto (talvez os alienados).
Por isso, em tempos turbulentos como vive o planeta, com as mazelas humanas exacerbadas, direitos adquiridos em retrocesso, ideias retrógradas em execução, autoritarismo, preconceito, xenofobia, acirramento de pensamentos, falta de tolerância, enfim, o homem mais uma vez na história revela a verdadeira face, traduzida na célebre frase do filósofo inglês Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do próprio homem”. Ele é o seu maior inimigo, explorador por essência, e tem como prioridade o individual, em vez do coletivo. Daí a impossibilidade de manter a felicidade por muito tempo.
A felicidade individual depende do todo. Assim, o cenário que se apresenta nesta segunda década do século 21 é de uma felicidade em tempos sombrios. Entre luz e sombra, há uma grande área cinzenta, na qual as pessoas desta época lutam para viver o regozijo que levaria ao deleite da felicidade. Mas a verdade é que o momento nos faz lembrar a obra Homens em tempos sombrios, de Hannah Arendt, filósofa, judia e política alemã, na qual reuniu ensaios biográficos de homens e mulheres que viveram os “tempos sombrios” da primeira metade do século 20, marcados pela emergência do totalitarismo, na forma do nazismo e do stalinismo. Mergulhando em mundos internos tão díspares, como os de João XXIII, Rosa Luxemburgo, Bertold Brecht e Walter Benjamin, Hannah Arendt nos submete a uma reflexão apaixonada e, por vezes, implacável, dos erros e acertos dessas personalidades, suas culpas e vitórias e responsabilidades e irresponsabilidades perante a realidade que enfrentaram.
O fundamental é que a beleza desses relatos reside na sólida crença de Hannah Arendt na solidariedade e dignidade humanas, valores morais capazes de impedir o triunfo do niilismo e do totalitarismo, numa época de experiências catastróficas. Nesse cenário, o Bem Viver hoje convida o leitor a mergulhar no conceito e na vivência da busca da felicidade em tempos sombrios, ainda que, se distantes do retratado pela filósofa, certamente com outros temores e iguais desafios. E quem ajuda a compreender essa eterna busca do homem é a médica psiquiatra Sofia Bauer, que passa a integrar o time de colunistas do Estado de Minas, com publicação semanal no Bem Viver a partir do dia 25. “Felicidade é o bem-estar. Estar de bem com a vida para enfrentar atropelos e dificuldades. Curtir cada momento bom e até mesmo algo difícil, encarando de forma mais simples e prática como lições da vida. Não existe estado de felicidade permanente. E se se ficar nesse estado, podemos considerar doença. O que chamamos de felicidade é ter um bom engajamento social, amigos, família, além de uma vida com propósito, que nos faz fluir.”
Sofia Bauer assegura que a felicidade é para todos. “Os estudos mais modernos de psicologia positiva (PP) apontam que todos podemos aprender o comportamento otimista copiando o que estes fazem para viver uma vida mais feliz. E que são coisas simples. Carol Dweck, professora de psicologia na Universidade de Stanford, demonstrou em seu livro, Mindset, que podemos mudar nosso cérebro, adaptando e recalculando a rota de vida. Sair do pessimismo e encarar que há possibilidades de educar nossa mente a pensar positivamente. Assim, devemos espalhar essa boa-nova ao mundo e ensinar cada vez mais as pessoas a florescer em seus potenciais, fazendo o que gostam, com suas melhores habilidades. E nada é complicado. Apenas mudanças de hábitos corriqueiros.”
MEDOS Além das questões mundiais e do Brasil, Sofia Bauer destaca outros cenários sombrios que reincidem sobre a felicidade. “Nos dias de hoje, com vida multitarefas, com riscos de assaltos, assassinatos, roubos, falta de emprego e medos em geral, nós, brasileiros, estamos com o maior índice de ansiedade do mundo – 9,3%. Por isso, recomendo desacelerar e viver o simples. Encontrar os seus desejos, que se tornarão seu caminho. Uma jornada em busca do que acende uma chama e se encontra pelo caminho com um chamamento que vem de fora. Descobrindo um 'para quê viver', um 'propósito', para, assim, ser descoberto por uma ideia, pessoa ou situação em que vai colocar o significado de uma trajetória fértil nesta vida. Assim, tudo vai fluir, fazendo a vida ser melhor.”
Sofia Bauer enfatiza que tempos sombrios sempre existiram. Ela também os traduz como “viver a correria desenfreada, sem tempo para saborear a vida. Todos estamos sofrendo desse mal terrível. Mas tempos sombrios, para mim, seriam a fome, a falta de teto e doenças não curáveis. Como lidar com isso? Entender que, hoje, o mundo segue para a abundância. Mas devemos levar essa abundância às populações que precisam. Países como Israel estão levando tecnologia de energia solar a pequenas vilas da África para gerar luz elétrica e desenvolvimento mínimo às crianças de lá, inclusive saúde”. Então, a psiquiatra lembra que “devemos aprender a lidar com mais otimismo. Assim, se você aprende a focar sua mente naquilo que é bom, tem mais força para enfrentar dificuldades, não como problemas, mas sim desafios da natureza que vão aparecer. Torna-se mais resiliente”.
Por outro lado, Sofia Bauer deixa bem claro: “Felicidade eterna não temos. Mas é possível termos bons momentos de felicidade plena. E devemos procurar o bem-estar e ter equilíbrio entre as dificuldades que todos vivemos ou já passamos e o olhar ao bom e positivo nas horas difíceis. Assim, passamos a tempestade com mais facilidade. A busca pela felicidade não tem um fim, mas sim uma jornada, o caminhar sendo feliz por etapas e, inclusive, recalculando a rota de tempos em tempos, já que a vida muda por etapa (jovem, noivos, casamento, filhos, velhice, trabalho etc.). Felicidade é viver o presente bem vivido, seja ele como for. Encarar com esperança, ter desejos e correr atrás deles, se esforçar, exercitar, meditar, apreciar o belo e se aceitar, dando-se permissão para ser mais humano”.
Entre a penumbra e a nitidez
Os tempos mudam, mas a busca pela felicidade se mantém fiel ao desejo humano de amor, afeto e confiança. Com a descrença generalizada, receitas são fabricadas, mas é preciso cuidado
Lilian Monteiro
O que você quer da vida? Ser feliz! A resposta faz parte de um anseio quase unânime. Agora, ser feliz em tempos sombrios soa quase como impossível. Será? A pós-doutora em psicologia clínica Maria Clara Jost, da Tip-Clínica, faz uma reflexão nada superficial do que o mundo “doente” está passando. E começa lembrando Homens em tempos sombrios, título de um famoso livro da filósofa alemã e judia Hannah Arendt, escrito ao longo de 12 anos. A obra tem como pano de fundo a reflexão sobre personalidades que viveram “em tempos sombrios”, na qual ela própria poderia se incluir, pois viveu na própria carne, mesmo que refugiada nos Estados Unidos, os horrores do nazismo. “Talvez, pudéssemos caminhar por aí e por muitas outras estradas para refletir sobre felicidade em tempos sombrios. Interessante essa retomada do termo. Estaríamos vivendo tempos de sombra? E o que seria isso? Sombra é algum espaço que não está claro, mas também não está escuro. Onde se enxerga, mas não com nitidez. Espaço onde a percepção das imagens aparece obscurecida, enevoada, embaçada. Meio luz, meio sombra. Penumbra.”
Que tempos são esses? Para Maria Clara Jost, são tempos confusos. Tempos de indefinição, de incertezas, de inseguranças, de dúvidas, de não saber. “Tempos de sombra. Contudo, as buscas humanas são as mesmas: segurança, confiança, vínculos, relações, reconhecimento, dignidade, respeito, amor, alegria, felicidade. Porém, como responder a essas buscas fundamentais em tempos de sombra? Seria possível? A fórmula de felicidade que valia em tempos de outrora ainda valerá para hoje?”
SIMULACRO E ESPETÁCULO São muitas as perguntas. Maria Clara Jost explica que a felicidade era vista como o resultado do empenho e da convicção na busca de valores e ideais mobilizados pela possibilidade de realização de si mesmo, da construção de vínculos de afeto e cuidado, pela construção da confiança em si, nos outros e no mundo. Enfim, era o resultado de um movimento que se direcionava para fora do si mesmo autocentrado. E em tempos sombrios? A cultura da contemporaneidade prega uma descrença generalizada em tudo que seja duradouro. Vivemos em um tempo superacelerado, que hipervaloriza o prazer, as sensações, o imediato e, obviamente, o superficial. Do ponto de vista afetivo, incentiva-se a não construção, o não compromisso, o não enraizamento, o não vínculo. Quer-se a conexão rápida, rasteira e superficial. Quer-se consumir, coisas e pessoas. “Vivemos a cultura do simulacro”, dirá Baudrillard (sociólogo e filósofo francês). “Vivemos a cultura do espetáculo”, sublinha Debord (escritor e pensador francês).
Então, como ser feliz? Maria Clara Jost entende que, certamente, existe uma busca por felicidade que parece inatingível. “Humanamente, ainda somos os mesmos. Ainda buscamos amar e ser amados e, quando não podemos sequer acreditar na possibilidade de estabelecer vínculos confiáveis, sofremos. Não é por acaso que a depressão é o mal de nosso século.” Sabendo disso, a psicóloga avisa: “A mídia da cultura hodierna nos oferece todos os dias receitas de felicidade. A prescrição seria consumir e aparecer. Quanto mais temos coisas, mais apareceremos, mais importantes, mais valorizados, enfim, mais felizes. Será? Será que o sofrimento individual e coletivo desses tempos de sombra não seria um sinalizador de que estamos no caminho errado?”
VIRAR O JOGO Todavia, Maria Clara Jost lembra que não se pode voltar atrás. De fato, o contexto à nossa volta mudou. “Somos os mesmos sim, mas também somos radicalmente diferentes de tudo o que nos precedeu. Porém, ainda podemos “virar o jogo”. Não somos obrigados a engolir tudo o que nos oferecem. Podemos dizer não ao hiperindividualismo, à indiferença, à frieza, ao parecer ser. Podemos decidir ir ao encontro, estar presentes, fazer laços, cuidar, comprometer-nos, responsabilizar-nos. Podemos querer construir relações e fazer de nós um alguém confiável, amável, um porto seguro em momentos de tantas incertezas. Certamente, se não podemos mudar o mundo, podemos, cada um de nós, fazer diferente.”
Maria Clara Jost enfatiza que não é preciso se afundar na massa. “Podemos resistir e lutar. Acreditar na possibilidade de uma resposta positiva. Isso é 'contrapor-se'. E é possível 'opor-se' sempre. Podemos nos 'dispor' a enfrentar e lutar contra a corrente ideológica que nos diz que devemos ficar apaticamente 'deitados à sombra'.”
A felicidade não é para os fracos. Como bem alerta Maria Clara Jost, como nos dirá o neuropsiquiatra austríaco Viktor Frankl:“Se não fizermos a nossa parte o melhor que pudermos, o mundo, que já está numa situação ruim, vai piorar.” Então, propõe a psicóloga, “refaço o convite: por que não nos juntamos à minoria e buscamos fazer o melhor que pudermos? De fato, se existe sombra, é sinal evidente da presença de luz. Mesmo que escondida. Se for assim, podemos olhar para além das nuvens e usar nossa liberdade, que é constitutiva do humano, para erguer hoje a nossa felicidade. Felicidade esta que continua sendo, como em outros tempos, resultado da busca da construção de vínculos e de compromissos com um outro ser humano. Relações de afeto, que possam ser confiáveis para nós e para o outro. O resultado dessa edificação é, inevitavelmente, no presente, passado e futuro, a tão buscada felicidade”.
De dentro pra fora
A tecnologia, o universo digital e a felicidade. A era pós-moderna, pós-industrial ou neoliberal marca o momento histórico em que vivemos. Agora, lidamos com a pós-verdade. A cultura do narcisismo e a sociedade do espetáculo avançaram para a cultura da selfie e, com a intensificação desses conceitos, interessa analisar como eles afetam a vida e os sentimentos humanos. Inez Lemos, psicanalista e escritora, afirma que a tecnocultura está produzindo transformações profundas no campo das relações inter-humanas. A maioria hoje se comunica pela máquina e não mais pela presença física. Poucos se interessam em encontrar. O celular tornou-se o principal espaço de comunicação, e as redes sociais a sala de visitas onde os encontros se realizam. “Pela internet, enviamos fotos, postamos opiniões, compartilhamos aspectos de nossas vidas pessoais. A mania de postar quase tudo acabou por gerar uma disputa entre quem melhor conquista algo inusitado e grandioso. A vida não quer apenas os 15 minutos de fama, ela exige mais.”
Nesse cenário, Inez Lemos alerta que a tirania da felicidade, do prazer, a obrigação de mostrar o sorriso de alegria e satisfação acabou provocando seu contrário. “Em Selfie, logo existo, o psicanalista baiano Marcelo Frederico Augusto dos Santos Veras debate a questão com propriedade. Como ser feliz por pressão, como ganhar a corrida da felicidade? Há uma imposição sobre o bem-estar. O sujeito não pode assumir os fracassos, as frustrações, tristezas e angústias. O mal-estar na civilização se rompeu. Agora, é como, dentro da lógica do absurdo, da inverdade, da incivilidade, do mundo fake, da desconstrução do amor e da esperança, encontrar algo que nos faz felizes.”
DIVINDADES Inez Lemos explica que felicidade é o nome que damos para explicar o encontro do eu com o inconsciente, ou seja, “quando conseguimos realizar um desejo que nos era obscuro, mascarado, algo com que sempre sonhamos e, com o tempo, talvez com anos de análise, descobrimos”. Esse encontro, enfatiza a psicanalista, que toca entranhas, dialoga com nossas divindades, é o que podemos chamar de felicidade. Algo que diz do sujeito, que o revela. Só nos sentimos felizes quando realizamos algo por nossa conta, quando colocamos muito de nós naquilo que fazemos. Aí sim, sentiremos uma alegria interna, uma sensação de plenitude, pois foi algo conquistado de dentro para fora”.
Portanto, destaca Inez Lemos, há um equívoco quando os pais se esforçam para dar tudo aos filhos, poupando-os da peleja da conquista. “Não há sentido senão naquilo que fazemos por desejo próprio. O esforço é o caminho seguro que nos leva à felicidade. Quanto mais vivemos uma vida que não é nossa, acreditamos em narrativas falsas, compramos sonhos alheios, estilo de vida imposto, mais infelizes seremos.”
Para Inez Lemos, a vida atual convoca à infelicidade, à medida que chama o sujeito a circular fora de sua subjetividade, distante de seu núcleo identitário. “Se ele não se reconhece no que produz, impossível extrair satisfação. Temos, como bem nos lembrou Karl Marx, de deixar, em nosso trabalho, nosso rosto impresso. E para completar, lembramos Freud: “Cada um deverá, à sua maneira, descobrir a forma de se realizar. Não há uma chave de ouro para nos salvar'.”
Para Ler...
O livro Felicidade: modos de usar é resultado do debate entre os pensadores Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé, em comemoração aos 15 anos da Editora Planeta no Brasil. Durante uma hora e meia, os três discutiram o que é felicidade, o que ela significa, que caminhos podem nos levar a ser pessoas mais felizes. Como sempre fazem, citaram outros filósofos e pensadores, deram exemplos pessoais e terminaram mostrando que ser feliz é possível – não o tempo todo, mas é possível para todos.
Abaixo, um petisco do que você vai encontrar
ao longo das 160 páginas.
“A felicidade é, no meu entender, um momento de vibração intensa da vida no qual você se coloca, inclusive com a compreensão de que aquele momento já poderia morrer”
Mario Sergio Cortella, filósofo, escritor e doutor em educação
“Ser feliz é tão obrigatório que ninguém mais pensa em ser feliz, mas apenas em aparentar essa felicidade,
o que é uma percepção fina, curiosa e muito
perspicaz sobre o nosso mundo”
Leandro Karnal, doutor em educação,
professor e escritor
“Não haveria a possibilidade de experimentar a
felicidade fora da autenticidade”
Luiz Felipe Pondé, filósofo, escritor, ensaísta e
pós-doutor em epistemologia
Felicidade: modos de usar
Autores: Mario Sergio Cortella, Leandro Karnal e Luiz Felipe Pondé
Editora Planeta, 160 páginas, R$ 42,90
Uma questão de conduta
Fazer política, ser feliz ou viver bem em tempos sombrios implica fortalecer a expectativa e a
vontade de transformar. Cada um tem de decidir se assumirá um papel proativo ou só vai reclamar
Felicidade em tempos sombrios. É o atoleiro em que estamos e só nós mesmos temos o poder de sair deste terreno pantanoso. Viviane Mosé, doutora em filosofia, especialista em políticas públicas, poeta e psicanalista, antes de mais nada, explica que “felicidade é uma ideia, uma abstração. Estar feliz diz respeito a atingir um determinado ideal de vida, de si mesmo, de família, de trabalho, de mundo. Exatamente por ser aberto e abstrato, este ideal é sempre preenchido por demandas do mercado”.
Portanto, alerta Viviane Mosé, “tem sempre uma promessa de felicidade atrás de um móvel, de um carro, de uma roupa, de uma viagem e isso move a máquina do mundo, a máquina do consumo e, por isso, nos sentimos quase sempre infelizes porque estamos sempre buscando atingir um ideal de vida, de felicidade, de mundo e família, como já disse. Só que esse ideal nunca chega porque a vida, e aí vem o outro lado da moeda, é mudança, transformação e choque. A vida é luta, mas luta não quer dizer, necessariamente, ruim. Sexo é um tipo de luta e não é, necessariamente, ruim. Ser luta e ser conflito quer dizer choque. E ser choque não é algo ruim quando acoplado à ética, ao amor, ao afeto”.
Enfim, ser feliz em tempos sombrios, para Viviane Mosé, é antes de tudo “desconstruir a ideia de felicidade, percebendo que ela é também uma ideia que esconde a venda de produtos, esconde o que não temos e gostaríamos de ter, esconde a nossa fantasia e a nossa idealização.” Ao fim, enfatiza a filósofa, é a sabedoria de “olhar a vida como ela é”.
Viviane Mosé destaca que a vida, o mundo e a história passam por longos períodos de instabilidade. Na verdade, se contarmos são poucos os de paz: “Considerando o século 20, as guerras, o Holocausto, os conflitos das décadas de 1960 e 1970 no Brasil e no mundo, o Maio de 1968 na França são períodos altamente conturbados. Passamos alguma tranquilidade nas décadas de 1980 e 1990 e reclamávamos dela por falta de foco e luta. Então, o mundo passa por períodos sempre de crise”.
FRAQUEZA E DESÂNIMO A distinção do momento atual, avisa Viviane Mosé, “é que nós não estamos acreditando na possibilidade de mudança, estamos entregando os pontos. O que torna os tempos atuais sombrios não é o conflito que eles apresentam, mas é a nossa postura diante deles, que é de fraqueza e desânimo”.
Portanto, chama a atenção a filósofa e psicanalista, “fazer política, ser feliz ou viver bem em tempos sombrios implica fortalecer a expectativa, a vontade de viver, de transformar. Afinal, a nossa trajetória é limitada a cada um e é o que temos para viver hoje.”
Sem pessimismo, as rédeas do comando estão nas mãos dos homens e a decisão é particular, pessoal e individual: “Podemos trabalhar proativo ou jogar pedra e reclamar. O momento é tenso, difícil, mas se abre para grandes e incríveis transformações nestes tempos sombrios. Deveríamos ter prazer em viver num tempo de tanta desintegração, o que pode permitir mudanças em vez de nos submetermos a essa onda de escuridão e submergir nela. Afinal, esse é o ', nosso mundo, é o que temos.”
Para pensar
Para entender ainda mais as transformações do mundo e como tudo nos afeta, inclusive determinando o estado de espírito da felicidade, vale mergulhar nas páginas do livro A espécie que sabe, do homem sapiens à crise da razão de vozes, de Viviane Mosé. Nele, ela descreve uma jornada em direção ao pensamento filosófico por meio de uma linha, provisória e pontilhada, que parte do surgimento do Homo sapiens até os dias atuais. Especialmente em função dos impasses que vivemos, o eixo dessa busca é o ser humano, o seu modo de ordenação, o modo como foi cunhado como ser racional. Afinal, o que somos? O que nos tornamos? São perguntas essenciais no mundo contemporâneo. Por que chegamos até aqui? E de que modo podemos sair desse impasse?
SERVIÇO
A espécie que sabe, do homem sapiens à crise da razão de vozes
Autora: Viviane Mosé - Editora: Nobilis Vozes, 176 páginas, R$ 30
Blindagem contra acontecimentos externos
“A felicidade é você se tornar quem nasceu para ser, o que somente é possível por meio de um autoconhecimento profundo e de decisões e atitudes que possam propiciar essa transformação.” A afirmação é de Rosana Resende, professional & self coach, life coach, analista comportamental, máster reiki e advogada. Para ela, os tempos sombrios desta época se materializam na presença de uma “crise nas instituições, na família, na política, na economia. Ser feliz em tempos sombrios somente é possível quando você se responsabiliza por sua evolução, melhorando a cada dia, aprimorando-se como pessoa, profissional e espírito, não se deixando abalar pelos acontecimentos externos a ponto de sentir ansiedade e perder a alegria de viver.”
Rosana Resende revela que a busca pela felicidade é uma constante e esse estado de espírito se personifica de diversas formas. Muitos dos seus clientes desejam mudar o que estão sentindo e alguns têm como meta conseguir um emprego superior, iniciar uma faculdade, ter relações melhores com a família ou com as pessoas, aumentar a autoestima, ser mais comunicativo ou até mesmo superar uma doença. “Eles esperam alcançar a meta por meio da evolução pessoal, profissional e espiritual.” Para ela, o autoconhecimento é fundamental para a felicidade ser palpável. “Conforme nos tornamos mais amorosos e estáveis emocionalmente, é possível sentir felicidade no toque de uma flor, o vento no rosto ou o sol na pele.”
Ainda que muitos busquem ou acreditem em receitas pré-fabricadas, não há. A felicidade se realiza de maneira distinta para as pessoas. Mas Rosana Resende faz uma confidência que pode inspirar muitos a experimentar novos caminhos. “O segredo está em adquirir sabedoria associada à evolução interior. Onde você investe o seu tempo e dinheiro é onde você alcança o retorno daquilo que deseja. Se é em sabedoria e evolução interior, o retorno está em viver melhor, ter mais qualidade de vida e alcançar mais felicidade. Se for em viagens, o retorno será em passeios, e assim por diante.”
META Para Rosana Resende, a felicidade está nas pequenas coisas e nos momentos singelos porque, ao perceber a beleza contida nesses momentos, tudo a fará feliz. “Quem é feliz no pouco consegue ser feliz no muito. No entanto, quem só é feliz no muito se sente infeliz facilmente, porque o nível de exigência é constante e a felicidade em si não comporta muitas exigências. Se a pessoa se cobrar demais, a felicidade passa e ela nem percebe. Tanto é assim que existe a frase 'eu era feliz e não sabia'.”
Como life coach, Rosana Resende auxilia a pessoa na busca da felicidade, ampliando o autoconhecimento ao ponto de viver a experiência e atestar o que verdadeiramente a faz feliz. Descoberta fundamental para que ela possa prosseguir, tomando atitudes e decisões posteriormente. “Ensinamentos, treinamentos, técnicas e aumento da sabedoria são utilizados nesse processo. Durante o life coaching, a pessoa vai alcançar sua meta devido à sua própria transformação.”
Acolhimento de afeto e amor
A terapeuta corporal Raquel Negri, professora de ioga e idealizadora do Espaço Chama, se emociona ao afirmar que “me considero feliz, algo que conquistei, viver neste estado de espírito”. Em sua vida não há nada fake, não há espaço para o superficial, os relacionamentos são vividos. “Como terapeuta, busco, no dia a dia, a cada momento, estar presente e ser grata. Sempre procuro parar, pensar e ver o lado positivo das coisas, o que se tornou um hábito, mesmo em situações adversas. Tem dia que é complicado, mas é um exercício a que me propus. Há vibrações de vida diferentes e cabe-nos querer a harmonia.”
Para Raquel, além de valorizar as pequenas conquistas, faz-lhe bem estar em paz com a família. “Tem um valor grande na minha cota de felicidade. Equilíbrio nas relações. Acredito também na força de cada um fazendo a sua parte para contribuir com o todo e com todos.”
Agora, o fundamental para Raquel, ao pensar na felicidade, é que ela é fruto, essencialmente, “do afeto”. Para ela, “as pessoas precisam ser afetadas pelo afeto”. A terapeuta acredita que “dar atenção, olhar para o outro e fazer pequenas pausas são atitudes importantes” diante de uma sociedade que anda mais preocupada com dedos teclando e, assim, vai perdendo a conexão. “A felicidade é uma comunicação afetuosa, de acolhimento e amor. Eu procuro e cada um deveria ao menos experimentar agir assim em seu círculo de vivência. Com cada um mudando um pouquinho, o mundo seria melhor, com menos sombras. É um trabalho de formiguinha e começa desde ser gentil no trânsito até dar mais atenção ao filho. É como plantar sementes para colher atitudes, que, no futuro, serão naturais.”
RESPEITO Como iogue, Raquel Negri chama a atenção para a “Ahimsa, a prática da não violência, um dos preceitos da ioga, que começa com a gente mesmo. Ou seja, estar atento com o que nos violenta e, assim, estender o olhar e respeitar o outro. Se a ginástica dentro de uma academia o agride, não vá, escolha caminhar, praticar natação. Aí você passa a corrigir e dar outro rumo à vida na busca da felicidade, mesmo em tempos sombrios”. A ideia é tornar rotina a busca da paz interior, do autoperdão, do não julgamento, atitudes necessárias à transformação pessoal que, seguramente, afetarão o outro.