“Poderia haver maior milagre do que olharmos com os olhos do outro por um instante?” A indagação é de Henry David Thoreau, historiador e filósofo americano, que morreu em 1862. No mundo individualista do século 21, será que ainda há lugar para o ser humano praticar a empatia? Ser solidário? Ter olhar para a cooperação social? Sim. Ainda bem. Caso contrário, a espécie estaria com os dias contados. Não está. Ela sobrevive porque em toda parte há pessoas que espalham o antídoto do amor e da generosidade ao ajudar quem precisa. E não só para quem está à margem da sociedade.
Philia, termo tirado do tratado Ética a Nicômaco, de Aristóteles, pode ser traduzido como amizade, amor e também empatia, ou seja, uma espécie de afeição e apreço por outra pessoa. O modo como o filósofo aplicava o termo é uma inspiração para o tempo atual: “Fazer o bem; fazer sem que seja solicitado”. Assim agem muitos brasileiros diante dos desafios provocados pela pandemia do novo coronavírus. O Bem Viver hoje revela exemplos de quem se propõe a não deixar ninguém desamparado. É um trabalho de formiguinha, incansável, com cada um fazendo um pouco, que somado a outro pouco leva esperança e alento a muitas pessoas.
O filósofo australiano Roman Krznaric, fundador da The School of Life de Londres, badalada escola inglesa que oferece cursos livres na área de humanidades e descrito pelo Observer com um dos mais importantes pensadores britânicos dedicados ao estudo dos estilos de vida, acredita que a empatia pode criar uma grande mudança social. Em seu livro Empathy – A handbook for revolution (O poder da empatia – A arte de se colocar no lugar do outro para transformar o mundo, Editora Zahar), ele escreveu sobre o que chama da tragédia da “Era da Introspecção”, com o intenso foco no eu.
Para o filósofo, é hora de tentar algo diferente. “Há mais de 2 mil anos, Sócrates aconselhou que o melhor caminho para viver bem e com sabedoria era o 'conhece-te a ti mesmo'. Pensam convencionalmente que isso exige autorreflexão: que olhemos para dentro de nós e contemplemos nossas al- mas. Mas podemos também passar a nos conhecer saindo de nós mesmos e aprendendo sobre vidas e culturas diferentes das nossas. É hora de forjar a 'Era da Outrospecção', e a empatia é nossa maior esperança para fazer isso.”
Não que a empatia seja uma panaceia universal para todos os problemas do mundo, nem para todas as lutas da vida, mas ela faz a diferença na vida do outro e na própria existência. São ações diversas, inspiradoras e que podem despertar a mesma atitude em mais pessoas em dias tão difíceis. Há distribuição de cestas básicas para instituições e moradores de comunidade; entrega de brigadeiros para profissionais que lutam na linha de frente da pandemia em um hospital; um grupo de amigos que distribui marmitex no Centro de BH para a população em situação de rua; o cantor que leva sua música para a sacada do prédio; tem quem arrecade material de primeira necessidade para abrigos da capital e brinquedos para as crianças; a diarista que continua recebendo o pagamento dos patrões, mas sem ter de sair de casa para trabalhar...
A jornalista e empresária Luciana Avelino, de 48 anos, moradora de um condomínio na Região da Pampulha, participa de ações para ajudar pessoas em situações de vulnerabilidade. E conta que se sente gratificada por ajudar. “Somos os maiores beneficiados. E o mais interessante é que, gradativamente, sentimos vontade de fazer da ação de doar um hábito de vida. E o que mais tem são pessoas precisando, seja em época de pandemia ou não.”Somos os maiores beneficiados. E o mais interessante é que, gradativamente, sentimos vontade de fazer da ação de doar um hábito de vida. E o que mais tem são pessoas precisando, seja em época de pandemia ou não
Luciana Avelino, jornalista,, que arrecadou doações para três instituições
EM COMUNHÃO
O mundo vive um sofrimento global, talvez sem precedentes na história, diante de um inimigo comum. Todos são afetados. Logo, a única alternativa é enfrentá-lo juntos e com esperança de que tudo “dará certo”, como tem sido o lema mundial. O momento é, portanto, de comu- nhão. A psicóloga clínica Maria Clara Jost, pós-doutora em psicologia, professora da Faculdade de Ciências Médicas e pós-graduada em filosofia, lembra que quanto mais a pessoa se fecha em um casulo menos descobre sobre si e sobre os seus valores mais próprios, acabando por intensificar sofrimentos já existentes, tendendo ao adoecimento em diversas esferas do ser.
Por outro lado, ressalta Maria Clara, se somos constituídos na relação que estabelecemos com os outros, desde o útero, então, quanto mais nos posicionarmos no sentido de abertura ao mundo, ao outro e à coletividade, em um movimento autotranscendente, maior a possibilidade de encontrar alguém que, muitas vezes, estava escondido num turbilhão de afazeres, por vezes sem sentido: nós mesmos.