Os bordados, as tecelagens, a tradição mineira de trabalhar com as mãos é praticada há muitas ge- rações. Mas com o avanço da tecnologia e a globalização, muitos desses ofícios foram se perdendo e poucos são os que se interessam por habilidades como corte e costura, tecer crochê e tricô, criar desenhos com a agulha.
Mas justamente do ofício artesanal vem uma nova oportunidade de trabalho e renda para as moradoras do Córrego do Feijão, em Brumadinho: lá, quem quer aprender e se distrair dos fantasmas pós- rompimento da barragem da Vale, tragédia que vitimou centenas de pessoas na região, é bem-vindo para participar das oficinas do projeto Confio. Idealizado pela brigadista voluntária e artesã Janaína Pinheiro, em parceria com a ..., o projeto recebeu apoio e não para de crescer. Quem participa gosta de aprender e vê na oportunidade uma alternativa para gerar renda após o quadro de desemprego na região, além de aprender, estar junto, conversar, passar o legado aprendido para as novas gerações.
“Como sou brigadista e atuei no apoio ao resgate da comunidade do Córrego, alguns dias depois do rompimento comecei a dar aulas de crochê para as mulheres e crianças de lá. Desde esse início foi muito gratificante. Algumas não sabiam nada da arte manual e outras conheciam um pouco, mas mesmo quem nunca pegou em uma agulha recebeu a iniciativa muito bem, de coração aberto. Muitas diziam que o crochê era a 'terapia' delas. Aos poucos, conseguimos um local e material para continuar as aulas, por meio de doações de matéria-prima e apoio de pessoas interessadas em fazer algo. Hoje, somos um grupo de 10 mulheres e adolescentes”, conta a professora.
A aluna Maria da Conceição da Silva, de 50 anos, vai para as oficinas ao lado da filha mais nova, Érika Ellen Silva Almeida, de 15. “Logo após a tragédia, ficamos com a cabeça muito perdida, sem saber o que fazer. Eu mesma fiquei sem trabalho, pois fazia faxina em sítios, e perdi uma patroa, que era como se fosse minha mãe. E, então, a Janaína apareceu para ajudar a gente, dando apoio. Como já gostava de artesanato, tem sido uma bênção aprender, receber esse carinho, levar a produção para ser vendida em Casa Branca. Gera um pouco de renda e é bom para distrair”, destaca Maria, a mais nova artesã do pedaço.
"Projeto Confio permite a moradoras do Córrego do Feijão desenvolver trabalhos manuais e gerar renda como sou brigadista e atuei no apoio ao resgate da comunidade do Córrego, alguns dias depois do rompimento comecei a dar aulas de crochê para as mulheres e crianças de lá. Desde esse início foi muito gratificante”
Janaína Pinheiro,
brigadista, artesã e idealizadora do projeto Confio
AUTOESTIMA
Ensinar um ofício e criar uma rede de oportunidades também é o mote do projeto Costurando Sonhos, iniciativa do estilista Victor Dzenk em parceria com as coaches Ana Clemente e Iolanda Miranda, que funciona em Lagoa Santa, com aulas aos sábados. Chegando ao fim do primeiro módulo, que ensinou mulheres de baixa renda a produzir utilitários com resto de tecidos, o criador é só expectativas. “Além de reduzir o descarte têxtil – o que é uma necessidade urgente da indústria da moda –, temos apoiado a formação de mão de obra especializada, inclusive, capacitada para trabalhar com máquinas de costura industriais. Nosso plano é seguir em frente, formando alunas, até mesmo especialistas na confecção de vestidos sofisticados”, anseia ele.
Apesar de diferentes e de ocorrerem em contextos totalmente distintos, os projetos têm objetivos em comum: ensinar um ofício, resgatar saberes artesanais, e, acima de tudo, promover o empoderamento de comunidades carentes. A possibilidade de transformação e de elevar a autoestima dessas pessoas por meio da arte funciona como ideal de gente que parte para a ação.
“Essas mulheres precisam de motivação, e aprender o crochê e saber o quanto são capazes faz com que tenham ânimo para seguir a vida após uma tragédia como essa. Todos que estão ali ou ao redor perderam parentes ou amigos e a região nunca mais será a mesma. No entanto, acredito muito no potencial transformador da arte. E prova disso sou eu mesma, que resolvi aprender crochê há pouco tempo e não imaginaria chegar aonde cheguei. Para mim, é uma satisfação pessoal ver as alunas do Córrego se empenharem no mesmo caminho”, registra Janaína.
Dzenk também é taxativo ao falar sobre a crença no poder transformador da arte. “Quando essas mulheres veem que criaram um produto de excelência, que aquele objeto foi talhado pelas mãos e com habilidade, percebem que são capazes de muito mais, ganham poder, autoestima, enxergam novos caminhos e possibilidades.”
Como funcionam?
As aulas de crochê no Córrego do Feijão são abertas a qualquer pessoa da comunidade que queira participar. Janaína Pinheiro lembra que não é necessário saber fazer crochê para começar. Os encontros são realizados duas vezes por semana e já existe a expectativa de ampliar para mais dias. “Estamos nos preparando para intensificar mais esses encontros, pois queremos produzir peças para venda, de modo que gerem renda para elas. Qualquer pessoa da comunidade que queira participar será muito bem-vinda. Acredito que o crochê, além de ser uma excelente forma de arteterapia e trazer a possibilidade de elas se expressarem durante os encontros, pode também acrescentar como atividade financeira”, convida.
Já o projeto Tecendo Sonhos recebe inscrições de interessadas via web (no instagram@costurandosonhosvd por DM). Segundo o estilista, é feita uma entrevista com as interessadas, a fim de selecionar pessoas que realmente se encaixem na proposta, que é direcionada a mulheres de baixa renda. “Nosso projeto é capacitar, e lembrar a essas mulheres que tecer sonhos é mesmo possível.”
Que o diga Conceição, para quem a participação na oficina de crochê em Brumadinho configura chance de deixar um legado para o futuro. “A cada dia de aula aprendo alguma coisa nova e a minha filha também. E quero levar esse aprendizado para o futuro, para as próximas gerações.”
palavra de especialista
Thaís Mol Alvares da Silva*
empreendedora cultural e gestora do projeto Confio
O poder da união
“Moro em Brumadinho há seis anos e a tragédia do rompimento da barragem mudou radicalmente minha postura em relação ao local. Desde então, direcionei iniciativas profissionais para lá. São iniciativas que objetivam uma nova visão para o vilarejo, em que a economia criativa esteja presente em prol do desenvolvimento da comunidade. Nesse convívio, me envolvi com o Confio, projeto em que a participação e o apoio do Instituto Kairós, especialistas em tecnologia social, tem sido fundamental.
Estamos juntos há seis meses e, desde então, me dispus a auxiliar a encontrar recursos para que o projeto pudesse crescer. Até agora, a iniciativa já conta com o apoio do Instituto C&A (que atua em comunidades e presta auxílio para situações de emergência), a da SAP, empresa de tecnologia com sede em São Paulo.
Graças ao trabalho de todos, seguimos com a expectativa de que o Confio possa gerar muito para a vida das mulheres que ali estão. Temos muitos sonhos, de ter uma rede forte de mulheres que possam trocar experiências e saberes, desenvolver um artesanato com características e histórias da região, criar um corredor de artes em Brumadinho que seja reconhecido e tornado como um trajeto das artes nacional. Quando a gente cria e convida a criação para fazer parte do cotidiano de todos, permitimos que a realidade possa ser ampliada e nosso cotidiano fica mais vivo, mais alegre, mas convidativo.”
* Formada em comunicação social pela Puc-MG
e pós-graduada em moda e em cinema