Jornal Estado de Minas

A fragilidade busca orientação

 

 

 Quanto maior a crise, mais severas as medidas para conter o seu avanço. Diante do desconhecido, tudo fica mais temeroso, rígido, técnico e com regras inquebrantáveis. Mas ao lidar com a saúde, com o adoecimento das pessoas, sentimentos e emoções têm de ser levados em conta. Nestas horas, a relação médico e paciente se amalgama. Pelo menos, é o que se espera. Uma atenção fora da curva das regras e regimentos. Sem jamais abrir mão da segurança de todos para o bem comum.



 

O médico pneumologista Marcelo de Fuccio, presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia e Cirurgia Torácica (SMPCT), revela que desde a explosão da pandemia do novo coronavírus tem se debatido sobre a melhor forma de agir com os pacientes: “Esta preocupação tem me consumido. Boa parte dos pneumologistas não trabalha dentro de um CTI, não é sua especialidade a linha de frente com a doença respiratória aguda e subaguda. O clássico, o carro-chefe da área é a pneumopatia crônica. No entanto, nesta fase de essa doença aguda ser o foco do pronto-socorro, o pneumologista tem função importante de, no consultório, orientar seus pacientes com doença crônica e atendê-los para desafogar o PS, protegê-los e, consequentemente, toda a sociedade”.

 

Marcelo de Fuccio destaca que este é um momento único, principalmente para o brasileiro, que nunca enfrentou nada igual à pandemia do novo coronavírus, diferentemente do que já passaram os europeus, por exemplo. O Brasil ainda não tinha presenciado nada tão complicado: “Portanto, é preciso se adaptar e, principalmente, que ele tenha acesso ao seu médico. Mas esta portaria do Ministério da Saúde, que libera a telemedicina neste período, seguramente será revista depois que tudo isso acabar, já que a COVID-19 veio para ficar e vai entrar na linha de vírus que causa resfriado no inverno, que vai ter vacina, que as pessoas vão criar resistência e, claro, que continuará sendo letal para alguns. Como é o vírus da gripe, que mata muito pelo mundo, incluindo no Brasil”.

 

O pneumologista lembra que, na verdade, a hoje chamada telemedicina já é uma prática médica de muitos anos. Ele é filho de médico, seu pai tem 78 anos, e quantas vezes já não o viu orientar seus pacientes pelo telefone? Mas nunca uma primeira consulta. Por outro lado, ele alerta que é um modo limitado e até mais difícil para o médico exprimir sua opinião. “Não tenho dúvida. Neste momento, é necessário que tudo seja feito com responsabilidade. Sabemos que há picaretas por aí. Ainda que mesmo sem a telemedicina. O médico tem de documentar os atendimentos porque ele não está livre de questionamentos de seus atos. É preciso cuidado. Mas, no geral, acho uma boa conduta e a vejo com bons olhos. Não há garantia em todos os casos e terá consultas adequadas e não adequadas.”



 

Marcelo de Fuccio não esconde que a fase é de tensão também para os médicos: “Alguns profissionais sentem mais que outros. Afinal, médico é gente, fica estressado e pensamentos irracionais, como o medo do leigo, podem ocorrer. Se acontecer, é botar o pé no chão, perceber a reação exagerada, voltar à racionalidade e seguir em frente”, reforça o pneumologista, que é médico na Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig).

 

FRAGILIZADOS Para o médico geriatra Marco Túlio Gualberto Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – Seção Minas Gerais (SBGG-MG), a portaria auxilia e dá respaldo legal aos médicos para o monitoramento a distância dos pacientes. O que facilita. “No entanto, não exclui o fato de que há casos que, obrigatoriamente, requerem o atendimento presencial. Por outro lado, as consultas rotineiras, a medicação para o alívio de uma dor ou febre vão poder ser feitas. A decisão dá mais liberdade e torna o trabalho médico mais efetivo na situação de pandemia. Foi correta neste momento”, afirma.

 

 

(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

 

 

Ele explica que tem conversado e feito contato mais com familiares do que com seus pacientes, muitos deles fragilizados, com demência e acamados: “A grande preocupação é se contaminarem e falecer. No contato, percebo a necessidade de acalmá-los e de responder a todas as dúvidas. Não sabem se continuam com a fisioterapia, se vão para o interior ou sítio, para quem existe esta possibilidade, em relação ao isolamento. Independentemente do idoso frágil ou robusto, as recomendações são as mesmas. Manter-se em casa, praticar a higiene, se isolar de qualquer pessoa com sintoma gripal por 14 dias”.



 

Como grupo de risco, Marco Túlio alerta os idosos (e seus cuidadores) sobre a importância de manter a fisioterapia. Ele afirma que não pode suspender porque senão vão piorar e o custo será alto demais, podem parar de andar. Têm de continuar sendo atendidos pelo profissional, que adotará a conduta adequada. Sem usar qualquer adorno (brincos, anéis, pulseiras, colares, cordões, colares), higienizar do cotovelo até as mãos com álcool gel e/ou água e sabão e usar máscara. Para quem tem maior mobilidade, a atividade física é importante, não na academia fechada, mas num local sem aglomeração. “Os idosos não podem ficar só sentados e deitados, é preciso temperar isso. Tem de ter uma terapia individualizada com dois metros de distância da outra pessoa.”

 

Quanto ao seu sentimento e dos colegas, Marco Túlio revela que, pensando na mensagem que viralizou nas redes sociais com os médicos sendo comparados à banda que tocava violino enquanto o Titanic afundava, “poucas vezes vi a comunidade médica com medo e preocupação. Nós também temos família, filhos pequenos, pais e avôs idosos, tem os profissionais do CTI, do pronto-atendimento, a rotina de conviver com o receio de levar a doença para casa, há médicos idosos, com doenças crônicas também. E, ao mesmo tempo, tem os mais jovens, sem uma reserva, autônomos, que precisam trabalhar pela questão financeira, como tantos outros brasileiros.”

 

SEM PÂNICO Não há como mascarar o quadro, pintar com cores mais bonitas. No entanto, o geriatra avisa que todos têm de encontrar a sensatez: “O comportamento das pessoas no supermercado fazendo estoques, comprando álcool gel sem se preocupar em deixar para o outro, não é para entrar em pânico. É momento de prudência, têm de se acalmar e colocar a racionalidade em primeiro lugar. Assim como o governo entender que todas as medidas adotadas por países ricos devem se adaptar à realidade brasileira. Somos pobres, é necessário parcimônia”.



 

O médico oncologista Waldeir de Almeida Júnior, mastologista e professor da Ciências Médicas, reconhece que em caso de pandemia é correta a liberação da prática da telemedicina. Mas alerta que é preciso cuidado e atenção com as questões éticas: “Inicialmente, eu era contra a forma que estava sendo proposta sem a presença de profissionais médicos nas duas pontas da discussão de um caso”. Com a COVID-19, a aprovação da portaria da telemedicina, que será usada por um período limitado, tem pontos definidos que, segundo ele, devem ser alertados: considera a possibilidade de prescrição, por parte do médico, de tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente em casos de urgência ou emergência previsto no Código de Ética Médica; e atender aos preceitos éticos de beneficência, não maleficência. “Fica claro que não deve ser utilizada em todos os casos, várias pacientes devem ser examinadas para a definição de um diagnóstico correto.”

 

O mastologista ressalta ainda que a questão do isolamento é importante, claro. Principalmente nas primeiras semanas para, achatamento da curva de transmissão da doença. Mas a questão econômica ligada a isso tem que ser avaliada. “A saúde está interligada à economia, devemos saber manejar ambas com o menor impacto à população. Teremos que definir qual o tempo deste isolamento total e, após este período, os jovens retornarem às atividades e manter os idosos e pessoas de risco em isolamento. Há várias linhas de pensamento neste sentido.”

 

Waldeir de Almeida Júnior afirma que consultas de rotina e tudo o mais que puder ser postergado será. Assim como cirurgias de rotina benigna. “Mas é claro que, na oncologia, não podemos agir sempre assim, não tem como ser restritivo para não colocar em risco e prejudicar as chances de cura do câncer de mama. Então, fazemos o atendimento programado no consultório. A orientação é que cheguem sem quadro de gripe ou vindos de viagem internacional.”

 

ODONTOLOGIA Ações para conter o avanço do contágio foram tomadas pela diretoria do Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais, que divulgou medidas para atendimento a pacientes do serviço público e privado, já que a entidade considera os profissionais de odontologia como aqueles que figuram no grupo de maior risco devido ao contato direto com a cavidade bucal, vias aéreas e uso de equipamentos que liberam aerossóis. As regras são para proteger os profissionais e toda a população. A mais enérgica é a recomendação para que os estabelecimentos que prestam tanto serviços públicos odontológicos quanto privados suspendam imediatamente todos os atendimentos eletivos, ressalvados os casos de urgência e emergência, enquanto durar o surto da doença.



 

O periodontista e clínico Hilarino Vieira Soares, com larga experiência, destaca a rigidez com os cuidados e os critérios de atendimento neste momento: “Os procedimentos habituais passam a ser maiores. Luvas, água e sabão, consultório limpo com álcool 70%, uso do óculos de proteção”. Por segurança, já que faz parte do grupo de risco, pois já passou dos 60 anos, ele decidiu fechar o consultório no último 16 de março, quando atendeu às últimas consultas. “Assim, o que nos resta agora é aguardar e só voltar a trabalhar quando a situação se normalizar. Lidamos diretamente com as vias respiratórias, então, o risco é alto, perigoso.”