Durante uma entrevista ao vivo no Instagram do Estado de Minas, com foco em como conter a ansiedade em tempos de coronavírus, a maior parte das perguntas dos leitores, enviadas para a especialista, eram, claro, marcadas pelo pânico. "Como evitar a contaminação? Álcool gel caseiro funciona?" e por aí vai. As respostas à maior parte dessas dúvidas, orientamos, já estão na capa do site do jornal.
Garimpando o debate para recobrar a sanidade mental, conversamos com Rita Almeida, psicóloga e psicanalista, conselheira pelo Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. "Para não se contaminar com o vírus, as pessoas se contaminam com as notícias", disse a especialista, que recomendou filtrar fontes confiáveis de informação e evitar o excesso. Leia transcrição da entrevista e compartilhe com quem você considerar útil neste momento.
Como conter a ansiedade ante o avanço da pandemia do novo coronavírus?
Curiosa essa provocação. Hoje, em um Uber, o motorista comentou que há um 'clima muito estranho no ar' por causa do coronavírus. Eu disse que sim, que essas coisas interferem nas nossas vidas. Ele disse que está tentando se manter calmo, manter o trabalho, mas que ele às vezes é tomado pelo pânico. Perguntei o que causava esse pânico. E ele respondeu: 'É muita notícia". E acho que ele tem razão, foi bem preciso. Obviamente, as informações nos ajudam na proteção e cuidado. Mas há excesso de mensagens que recebemos no Whatsapp e muitas vezes elas são diferentes, conflitantes… Os chamados 'especialistas' aparecem em todo lugar para dizer suas opiniões. Acho que este excesso deve ser evitado, já que isso não ajuda.
Ao produzir e monitorar a performance das notícias, percebemos interesse do leitor mais pelas notícias negativas. Por que isso ocorre?
Psiquicamente, a gente sempre tende a ir pelo negativo. Inclusive a própria imprensa explora isso ao nos convocar por essa via. Mas o que nos convoca é o afeto, isso não é do campo racional: a gente se afeta muito quando sente medo, quando se desespera de alguma maneira. O que temos que fazer é tomar entendimento de que isso é uma coisa que nos convoca ao medo. Como eu disse ao motorista do Uber: que era para cuidar, se as notícias excessivas estavam provocando mais ansiedade do que ajudando, sugeri isso: restringir as fontes de informação que você busca, buscar canais oficiais e de confiança, para limitar e filtrar a forma de acessar essas informações.
O leitor Diego Cel pergunta: o cuidado em excesso pode fazer com que as pessoas se tornem neuróticas?
Quando a gente vive uma situação como essa, que para muitos de nós é a primeira que nos coloca diante desse risco, há duas reações possíveis: uma negação, de quem entra na paranoia inversa com teorias da conspiração é a primeira. A outra é um pavor, que é excesso. Quanto à neurose, se tomarmos o termo no sentido corriqueiro, todas as duas são reações neuróticas, porque não são adequadas. As duas te paralisam, te impedem de fazer as coisas que você tem que fazer. Em uma, você se coloca em risco - sai na rua, se mobiliza em tumultos etc - e na outra, você fica completamente fóbico, se pudesse se embalsamava com álcool gel e ficava debaixo da coberta. O ideal não é nem uma coisa nem outra. A gente precisa tentar funcionar normalmente, sem se paralisar.
Pergunta do leitor Stanley Siqueira: E a ansiedade noturna? Como evitar?
A noite é só um reflexo do que vivemos durante o dia. Às vezes o que ocorre é que durante o dia vamos fazendo as coisas porque não tem como parar. Mas quando chega a noite, como em todas as situações, quando a gente deita a cabeça no travesseiro, aí vem tudo. Se a gente consegue, ao longo do dia, manter um equilíbrio, à noite isso se mantém. Mas é realmente complicado dormir se durante o dia houve uma ansiedade e angústia permanentes, se você ficou se contaminando com as notícias… porque é isso que as pessoas têm feito, para não se contaminar com o vírus, se contaminam com as notícias.
A leitora Letícia Cândida diz que não queria parar de treinar. 'Mas o box (de crossfit) vai fechar e eu vou ter que treinar de casa'. Ainda tem esse componente: o lazer e a distração habituais estão confinadas. O que é possível fazer dentro desses microcosmos para evitar que esses fechamentos acabem por nos bloquear?
Essa leitora me representa porque acho que essa também vai ser a minha maior tristeza. O jeito é tentar fazer alguma atividade física em casa mesmo. A gente vai ter que se readaptar, como de resto em quase tudo. Talvez seja oportunidade de a gente mudar e repensar nossos hábitos. Com relação ao home office, por exemplo, isso pode ser uma nova forma de pensar nossa relação com o trabalho, da empresa conosco. Eu fazia atendimento por Skype com pessoas que moram em diferentes municípios ou países, mas meus pacientes de consultório estão experimentando essa possibilidade pela primeira vez. Pode ser um modo de a gente reorganizar a nossa vida, ao menos momentaneamente.
Iza Seb Cabelle pergunta como evitar uma câmara de eco para o pânico.
Eu tenho um grupo de Whatsapp de que participo que entrou em umas de só falar nisso. Tentei interpelar as pessoas e dizer que não era uma forma legal de lidar, mas as pessoas não escutaram e então eu saí. Estou evitando situações que criam mais ansiedade. Meu marido é socorrista de emergência, então obviamente os assuntos dele têm a ver com essa questão também, porque está vivendo isso no cotidiano. E tento não me contaminar, porque se eu entrar no ritmo do trabalho dele, porque ele está preparado para lidar com essa rotina, não posso entrar no ritmo dele. É a gente se cuidar para não se contaminar. Corre o risco de se contaminar com o corona e com ansiedade, com desinformação. É importante a gente entender que a doença não é individual, é política. Hoje, ter uma diarista em casa é entender que a saúde de uma afeta na da outra. Muitas pessoas podem nunca ter pensado nisso. Então ela não vem essa semana, vai receber o pagamento, e eu vou me virar. Tivemos uma noção de saúde coletiva sem precedentes. Poucas vezes tivemos a oportunidade de entender isso com essa intensidade de agora. Fui visitar o site do Ministério da Saúde e eles estão tendo que se ocupar em desmentir desinformação. Poderiam estar preocupados em dar orientações e estão gastando o tempo com isso. O governo francês teve que ir para a TV desmentir que cocaína não cura o coronavírus. Mas é isso. Em um momento em que estamos emocionalmente afetados, apavorados, com medo, qualquer informação cola. Muitas vezes, é uma mentira absurda, mas em uma situação em que estou comovido, emocionado, com medo, qualquer coisa me parece plausível.
O trabalho jornalístico também acaba sendo esse, de verificar e desbancar boatos...
Uma boa medida é essa. Ir aos grandes jornais, porque ao menos te preserva desse bombardeio de fake news. Cada um pode escolher três fontes, incluindo aí jornais e páginas oficiais de ministério, por exemplo. E esquecer as outras. Deletar mesmo. Fazer o filtro, como orientei ao meu colega motorista. Ao fim da minha corrida de Uber, eu contei a ele que sou psicóloga e ele agradeceu a consulta. Aliás, conversar é ótimo, né? A gente pode usar a internet para isso. Hoje, por exemplo é meu aniversário e a festa foi cancelada. Vou fazer por chamada de vídeo com algumas amigas mais próximas. É o que dá para fazer. não pode perder, né?