Importante lembrar que o impacto psicológico de uma quarentena é abrangente e complexo e pode ter longo alcance, com possibilidades de manifestações tempos após esta se encerrar”
Gilda Paoliello, psiquiatra e psicanalista
O isolamento social imposto pela COVID-19 traz consequências emocionais paradoxais: dificuldades de convivência entre os que estão confinados em família, em que as diferenças se desvelam e incomodam, e, por outro lado, risco de intenso sentimento de solidão entre os que estão sós. Gilda Paoliello, psiquiatra, psicanalista e professora de pós-graduação em psiquiatria do Ipemed, ensina a diferença entre solidão e isolamento. O primeiro é um afeto involuntário de profundo vazio e desamparo, que implica sensação de despertencimento, de ausência de identificação. Pode estar presente mesmo se estando acompanhado, em locais movimentados, provocando angústia. Já o isolamento implica ausência de companhia e pode ser voluntário ou imposto. “O isolamento social que vivemos nas circunstâncias atuais é imposto, mesmo com a consciência de que ele significa valorizar a vida, a saúde e o respeito.”
Gilda Paoliello explica que há vários estudos epidemiológicos mostrando que isolamento voluntário e compulsório têm diferentes efeitos sobre a saúde mental. Entretanto, os mesmos estudos mostram que a percepção altruísta do isolamento, no sentido de a pessoa perceber que este gesto protege não só ela própria, mas também o outro, traz sentido positivo, tornando essa necessidade mais leve e suportável. Possibilitando, inclusive, maior adesão a essa proposta ao coletivo. “Por outro lado, a percepção deste isolamento solitário pelos que estão de fora, provocando respostas solidárias, seria uma possibilidade de atenuar o sofrimento de quem está só. O altruísmo sempre caminha junto à sublimação. Afinal, o sujeito se forma no coletivo, a partir do outro. Proteger-nos é proteger o outro. Importante lembrar que o impacto psicológico de uma quarentena é abrangente e complexo e pode ter longo alcance, com possibilidades de manifestações tempos após esta se encerrar.”
DOR VISCERAL
Medo, angústia e terror são os sentimentos mais presentes frente a atual pandemia, e são, em geral, hipertrofiados entre os que estão solitários nos isolamentos. “Enquanto no medo podemos encontrar um objeto, como, por exemplo, medo de se contaminar, medo da perda de um ente querido, medo das consequências econômicas, na angústia não encontramos esse objeto, a dor é muito mais subjetiva, mais vaga. Nem por isso menor, e até visceral. Já o terror é de outra ordem. Aqui, o perigo pode ser nomeado, mas, imaginariamente, ele pode ser sempre, incomensuravelmente, pior. E o agravante atual é que este terror é estimulado pelas fake news, que, vindas não se sabe de onde, a todo momento invadem nossa vida. O que provoca uma outra epidemia que, mesmo imaginária, não é menos danosa.”
Frente à angústia do isolamento, que escancara a fragilidade humana diante do sofrimento e da iminência da morte, o que fazer? Para Gilda Paoliello, é essencial que fortaleçamos Eros, tudo que diz respeito ao amor, à fraternidade, à criatividade. É o que fazem os italianos, cantando das janelas de suas casas, assim como os artistas e profissionais da saúde, que, generosamente, oferecem seus talentos às famílias que abrem mão do convívio reconfortante para proteger os fragilizados. “Criar formas de sair do isolamento social sem sair do isolamento físico. Descobrir que os recursos tecnológicos que nos mantinham afastados podem, agora, nos aproximar. Descobrir que, quando faço alguma coisa, mesmo a distância, para ajudar alguém, também não me sinto sozinho. Um simples bom-dia no zap gera um aceno de vida.”
ATENÇÃO DIÁRIA
As medidas de higienização e cuidados para quem vive sozinho são as mesmas, mas certamente, essas pessoas têm maior segurança e tranquilidade. Não é para relaxar, longe disso. Dirceu Greco, infectologista, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), antes de mais nada, lembra: “Tudo vai passar, quanto tempo não sabemos. Na China foram três meses”.
Então, a ordem é ter atenção diária, principalmente, em momentos e ações que são previstos de riscos de contaminação pela COVID-19. Conforme Dirceu Greco, vivendo sozinho a pessoa terá algumas adaptações: “Primeiro, mantendo a casa limpa e arejada correrá menos riscos. E não terá que faxinar pesado todos os dias. Não receba visitas. Ao ter que sair, procure escolher horários de menor fluxo e aglomeração para ir a supermercados, açougues, padarias, farmácias, sacolões. Fique atento sobre os estabelecimentos que têm escalonado horários de compras para determinados grupos, por exemplo. Não ir de máscara, nem de luvas. E não coloque as mãos no rosto sob qualquer situação. Faça uma lista para ter agilidade nas compras e não saia tocando em tudo que vê. E, imediatamente, quando já estiver a caminho de casa use o álcool em gel”.
Como quem vive sozinho terá de sair todas as vezes diante das necessidades inadiáveis, Dirceu Greco recomenda, sempre que possível, ir à rua a pé. “Melhor do que encarar uma condução, já que estaria correndo o risco igual a todas as outras pessoas. Ao chegar em casa, abra a porta, tire o sapato. Lave as mãos com água e sabão. Em seguida, tire a roupa e coloque-a em um cesto, sacola ou saco em separado e fechado. Se for sair de novo, pode até usá-la mais uma vez. Mas é preferível que não. Se puder expô-la ao sol melhor, mesmo sem sabermos ainda se tem algum resultado. Novamente, lave as mãos com água e sabão. E não se esqueça de limpar a maçaneta com álcool em gel/água e sabão. E volte a higienizar as mãos.”