Jornal Estado de Minas

Comportamento

A jornada é individual, a caminhada não: quem vive só revela como lida com o isolamento social


(foto: Arquivo Pessoal)

Vivemos a ilusão da autonomia total. É certo que a jornada é individual, mas ninguém caminha sozinho ou é completamente independente. É inevitável: cada um de nós depende de todos os outros. Ao mesmo tempo, para superar a dificuldade de morar sozinho e ter de seguir as regras do isolamento social por causa do risco de contaminação da COVID-19, é necessário aprender a gostar de sua própria companhia, além de ter amor-próprio, autoestima e criatividade. Assim, afastará a solidão, a angústia, a ansiedade, o medo, a insegurança, o pânico, a depressão, sentimentos (e doenças) comuns numa pandemia, mas que precisam ser controlados. E, para isso, tem de contar com outras pessoas.


 
A advogada e estudante Izabelle Casseb de Vasconcellos conta que sempre foi uma pessoa caseira, por isso, achou que não sentiria tanto a quarentena: “Porém, tinha uma rotina de sair para trabalhar, estudar e almoçar fora nos fins de semana com a família. Tudo isso foi afetado e sinto falta dessa troca. Mas me adaptei e sigo me adaptando”. No entanto, ela teve de lidar com mais uma prova da vida: ficou doente, está tratando de uma sinusite. “Como vem acompanhada de sintomas parecidos com os da COVID-19, estou bem ansiosa, especialmente por ficar sozinha. O apoio que tenho é todo a distância. Mas ajuda muito. Estou em isolamento, também, por recomendação médica. Não posso sair mesmo.”
 
Emocionalmente, Izabelle diz que não tem como não estar preocupada com a situação toda. “Sim, estou com medo, mas tento não me apegar a ele. Sofro de ansiedade e já tive algumas crises de pânico esses dias, especialmente por ter ficado doente. Então, estou trabalhando para aceitar que essa situação está muito fora do meu controle.” Para ela, o que mais faz alta é a rotina: “Acho que por mais que o trabalho e estudos em casa estejam fluindo bem, me sinto mais produtiva quando posso sair para fazê-los. E sinto falta também de poder abraçar as pessoas.”
 
Já Andreza Fortunato Silva de Araújo, de 35, analista de implantação de sistemas, mora sozinha há um ano e meio. Uma mudança no escuro, sem planejar. Ela comprou um apartamento com o noivo, o relacionamento não deu certo, mas ela quis ficar com o imóvel. Pensou na liberdade e que já era hora de deixar a casa dos pais, Zenite e Regina. Mergulhou no processo de viver só: “Quanto entrei na minha casa, toda montada no meu estilo, senti-me completamente confortá- vel. Hoje, tenho até dificuldade de ficar fora ou mesmo dormir na casa dos meus pais. Estar sozinha é da minha personalidade, nunca dependi do outro para viver bem. Sou mais quieta, desde criança. O fenomenal de morar só é que me tornei uma boa companhia para mim, me traz paz”.



 

“Se em circunstâncias normais muitos podem estar rodeados por outras pessoas e mesmo assim se sentir solitários, para quem vive sozinho, a ideia da solidão precisa ser ainda mais emocionalmente trabalhada e combatida”


Camila Cury, 
psicóloga, presidente e fundadora 
da Escola da Inteligência 
 
 
 
CANTAR E DANÇAR
 
Para Andreza, isolada desde 19 de março, até o ato de arrumar a casa e cozinhar tem sido uma terapia: “Gosto de meditar à noite, escolhi não ter TV, então, minha casa é silenciosa. Ouço muita música, leio, vejo séries e filmes no notebook e sou privilegiada com uma vista linda, onde vejo o nascer do sol e da lua da minha janela. Então, estou indo bem. Claro, ficar em casa o dia inteiro, às vezes, dá um tédio, mas logo trato de procurar algo para fazer, não me permito ter baixa emocional. Faço chamadas de vídeo para meus pais todos os dias, já que no fim de semana sempre ia à casa deles”.
 
Andreza revela que tem depressão, doença com que convive desde os 15 anos, mas não sabia nomear, até que teve de pedir ajuda em 2019. Agora, faz terapia e tratamento psiquiátrico depois de muitos pedidos de socorro velados, já que não conseguia expor ou mesmo entender o que sentia: “Estou bem, na quarentena tenho feito sessões por telefone e precisado me reinventar para nada me abalar. Adoro correr; como não posso, gasto energia e me exercito arrumando a casa, dançando, adoro cantar, então tenho gravado vídeos e postado no YouTube. Jamais faria isso numa condição normal, mas decidi fazer o que me deixa feliz. Gosto de escrever, uma forma de aliviar minha angústia e tristeza. É mais uma ocupação. São textos autobiográficos e escrevo sempre ouvindo música.”
 
Mas tem uma companhia que é fundamental para Andreza, Nathan, de 2 anos, sobrinho e afilhado, filho da irmã Alessandra, que basta se sentir estranha para correr e fazer uma chamada de vídeo para vê-lo: “Ao ouvir Dindinha tudo se transforma. Apesar de pequeno, ele é carinhoso, tem um olhar expressivo que cura tudo. Como ele faz diferença na minha vida e na de toda a família”. Católica, Andreza revela que a oração também é uma companhia que conforta: “Independentemente da religião, acredito que o importante é a fé de cada um. O que me segura é estar conectada com Deus”.









Seja gestor das emoções


Na contramão do que é o existir para o ser humano, o isolamento social tem sido uma prova maior para quem vive só. A psicóloga Camila Cury, presidente e fundadora da Escola da Inteligência, lembra que, de maneira geral, todas as orientações para que uma pessoa tenha saúde física e emocional estimulam que ela saia de casa, que faça exercícios físicos e de relaxamento ao ar livre, que contemple a natureza e, em especial, que esteja em contato com pessoas que ama, mesmo quando vive sozinha por opção ou necessidade.

Segundo ela, estamos vivendo a necessidade de estimular o contrário. As restrições do isolamento extremo, em especial para quem está habituado a uma rotina diária de atividades externas, associadas às notícias de um inimigo invisível e ameaçador, podem potencializar o medo, ansiedade, tristeza, depressão desesperança, desmotivação etc., podendo, inclusive, potencializar reações como, por exemplo, aumento da pressão arterial, alergias e redução da eficiência do sistema imunológico. A atenção deve ser redobrada.

Filha do psiquiatra Augusto Cury, escritor e autor da teoria da inteligência multifocal, e pós-graduada em análise do comportamento, Camila Cury alerta que a ideia da solidão é pior que a própria solidão. “Se em circunstâncias normais muitos podem estar rodeados por outras pessoas e mesmo assim se sentir solitários, para quem vive sozinho, a ideia da solidão precisa ser ainda mais emocionalmente trabalhada e combatida. E, de maneira especial, neste momento. Estamos em isolamento físico, mas não deve ser analisado como isolamento total.”



Para Camila Cury, é essencial potencializar e usar a criatividade. Buscar reinventar o espaço onde mora, fazendo caminhadas, exercícios físicos, relaxamento, no quintal ou cômodos da casa ou apartamento. Para os mais entusiastas, fazer vídeos, aprender algo novo, estimular os amigos a desafios virtuais, como criar e gravar coreografias etc... “Uma forma importante também de combater os efeitos do isolamento é ser solidário, compreendendo que muitos, mesmo desconhecidos, poderão se sentir melhores apenas recebendo palavras de conforto.”

Camila Cury avisa que, tanto para quem mora sozinho, quanto para quem conhece alguém que mora sozinho, é essencial formar uma rede de apoio virtual, e assistencial, que certamente terá impacto emocional positivo. Temos vários exemplos de parentes, amigos, vizinhos e pessoas até desconhecidas se mobilizando para dar apoio com compras para idosos ou pessoas do grupo de risco, por exemplo. A tecnologia, antes destacada como fator de isolamento para muitas pessoas e famílias, agora representa eficiente ferramenta de aproximação entre todos. Ela reforça que, por meio de ações simples de solidariedade e generosidade, da internet e das redes sociais, podemos, juntos, amenizar os efeitos da solidão.

TÉCNICAS DE CONTROLE 

Camila Cury enfatiza que é essencial aprender a gerenciar os pensamentos, porque o que se pensa incide sobre como os sentimos e as emoções agem sobre o comportamento. Portanto, a chave é focar na qualidade do que pensamos. “Augusto Cury nos mostra que podemos aplicar duas importantes técnicas de gestão da emoção. A Mesa-redonda do Eu (que consiste em fazer um autodiálogo, não sobre nossos pensamentos, mas com nossos pensamentos, analisando a qualidade dos mesmos, pensar sobre o que pensamos) e o Duvidar, Criticar e Determinar (DCD) sobre nossos pensamentos, particularmente os invasivos e negativos, dando-lhes um choque de lucidez.”

Diante das notícias e dessa situação, por exemplo, Camila Cury explica o valor de analisar e questionar: “Pensa: 'Me desesperar vai ajudar a resolver o problema ou vai me criar mais problemas?'. Não posso decidir sobre os pensamentos que veem à minha mente, mas posso determinar o que desejo fazer com eles. Se nós não dominamos nossos pensamentos, eles assumem as rédeas e o controle de nossas emoções e comportamentos”.