Sexo
. Palavra que causa sensações diversas em muita gente. Alguns encaram o assunto com
naturalidade
, outros como poesia, mas também há aqueles que ficam envergonhados ou agem com desdém só de ouvi-la. Se um ato causa tantas
divergências
, imagine quando a palavra se mistura com faixas etárias. Sexo na terceira idade? Isso existe? É pecado só de pensar? Quase ninguém fala sobre o assunto, mas é importante começar a falar mais abertamente sobre os cuidados e os
benefícios
de se manter na ativa depois da maturidade. “O
desejo
existe enquanto há vida e pode ser (re)descoberto e vivenciado em qualquer idade”, frisa a geriatra Cláudia Caciquinho. Viver a sexualidade em seu aspecto amplo melhora a autoestima, o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde.
A sexualidade, como conta a geriatra, é construída ao longo da vida, desde a infância, e engloba a história, sociedade, cultura e aspectos individuais de cada um. “Portanto, para viver bem a sexualidade é preciso que a pessoa esteja com a saúde adequadamente cuidada, que esteja bem na sua totalidade e que tenha
afeto
pelo outro e por si própria. Ter afeto é ser afetado por. É preciso que seja algo emocionalmente bom”, diz.
Na comédia original da Netflix Grace e Frankie, a
velhice
ganha um tom cômico e autêntico. As atrizes veteranas Jane Fonda (Gracie), de 81 anos, e Lily Tomlin (Frankie), de 80, têm suas vidas viradas de cabeça para baixo ao se divorciar após seus maridos revelarem que vivem um relacionamento
homoafetivo
há mais de 20 anos. A notícia cai como uma bomba para as duas, que se veem obrigadas a redescobrir a vida. Nas aventuras, as personagens transam, reforçam relações de
amizade
, enchem a cara, fumam maconha, têm frio na barriga em encontros com novos paqueras e viram empresárias do mercado erótico, ao fornecer vibradores para mulheres maduras. Tudo para desvencilhar a ideia de que a terceira idade é uma época de tédio.
SEM TABUS Na nova novela A dona do pedaço, da Rede Globo, há também um triângulo amoroso entre os personagens das atrizes Suely Franco, de 79, Nívea Maria, de 72, e do ator Ary Fontoura, de 86. Uma comédia romântica, que valoriza as tensões e
sentimentos
, independentemente da idade. Mas não é só na ficção que as pessoas estão abertas a enxergar a vida sem
tabus
. A professora aposentada Maria das Graças Ferrari de Carvalho, de 71, é uma dessas mulheres de fibra, que veem na maturidade uma oportunidade de aproveitar cada vez mais. Sexo? É visto com naturalidade por ela. “Faz parte da vida da gente. Quando não falamos sobre isso e nos tornamos polidos demais, a gente acaba virando refém dos nossos próprios sentimentos. Mas precisamos estar bem com a gente para depois levar essas
sensações
para o outro”, ensina.
A aposentada é casada há quase 50 anos com o policial civil aposentado Fernando Ferrari, de 75. Ela conta que estar há tanto tempo com o marido se deve ao fato de manter o
diálogo
sempre em dia. A mudança no corpo, a passagem pela menopausa, a falta de libido fazem parte da vida de um casal mais velho, mas esses processos ajudam na construção da união afetiva. “A gente conversa e aprende a lidar de uma maneira menos dramática. Uma perda de ereção ou dificuldade para a mulher é normal e pode ocorrer. A gente tem que ter consciência de que amor é muito mais que sexo. É claro que é bom, mas a relação tem que ter qualidade e não quantidade. Não dá pra fazer sexo todos os dias da semana, já passou essa época”, pontua. Para ela, é preciso
valorizar
nossos corpos e desenvolver a autoestima. “A gente envelhece, temos que nos manter
ativos
e lidar com os
prazeres
de forma natural e com consciência”, conclui.
LIBIDO
A geriatra Cláudia Caciquinho afirma que, quanto à ereção , sua qualidade é reduzida a partir dos 45 anos, de forma mais intensa nos homens que não cuidaram adequadamente de doenças comuns, como diabetes e pressão alta, ou não deram atenção adequada a fatores de risco, como tabagismo, sobrepeso, estresse e falta de atividade física. Essas questões afetam tanto o homem quanto a mulher. Porém, é vista com mais barreiras pelos homens, por causa da construção social institucionalizada da virilidade advinda dele. Por isso, muitos acabam contando com a ajuda do 'azulzinho'. “Os medicamentos que auxiliam a ereção são eficazes, mas se o paciente tiver doença cardiovascular importante, seu uso pode desencadear eventos cardíacos e até matar.
O seguro é consultar o médico antes de usá-los”, adverte. A mulher também é afetada por essas questões sociais, assim como por suas
crenças
e por suas vivências socioculturais. “Nela, esses fatores permeiam a
libido
e a excitação, que ocorrem em círculos, e não em uma sequência linear, como no homem”, pondera. Outra situação é sobre a
menopausa
, já que exerce um impacto muito grande sobre a sexualidade da mulher, como conta Cláudia Caciquinho. “A ausência do estrógeno gera ressecamento vaginal e ela pode, consequentemente, sentir dor na relação sexual”, exemplifica. Os lubrificantes vaginais são úteis para evitar essa dor e resgatar o prazer. “A reposição
hormonal
também resolve esse ressecamento, mas traz riscos e, por isso, precisa ser usada sob orientação médica”, aconselha.
ALERTA
De acordo com Cláudia Caciquinho, não existem cuidados específicos para o idoso. Apenas os mesmos que valem para qualquer idade, principalmente o uso dos preservativos . De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 4% a 5% da população acima de 65 anos apresentam alguma doença transmitida sexualmente. “O idoso de hoje iniciou a vida sexual quando não se falava tanto da necessidade do preservativo: não se habituou a usá-lo. Agora, quando as diversas medicações possibilitaram um aumento da atividade social do idoso, tem aumentado a ocorrência de doenças venéreas , como sífilis e HIV, nessa faixa etária. Precisamos alertar para esse risco ”, aponta.
* Estagiário sob a supervisão
da subeditora Elizabeth Colares
Palavra de especialista
Rita reis ferreira
, psiquiatra do Programa Terceira Idade, do Instituto de Psiquiatria (Ipq)do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP)
Carinho é imprescindível
“A sexualidade foi um tabu durante muitos anos. Acostumamo-nos a não falar sobre isso e a negar que ela faz parte da nossa vida
saudável
em qualquer fase. Assim, nossos pais e avós foram considerados por nós assexuados. Também as manifestações de carinho, não só o ato sexual, são, muitas vezes, parte da sexualidade. O ato sexual genital não substitui o beijo, o abraço, mas o carinho pode compensar quando o sexo genital não for possível. A sexualidade não desaparece com o passar do tempo. As pessoas se conhecem mais, conhecem melhor o parceiro e tudo pode ficar mais fácil. É importante, para tal, que as pessoas aceitem envelhecer, aceitem as mudanças físicas e estéticas da
velhice
, sem comprometer a autoestima e propiciando maior
plenitude
às vivências. O carinho é imprescindível na vida. Entre companheiros, o toque, o beijo, o abraço, além de manifestar
sensualidade
, supre o parceiro de afeto e compreensão, sendo tão importantes quanto o ato sexual em si. Os idosos de hoje procuram viver com qualidade. Isso implica exercício pleno das capacidades física e intelectual. A sexualidade é uma parte da vida e sempre pode ser exercida conforme a capacidade de cada um. Os homens que hoje têm mais de 65 anos ainda foram vítimas da educação machista, em que as manifestações de afeto não eram bem-vistas e nem sequer estimuladas, têm mais dificuldades de manifestar suas
emoções
. Já às mulheres isso sempre foi permitido, enquanto as manifestações da sexualidade eram reprimidas. Enfim, isso vem mudando e as pessoas poderão envelhecer com menos
preconceitos
.
Livro:
Velhice – Uma nova paisagem
Autora:
Maria Célia de Abreu
Editora Ágora, 153 páginas, R$ 32,49
A psicóloga propõe, neste livro, transformar visões e ideias preconcebidas a respeito do idoso. Partindo de estudos teóricos sobre a psicologia do envelhecimento e de vivências colhidas em grupos de estudos, ela propõe que a vida passe a ser encarada como uma estrada, que percorre diversas paisagens diferentes – nem melhores nem piores que as outras. Com exercícios de conscientização e exemplos práticos, a autora discorre sobre inúmeros assuntos pertinentes à velhice, como corpo, sexualidade, memória, perdas, luto e depressão.