Jornal Estado de Minas

COVID-19

Mulheres podem estar mais expostas psicologicamente à pandemia


Um estudo realizado pela ONG Kaiser Family Foundation, dos Estados Unidos, aponta que as mulheres se sentem emocionalmente mais abaladas, em meio à pandemia, que os homens. O levantamento mostra que 53% das mulheres, que responderam à pesquisa, declararam que o estresse e a preocupação, neste período, têm relação com o novo coronavírus. Entre os homens, esse índice chega a 37%





Christiane Ribeiro, médica psiquiatra, membro da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), e preceptora de psiquiatria do ambulatório de depressão pós-parto do Hospital das Clínicas da UFMG, explica que essas taxas são reflexo do panorama tradicional de distúrbios e transtornos mentais.

Isso porque, segundo Christiane, as mulheres têm risco aumentado, quando comparadas com homens, de desenvolver sintomas de ansiedade e/ou depressão, ao longo da vida. 

“Essa diferença pode corresponder até o dobro de casos em pessoas do sexo feminino. E isso acontece porque o risco de desenvolver transtornos psiquiátricos, muitas vezes, é maior quando há oscilações hormonais, o que está associado às mulheres. Dessa forma, elas se tornam mais vulneráveis, a considerar, também, a associação desse fator com aspectos genéticos e estressores.” 

Além disso, de acordo com a médica psiquiatra, as mulheres já estão mais expostas a situações de violência doméstica, traumas e, também, a casos de abuso sexual.

Elas são também as maiores responsáveis, de forma geral, pelas atividades domésticas e familiares, o que aumenta a sobrecarga. Todos esses aspectos podem contribuir para o aumento de incidência de transtornos psiquiátricos em mulheres, em relação aos homens.





Em meio à pandemia de COVID-19, alguns fatores estressores tendem a se intensificar, tendo em vista, justamente, a sobrecarga do período de isolamento social, a considerar que as atividades domésticas, neste período, são acrescidas do home office.  

Ainda, com as escolas e creches fechadas, as crianças permanecem em casa em tempo integral, o que exige mais funcionalidade daquelas que são mães, visto que são elas, em grande maioria, as encarregadas de cuidar dos filhos e ajudar nas tarefas encaminhadas pelo ensino remoto

“Muitas mulheres contavam com a ajuda de babás ou mesmo de familiares, como os avós, e amigos no cuidado com os filhos. No entanto, essa base de apoio teve uma redução, já que a recomendação dos órgãos oficiais de saúde é para que o contato seja reduzido e o isolamento social respeitado. Além disso, há a tendência de que esses avós sejam parte do grupo de risco, o que dificulta ainda mais este suporte.” 

Christiane destaca, também, que o próprio isolamento social, o medo elevado e o aumento de preocupações, a considerar a incerteza e o receio de se contaminar, podem contribuir para o aparecimento ou agravamento de quadros depressivos e/ou ansiosos. Neste contexto, a psiquiatra pontua que, para além dos sentimentos de angústia, os sintomas psíquicos podem surgir ou se agravar, a depender de situações decorrentes do cenário atual

“Sabe-se também que em situações que ameacem a vida e a integridade, como catástrofes, guerras e, a exemplo do atual cenário, pandemias, resultam em efeitos negativos na saúde mental de qualquer indivíduo. Outro fato que estamos lidando bastante neste momento é que muitas mulheres perderam o emprego ou tiveram uma redução salarial, e isso também contribui para o aumento da incidência de transtornos mentais neste período”, diz. 





Neste contexto, a especialista ressalta que todos os aspectos capazes de desestabilizar, psicologicamente, as mulheres, sejam eles genéticos ou estressores, irão impactar de forma direta na vida de tais. Isso porque a sobrecarga emocional criada tende a elevar os níveis de estresse, associados aos sintomas de ansiedade e depressão, e provocar danos, principalmente, na mente dessa mulher, alterando seu funcionamento


Profissionais na linha de frente, grávidas e puérperas 


Christiane aponta que alguns estudos, realizados em Wuhan, na China, indicam que profissionais de saúde mulheres, que atuam na linha de frente do combate à COVID-19, são consideradas mais suscetíveis ao desenvolvimento de sintomas de estresse, depressão e/ou ansiedade, quando comparadas à funcionários do sexo masculino. 

A psiquiatra atribui isso, principalmente, ao fato de sintomas de medo, angústia e pânico já serem mais comuns em mulheres. E, também ao fato de algumas delas serem mães e, devido ao isolamento social e alto risco de contágio, precisarem ficar afastadas de seus filhos, bem como de familiares. 





“Além disso, o excesso de trabalho, associado ao aumento de internações de pacientes com suspeita de COVID-19 e ao aumento, também, da ocupação de CTI’s, o índice de estresse e sobrecarga emocional se eleva nesses profissionais. Ainda, estes têm vivenciado uma espécie de discriminação social, devido ao medo de contaminação.” 

Todos esses fatores, segundo Christiane, podem prejudicar diretamente a atenção dos profissionais de saúde, bem como seu desempenho e capacidade de tomada de decisão, podendo, inclusive, o submeter a erros médicos. No âmbito social, a psiquiatra comenta que o sentimento de isolamento e culpa são comuns

Quanto as grávidas e puérperas, a especialista destaca que transtornos mentais já são comumente desenvolvidos durante a gestação, acometendo entre 10% e 25% das mulheres
 
 

E, ressalta que um estudo feito no Canadá verificou um sofrimento psicológico substancialmente elevado nos grupos de gestantes atuais, quando comparado com grávidas da mesma época no ano passado. Conforme elucidado pela médica psiquiatra, isso se justifica, principalmente, pelo medo da contaminação e, também, por elas temerem pelo feto.  

“O próprio fato da existência da pandemia já é um fator de estresse. E, sendo o nascimento da criança um momento muito esperado pela mulher, os sintomas depressivos e ansiosos podem afetar consideravelmente essa mãe. Além disso, a necessidade de isolamento social propiciou em mudanças drásticas no parto e pós parto, portanto planos foram frustrados, podendo influenciar emocionalmente.”  

Christiane pontua que as consequências podem ser percebidas para além do período gestacional, podendo influenciar o feto e, também, a saúde mental da mulher. Dessa forma, a especialista recomenda muita atenção para os sinais de desânimo, cansaço, insônia, falta de interesse pelo filho e baixa autoestima, pois podem ser estes alguns sintomas de depressão pós parto. 





Este transtorno no puerpério pode ser agravado pela pandemia, a considerar a falta de suporte nos cuidados com o bebê. “E, também, com a necessidade de distanciamento físico em uma fase da vida, que por si só, é bastante solitária, pode agravar os sintomas depressivos. As mães se sentem mais sozinhas nesse momento.” 

Com base nos dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), sobre violência doméstica, verificou-se que houve crescimento de 18% nos registros de denúncias de violência doméstica durante o isolamento social, no Brasil. Christiane, ao considerar esse panorama, afirma ser este outro ponto de atenção, a considerar que a saúde mental dessas mulheres pode sofrer sérios danos

Outro fator que, segundo a especialista, merece cuidado diz respeito a casos de oscilação hormonal, também responsáveis pelo aumento de transtornos mentais. “Tem-se maior risco de desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos durante o período de oscilação hormonal, isso inclui: menopausa e tensão pré-menstrual.” 

Cuidados 


Christiane ressalta que ao se notar o desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão ou demais transtornos psíquicos, é importante que ajuda médica seja procurada. “Quando se percebe um impacto considerável na vida social e profissional, com pensamentos de morte, desânimo e falta de energia, é fundamental procurar por ajuda psicológica.” 

Além disso, a médica psiquiatra destaca que manter contato com pessoas próximas também é essencial para a distração e alívio de sintomas depressivos e ansiosos, mesmo sendo este feito por telefone, mensagem ou vídeo chamada, a considerar a impossibilidade de contato humano no momento. 

Christiane Ribeiro, médica psiquiatra, membro da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da Mulher, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), e preceptora de psiquiatria do ambulatório de depressão pós-parto do Hospital das Clínicas da UFMG (foto: Arquivo pessoal)
“Para aquelas que fazem acompanhamento, é importante manter este contato com o médico e não modificar as medicações por contra própria. Além disso, é interessante procurar formas de lidar com o isolamento, fazendo coisas que goste, sempre dentro de casa.” 

Em um cenário pós-pandemia, Christiane destaca que seguir com a orientação médica será de suma importância, visto que fatores estressores e transtornos pós-traumáticos tendem a continuar a exercer influência sobre a saúde mental da mulher. E, portanto, a ajuda psicológica poderá amenizar os impactos a longo prazo. 

* Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram 




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