Dia das Mães geralmente é uma data de superlativos. Shoppings e lojas lotados, movimento intenso no comércio, restaurantes, em locais públicos ou com muita gente junta nas residências. Reunião de pessoas especialmente perigosa em tempos de pandemia, quando um ponto essencial é evitar aglomerações. Por isso, a palavra de ordem é ressignificar. É o que diz a pedagoga Luzia Umbelino Borges. “Estamos em um momento bastante delicado. Perdemos o direito de ir e vir, uma verdadeira luta pela sobrevivência. Algo complicado principalmente para as mães que estão no grupo de risco. O sentimento que une pais, mães e filhos é muito forte. Com a pandemia, o que queremos, mais do que nunca, é que nossos filhos estejam bem, em segurança, protegidos, sem nenhum sintoma”, declara.
Temos a oportunidade de perceber a importância do outro. Mais do que nunca, saber que somos uma rede, que um precisa do outro, destaca a pedagoga. Em uma data que celebra o amor e a gratidão, para Luzia, o real significado passa por ceder, iluminar, abençoar, mandar boas vibrações. “E pedir aos nossos filhos que se cuidem. Esse é o maior presente. Se estiverem bem, estaremos realizadas.”
Luzia vive com o marido em Sabará, é mãe de duas moças e tem uma neta criança, todas moradoras de BH. Ela tem 57 anos e desde 11 de março diz que não sai de casa, literalmente. Trabalha em uma escola da rede privada em Sabará, responsável pela coordenação do ensino fundamental. Pouco antes da determinação pela quarentena na cidade, a equipe da escola estava em fase final de um projeto para a Páscoa, e preparando um grande encontro para as mães. Mas tudo precisou ser interrompido.
Mesmo que tenhamos que ficar longe, o amor independe da posição geográfica e manter esse amor vivo ou não é uma questão de opção (...) Tudo passa e, quando tudo passar, teremos um tempo melhor”
Luzia Umbelino Borges,
pedagoga
“Entendemos que não dá para celebrar o Dia das Mães dentro de uma unidade escolar sem beijos e abraços, sem alegria, sem música. É uma ocasião quando reconhecemos a importância vital que a mãe representa na vida de todos. Precisamos também reinventar essa data, como profissionais da educação. Mais uma vez fazendo uso da tecnologia para enviar a elas nossa gratidão, principalmente porque agora se dedicam 24 horas do dia à casa e à família. Muitas estão sobrecarregadas, mas exercendo um papel fundamental.”
Em época de isolamento, para Luzia é preciso aceitar o que estamos vivendo, ainda que seja tamanho o desconforto. “Sabemos da importância em seguir as diretrizes da OMS, ficar em casa, e mais uma vez nossos filhos e netos dão uma aula de tecnologia. Fazemos chamadas de vídeo para abençoar, rezar à noite, conversar, dar uma olhada, falar do amor, falar da saudade, mas também da felicidade em saber que estão todos seguros. Mesmo que tenhamos que ficar longe, o amor independe da posição geográfica e manter esse amor vivo ou não é uma questão de opção”, diz Luzia.
Para ela, este também é um momento para se ter esperança. “É o nosso compromisso, trata-se da nossa descendência. Tudo passa e, quando tudo passar, teremos um tempo melhor.”
No Dia das Mães, é Luzia quem dedica um gesto de amor para as filhas. Ela vai mandar pelo marido um almoço especialmente feito para elas, com direito a sobremesa. “É um jeito de amenizar a dor. Fazer o que lhes agrada chegar até elas. Enche meu coração de felicidade. É como se estivessem aqui à mesa, com toda a alegria e o sorriso. Depois poderemos nos abraçar de novo. O isolamento social é necessário, mas não impede que estejamos presentes, que repassemos bons valores. Não há pandemia que faça o amor morrer, e sim reacender. Está mais vivo do que nunca”, diz. Tenho certeza de que isso está acontecendo com todas as mães, completa.
CONTATO
O coronavírus é o grande tema que envolve hoje todos os setores da sociedade e as atividades humanas, desde as mais cotidianas até os problemas de gravidade mundial. Muito tem sido dito. Para a doutora em psicologia Maria Clara Jost, agora, no entanto, esse é um contexto que toca o âmago do coração, em suas palavras. “Chega-se perto da fonte, da origem, do início de toda inter-relação. O princípio do contato, do afeto, do encontro, do cuidado. O Dia das Mães, então, é o grande dia, autorizado oficialmente para que esse afeto, o carinho e o amor, apreendidos desde o útero, possam, enfim, ser evidenciados. Mas, como será isso em tempo de coronavírus? Em tempo de isolamento social, de proibição do toque, do abraço e da presença real e em carne e osso?”, questiona.
Para Maria Clara, certamente, o Dia das Mães de 2020 tem um sentido particular. O esperado momento de encontrar, de abraçar e de expressar o sentimento, ainda que disfarçado e confuso, não poderá ocorrer, ou não poderá ocorrer como antes. Assim, a profissional enxerga precisamente a reflexão: o que poderá ser ou voltará a ser como antes?. Esse pode ser o momento de um divisor de águas. “Será que quando tudo passar, quando o rio voltar ao seu curso, ainda seremos os mesmos? E se pudermos ser, será que deveríamos ser?”, coloca a psicóloga.
A impossibilidade de estar perto, por causa da pandemia, talvez nos faça acordar, precisamente, para a importância insubstituível de sua presença”
Maria Clara Jost,
doutora em psicologia
Maria Clara chama à criatividade. Conclama as pessoas a usar a capacidade de criar e inventar respostas inusitadas diante de situações complexas, particularmente neste Dia das Mães tão diferente. Pode ser uma oportunidade para tirar do desafio que a vida coloca, em esfera ampliada, um aprendizado, parar com a atenção apenas sobre o "não", e mudar o foco para a possibilidade do "sim", e desse modo mirar no que realmente importa: deixar que o afeto apareça e que seja concretizado das mais variadas maneiras.
Talvez, sem tanta afobação, possamos, de fato, na visão de Maria Clara, conseguir que a mensagem de gratidão e amor seja acolhida no nosso coração e no coração daquela mãe, de qualquer idade, que não é necessariamente perfeita, mas que foi canal do nosso primeiro encontro com o mundo. Mãe que talvez não esteja mais presente no âmbito mundano, mas que continua eterna no tempo do coração. Mãe que, mais do que nunca, faz falta. “A impossibilidade de estar perto, por causa da pandemia, talvez nos faça acordar, precisamente, para a importância insubstituível de sua presença”, afirma.