Jornal Estado de Minas

REPORTAGEM DE CAPA

Como pessoas mais velhas redescobriram sentimentos e prazeres

Rosana Hosken acredita que pessoas maduras querem bem-estar no relacionamento - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Só de imaginar encontrar um novo alguém, o coração começa a dar aquela palpitadinha. Há quem acredite que experiências acumuladas nos relacionamentos anteriores trazem uma certa sabedoria. Mas quando realmente ocorre, tudo é novo, e nada parece como antes. Afinal, cada ser é um ser. É claro que há vantagens, a fase de cuidar da família, dos filhos e da carreira está consolidada. Esse é um momento de repensar valores e criar expectativas para o que vai vir. Mas o que muda? O que se torna mais valorizado em um relacionamento para uma pessoa que já cruzou a linha dos 60?

Segundo a psicóloga Rosana Hosken, um relacionamento na terceira idade é mais calcado no presente e no que deixa a pessoa feliz e mais leve, enquanto jovens e adultos se preocupam muito com o planejamento do futuro. “Os filhos, se os tiveram, já estão criados.
A conquista profissional e financeira já alcançou patamares estáveis. O relacionamento se baseia no bem-estar”, salienta. Por isso, muitas vezes, pessoas maduras são vistas como impulsivas quando encontram um novo alguém. Segundo a psicóloga, a questão é mais sutil. “Como, depois de passar pelos labirintos da vida, ainda estou disponível para viver o amor? Essa resposta está dentro de cada um de nós, de como a entendemos. Maduros são afetivos e desejantes e estão a fim de viver e saborear até a 'última taça”, explica.
 
Hosken frisa que, se existe uma coisa boa de viver quando se envelhece, é a maturidade que se ganha. Primeiro, a juventude e toda a sua beleza, depois, a maturidade e o envelhecimento corporal.
“É preciso se desligar dos estereótipos sociais, ter uma aceitação do próprio corpo, curtir suas rugas, seus cabelos prateados, todo um processo conquistado para romper esses tabus e viver. E isso é um fator relevante para viver o amor”, conclui.

A história da assistente de educação Sônia Sueli Silva Diamante, de 60 anos, perpassa por momentos difíceis. Perdeu o primeiro marido em 2004 e passou por situações complicadas com a criação das filhas, o que a fez se fechar para o mundo. “Esses anos todos, entrei como se fosse na Idade Média da escuridão e nunca pensei em formar uma nova família com alguém por conta desses processos”, relembra. A morte da filha mais nova também foi uma situação a ser enfrentada, já que ela deixou três filhos, sendo o mais novo sob a responsabilidade da avó. “Começou tudo de novo, os cuidados com um bebê. Então, arranjar uma pessoa ficou mais difícil com uma criança dentro de casa”, salienta.
 
Com o crescimento do neto, Sônia Sueli resolveu entrar em um site de relacionamentos, buscando encontrar alguém com as mesmas crenças e afinidades. Depois de encontros furados com outras pessoas, ela encontrou o comerciante autônomo Otacílio Diamante, de 61.
“Foram os familiares dele que o colocaram na plataforma, por causa da situação triste em que se encontrava”, comenta. Os pombinhos foram trocando algumas mensagens até que não deu outra: se casaram. “Estamos bem e felizes”, diz a noiva.

VIRTUAL

Airton Gontow viu um nicho pouco explorado na população madura e aproveitou para criar um site - Foto: CoroaMetade/Divulgação

Sônia e o marido se conheceram no aplicativo CoroaMetade, plataforma de encontros exclusiva para pessoas maduras. O jornalista Airton Gontow é o desenvolvedor do site. Com a plataforma, ele percebeu que cada pessoa tem um pensamento diferente e único, mas de modo geral percebeu que o público maduro procura não só uma companhia, mas um companheiro ou uma companheira. “No início do site, costumava dizer que as pessoas maduras sabem o que querem. Hoje, após tantos anos à frente do site e falando cotidianamente com os usuários, posso dizer, com certeza, que quase ninguém sabe o que quer. Nem os mais jovens, nem os mais velhos”, afirma.

O jornalista conta que se separou aos 43 e, por dois anos, mesmo não sendo tímido, vivenciou as diversas dificuldades que um homem mais velho passa para encontrar uma nova companheira. Apesar disso, casou-se novamente aos 45. “Há cerca de sete anos, fui a uma festa de amigos que se formaram juntos na antiga oitava série e que não se encontravam há 30 anos.
No encontro, vi que 60% dos antigos colegas eram solteiros, viúvos ou divorciados. E nas conversas ouvi muitas queixas do tipo: “Pô, cara, companhia para uma noite eu encontro fácil. Mas uma companheira para a vida toda é tão difícil”. Voltei para casa pensando em criar alguma coisa para esse público. Aí surgiu a ideia de criar um site de relacionamento específico para o público maduro”, relembra.
 
Ele conta que há um grande preconceito e estigmatização acerca da afetividade e da sexualidade de pessoas que ‘já passaram da idade’, seja pela crença da moral e bons costumes ou por inseguranças. “Mas felizmente isso vem mudando rapidamente. Cada vez mais as pessoas mais velhas assumem que têm desejos e necessidades de amor, afeto e de uma vida sexual plena. Também os avanços na saúde proporcionam essa mudança comportamental”, conta.

Sônia Sueli aponta que é preciso ir atrás de novas experiências e aproveitar essas novas tendências com a internet, independentemente da idade. “A gente que trabalha, que tem uma certa idade e que não vai pra balada tem que entender que não é como nos tempos em que éramos novos”, comenta. Para ela, essa vivência desse flertes foi válida tanto para a vida sentimental quanto para a sexual.
“Foi bom. Gostei de me redescobrir, né. A gente tinha ou tem muitos receios, mas me senti viva novamente”, revela.
 
- Foto: Anima Mundi/Divulgação

Para esse público, existe um mix de receios, inquietações e falta de oportunidades para se relacionar dentro de ambientes digitais. “Apesar dos riscos e possibilidade de fakes, deve-se entrar com o coração aberto e acreditar que sempre é tempo para ser feliz. Mágoas e tristezas fazem parte da vida. Há milhões de pessoas em todo o mundo que se encontraram pela internet e hoje são casadas e felizes. É possível entrar com 100% do peito aberto. Mas também é preciso ter a mente 100% atenta”, conta o jornalista.
 
Para o empreendedor, o site serve para aproximar as pessoas, mas o que continua importando é a hora do encontro real. “O que vale é o olhar, o cheiro, o toque, o beijo, a energia. Não somos máquinas. Mesmo com toda a mecanização do mundo moderno, continuamos a ser, felizmente, absolutamente humanos. Humanos em busca de carinho e de amor”, finaliza. A assistente de sala de aula, depois de encontrar seu marido, diz acreditar em amor na maturidade. “Quando a flechinha acerta não tem como. Achamos que nunca acontecerá com a gente, mas aconteceu. Porque para entrar no casamento tem que existir amor mesmo, não tem jeito, pode ser um pouco fora de moda, mas agora acredito que existe sim”, finaliza.

* Estagiário sob a supervisão 
da subeditora Elizabeth Colares
 

 
Curta-Metragem: Guida
Direção: Rosana Urbes
O curta mostra a história de Guida, uma doce senhora que há 30 anos trabalha como arquivista no fórum da cidade, e que tem sua rotina entediante modificada ao se deparar com um anúncio para aulas de modelo vivo em um centro cultural. Através da sensibilidade criativa da personagem, o curta-metragem propõe uma reflexão sobre a sexualidade na velhice, quebrando preconceitos e estereótipos sobre a terceira idade, propondo a arte como agente transformador. O curta ganhou o primeiro lugar de desenho animado estrangeiro no Dublin Animation Film Festival. 
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